Faz hoje, dia 27 de julho, 45
anos sobre o dia em que faleceu António Oliveira Salazar.
Será extemporâneo fazer um juízo
político sobre o homem que, sem participar na revolução de 28 de maio de 1926,
melhor respondeu na prática aos seus objetivos políticos e militares, entre os
quais se incluíam o saneamento das contas públicas e o reganho da estatura
política do Estado, servido incondicional e acriticamente pelas forças armadas
e policiais em torno de um ideário de autoritarismo messiânico – custasse o que
custasse. Nota-se hoje pretensão algo similar, não?!
Era o absolutismo mais refinado
posto em ação no século XX ou o despotismo iluminado colocado não ao serviço do
progresso ou da liberdade, mas de valores tidos como sagrados, mas em que
subiste a dúvida se os seus mentores verdadeiramente acreditavam neles. Com
efeito, não se negava a pátria, mas era a pátria que o regime concebia, sem o
pluralismo de ideias, posturas e sentimentos, hipocritamente plurirracial, bastando
que uns pensassem e mandassem e os outros obedecessem e fizessem; não se negava
a família, mas não se lhe reconheciam direitos, que eram transferidos para as
instituições estatais ou paraestatais (UN, LP, MP, DCT e FNAT), e a habitação social, que o Estado
programava, era tudo menos amiga da família, dadas as dimensões exíguas de cada
habitação familiar tipo; e não se discutia Deus e a religião, mas a polémica
estalou em torno da inclusão ou não do nome de Deus na Constituição Política e
a religião aceite ou tolerada seria aquela que não desdissesse dos desígnios do
regime, caso contrário era sujeita a condicionamento, policiamento e
silenciamento – e colocada, pelo menos em tentativa, ao serviço do ideário do
regime.
Era um regime em que muitos acreditaram,
pela segurança e ordem que inspirou, mas que se tornaram adversários à medida
que recolhiam elementos mentais e comportamentais que os levavam à rutura e,
por consequência, às malhas dos perseguidores. Porém, o líder, que não encheu
os seus bolsos, encheu os cofres do Estado, e o povo, que não saiu do ruralismo,
chegou a passar fome, sem guerra mundial, mas sem a expurgar do Ultramar. E
creu no messianismo.
***
Foi com naturalidade regiminal que
o dia 27.07.1970 encheu as páginas dos jornais e os noticiários da Rádio e da
RTP.
Assim, o DN publicava, ao
meio dia daquele 27 de julho, uma edição especial sobre o ex-presidente do
Conselho de Ministros de Portugal, onde se destacava uma biografia em que a
vida do homem finado e a do País quase se confundiam. Esta edição ocorreu uma
hora depois de ter sido oficialmente anunciada a morte de António Oliveira
Salazar. E, desde essa segunda-feira até ao dia do funeral, na quinta-feira, o
jornal dedicou dezenas de páginas ao acontecimento, em muitas das quais apenas
existiam fotografias. Obviamente, a
notícia já não surpreendera o país, dado que, durante quase dois anos, Salazar
lutara contra a morte. A doença gravíssima que o prostrou deparara com a
resistência invulgar daquele homem considerado providencial por muitos e para
quem, naquela manhã, se esgotaram todos os recursos da medicina, tendo deixado
de pulsar o coração do homem que a propaganda tirou do mundo dos comuns. E as
discussões sobre a medicina e a cirurgia empregues e sobre os competentes
honorários – pro bono vel pro moneta
– persistiram.
O que soa a artificial ou a furo jornalístico frustrado foi o que se
passou com o Diário de Lisboa, em
outubro de 1968. Por ocasião do internamento de Salazar no
Hospital da Cruz Vermelha, em setembro de 1968, por vi de queda no lajedo e de
hematoma cerebral, aquele vespertino diário lisboeta preparou uma edição
especial a dar a notícia da morte do ditador, a fim de ter tudo pronto para ir
para a banca logo que a notícia fosse confirmada. Todavia, essa edição nunca chegou a
vir à luz do dia, uma vez que o ex-Presidente do Conselho sobreviveu ainda
durante mais dois anos.
A revista Sábado, de 23 de julho passado, publicou na íntegra o fac-símile daquelas
oito páginas, que não referem o dia daquele mês de outubro de 1968. As
provas tipográficas desse documento foram recentemente doadas ao Arquivo
Nacional Torre do Tombo pela viúva e pela irmã de António Ruella Ramos.
A 1.ª página oferece com o
título em grandes parangonas “Morreu Salazar”, a que vem anteposta a referência
do antetítulo “após quarenta anos no Poder”. E o pós-título reza: “O chefe do
Governo cessante sucumbiu esta tarde”. Ao fundo, a uma coluna, anuncia-se: “A
vida e a ação do Prof. Salazar – página central”; em caixilho “edição especial”;
“hoje – 8 páginas”; e “visado pela censura”. Depois, a abranger uma coluna da
esquerda, as duas colunas centrais e as duas colunas da direita, um caixilho
sob o título “Agonia e Desenlace” dá conta das putativas circunstâncias da
morte do ex-governante, do conteúdo dos sucessivos boletins médicos e das
declarações de algumas personalidades presumivelmente afetas ao ex-chefe do
Governo.
***
Este género de postura noticiosa e discursiva
não é tão inusitado como se possa crer. João Paulo II escreveu discursos (um deles para estudantes universitários portugueses, em 1982) e, pressionado pela
exiguidade do tempo, decidiu fazer longas omissões de que prestes deu conta ao
auditório, prometendo entregar o texto na íntegra ao reitor da Universidade
Católica Portuguesa, para que lho lesse noutra oportunidade, já que o Reitor da
UCP tinha mais tempo que o Papa. E o Papa Francisco tem sido useiro e vezeiro
nesta postura, não por falta de tempo, mas tendo em conta circunstâncias com
que não contava, como as alterações climatéricas nas Filipinas no Tacloban International
Airport ou depois do que ouviu e anotou
nalguns momentos das suas viagens apostólicas à Albânia, à Bósnia-Herzegovina e
à América Latina.
***
Célebre se tornou a precaução tomada por
Richard Nixon a propósito da Missão Apolo XI. Só 30 anos depois, em 1999, o Los Angeles Times divulgou a
possibilidade, tida como quase certa, de uma má alunagem ter impedido o
regresso à Terra.
Com efeito, tanto Michael Collins, que
permaneceu em órbita a bordo do Columbia,
como Neil Armstrong e Edwin Aldrin, que alunavam a bordo do Eagle, sabiam os riscos que corriam.
Porém, os dois alunantes, pelo menos, não sabiam que, se alguma coisa corresse
mal (por exemplo, se não conseguissem lançar a
secção de descolagem do módulo lunar), lhes seriam cortadas todas as comunicações
e ficariam condenados a morrer na superfície lunar por falta de possibilidade
de apoio.
Tudo acabou por correr bem. Todavia, William
Safire, redator ao serviço da Casa Branca, preparou um discurso para Nixon
pronunciar, a 18 de julho de 1969, “em caso de desastre” e com este segmento a
dar-lhe o título. Dele se transcrevem os passos mais significativos:
“O destino determinou que os homens que foram à Lua para a
explorarem em paz ficassem lá para descansar em paz. Estes corajosos homens – Neil
Armstrong e Edwin Aldrin – sabem que não há esperança de serem salvos. Mas
também sabem que, com o seu sacrifício, há esperança para a humanidade. Estes
dois homens dão as suas vidas pelo mais nobre objetivo da humanidade: a busca
da verdade e do conhecimento, as suas famílias e amigos vão chorá-los, a nação
vai chorá-los; a ‘Mãe-Terra’, que ousou enviar dois dos seus filhos para o
desconhecido, vai chorá-los.
“Na Antiguidade, os homens olhavam as estrelas e viam os seus
heróis nas constelações. Nos tempos modernos, também fazemos isso, mas os
nossos heróis são homens épicos de carne e sangue [Isto me faz lembrar os heróis portugueses d’ Os Lusíadas]. Outros se seguirão e certamente regressarão a
casa, (…) mas estes homens foram os primeiros e permanecerão para sempre nos
nossos corações.
“Porque cada ser humano que olhar para a Lua, nas noites que
estão para vir, saberá que existe um canto no outro mundo que será para sempre
parte da humanidade”. – In “Nunes dos Santos, Uma mão cheia de curiosidades, Porto: Menabel, 2000”.
***
Sei que os líderes partidários estudam o
discurso de vitória e o de derrota, segundo o que os resultados da respetiva
eleição ditarem. E isso parece compaginar uma postura de prudência, já que um
discurso improvisado peca por ser pobre em momento de grandeza de vitória e em
momento de nobreza no caso de derrota.
Não obstante, não deixo de recordar com a
conveniente censura, o caso de um autarca presidente de câmara acabado de ser
reeleito, que teve o desplante de declarar, em plena cerimónia da instalação
dos órgãos autárquicos do seu município, que, depois do que ali ouvira,
passaria a pronunciar o discurso alternativo que preparara para a circunstância
de o discurso de um dos opositores à linha política que ele perfilhava, ter
sido o que foi e como foi. E, de facto, deixou em cima da mesa os papéis que
tinha colocado sobre ela e puxou de outro cardápio.
Recordo também o discurso acintoso de Cavaco
Silva em 2011, quase ajuste de contas com os opositores, tanto na noite da sua
reeleição como na tarde da sua posse na Assembleia da República. E não havia
necessidade!
Concordo, pois, que se preparem discursos
alternativos para o surgimento de eventos prováveis ou que revelem maior
atenção às pessoas, mas penso temerário o uso de discurso insultuoso, preparado
em alternativa ou não, contra alguém, só por que não concorda connosco.
E vêm defender a liberdade de expressão com
unhas e dentes – a deles!
2015.07.27
– Louro de Carvalho
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