segunda-feira, 27 de julho de 2015

Os discursos de antecipação e alternativos

Faz hoje, dia 27 de julho, 45 anos sobre o dia em que faleceu António Oliveira Salazar.
Será extemporâneo fazer um juízo político sobre o homem que, sem participar na revolução de 28 de maio de 1926, melhor respondeu na prática aos seus objetivos políticos e militares, entre os quais se incluíam o saneamento das contas públicas e o reganho da estatura política do Estado, servido incondicional e acriticamente pelas forças armadas e policiais em torno de um ideário de autoritarismo messiânico – custasse o que custasse. Nota-se hoje pretensão algo similar, não?!
Era o absolutismo mais refinado posto em ação no século XX ou o despotismo iluminado colocado não ao serviço do progresso ou da liberdade, mas de valores tidos como sagrados, mas em que subiste a dúvida se os seus mentores verdadeiramente acreditavam neles. Com efeito, não se negava a pátria, mas era a pátria que o regime concebia, sem o pluralismo de ideias, posturas e sentimentos, hipocritamente plurirracial, bastando que uns pensassem e mandassem e os outros obedecessem e fizessem; não se negava a família, mas não se lhe reconheciam direitos, que eram transferidos para as instituições estatais ou paraestatais (UN, LP, MP, DCT e FNAT), e a habitação social, que o Estado programava, era tudo menos amiga da família, dadas as dimensões exíguas de cada habitação familiar tipo; e não se discutia Deus e a religião, mas a polémica estalou em torno da inclusão ou não do nome de Deus na Constituição Política e a religião aceite ou tolerada seria aquela que não desdissesse dos desígnios do regime, caso contrário era sujeita a condicionamento, policiamento e silenciamento – e colocada, pelo menos em tentativa, ao serviço do ideário do regime.
Era um regime em que muitos acreditaram, pela segurança e ordem que inspirou, mas que se tornaram adversários à medida que recolhiam elementos mentais e comportamentais que os levavam à rutura e, por consequência, às malhas dos perseguidores. Porém, o líder, que não encheu os seus bolsos, encheu os cofres do Estado, e o povo, que não saiu do ruralismo, chegou a passar fome, sem guerra mundial, mas sem a expurgar do Ultramar. E creu no messianismo.
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Foi com naturalidade regiminal que o dia 27.07.1970 encheu as páginas dos jornais e os noticiários da Rádio e da RTP.
Assim, o DN publicava, ao meio dia daquele 27 de julho, uma edição especial sobre o ex-presidente do Conselho de Ministros de Portugal, onde se destacava uma biografia em que a vida do homem finado e a do País quase se confundiam. Esta edição ocorreu uma hora depois de ter sido oficialmente anunciada a morte de António Oliveira Salazar. E, desde essa segunda-feira até ao dia do funeral, na quinta-feira, o jornal dedicou dezenas de páginas ao acontecimento, em muitas das quais apenas existiam fotografias. Obviamente, a notícia já não surpreendera o país, dado que, durante quase dois anos, Salazar lutara contra a morte. A doença gravíssima que o prostrou deparara com a resistência invulgar daquele homem considerado providencial por muitos e para quem, naquela manhã, se esgotaram todos os recursos da medicina, tendo deixado de pulsar o coração do homem que a propaganda tirou do mundo dos comuns. E as discussões sobre a medicina e a cirurgia empregues e sobre os competentes honorários – pro bono vel pro moneta – persistiram.
O que soa a artificial ou a furo jornalístico frustrado foi o que se passou com o Diário de Lisboa, em outubro de 1968. Por ocasião do internamento de Salazar no Hospital da Cruz Vermelha, em setembro de 1968, por vi de queda no lajedo e de hematoma cerebral, aquele vespertino diário lisboeta preparou uma edição especial a dar a notícia da morte do ditador, a fim de ter tudo pronto para ir para a banca logo que a notícia fosse confirmada. Todavia, essa edição nunca chegou a vir à luz do dia, uma vez que o ex-Presidente do Conselho sobreviveu ainda durante mais dois anos.
A revista Sábado, de 23 de julho passado, publicou na íntegra o fac-símile daquelas oito páginas, que não referem o dia daquele mês de outubro de 1968. As provas tipográficas desse documento foram recentemente doadas ao Arquivo Nacional Torre do Tombo pela viúva e pela irmã de António Ruella Ramos.
A 1.ª página oferece com o título em grandes parangonas “Morreu Salazar”, a que vem anteposta a referência do antetítulo “após quarenta anos no Poder”. E o pós-título reza: “O chefe do Governo cessante sucumbiu esta tarde”. Ao fundo, a uma coluna, anuncia-se: “A vida e a ação do Prof. Salazar – página central”; em caixilho “edição especial”; “hoje – 8 páginas”; e “visado pela censura”. Depois, a abranger uma coluna da esquerda, as duas colunas centrais e as duas colunas da direita, um caixilho sob o título “Agonia e Desenlace” dá conta das putativas circunstâncias da morte do ex-governante, do conteúdo dos sucessivos boletins médicos e das declarações de algumas personalidades presumivelmente afetas ao ex-chefe do Governo.
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Este género de postura noticiosa e discursiva não é tão inusitado como se possa crer. João Paulo II escreveu discursos (um deles para estudantes universitários portugueses, em 1982) e, pressionado pela exiguidade do tempo, decidiu fazer longas omissões de que prestes deu conta ao auditório, prometendo entregar o texto na íntegra ao reitor da Universidade Católica Portuguesa, para que lho lesse noutra oportunidade, já que o Reitor da UCP tinha mais tempo que o Papa. E o Papa Francisco tem sido useiro e vezeiro nesta postura, não por falta de tempo, mas tendo em conta circunstâncias com que não contava, como as alterações climatéricas nas Filipinas no Tacloban International Airport ou depois do que ouviu e anotou nalguns momentos das suas viagens apostólicas à Albânia, à Bósnia-Herzegovina e à América Latina.
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Célebre se tornou a precaução tomada por Richard Nixon a propósito da Missão Apolo XI. Só 30 anos depois, em 1999, o Los Angeles Times divulgou a possibilidade, tida como quase certa, de uma má alunagem ter impedido o regresso à Terra.
Com efeito, tanto Michael Collins, que permaneceu em órbita a bordo do Columbia, como Neil Armstrong e Edwin Aldrin, que alunavam a bordo do Eagle, sabiam os riscos que corriam. Porém, os dois alunantes, pelo menos, não sabiam que, se alguma coisa corresse mal (por exemplo, se não conseguissem lançar a secção de descolagem do módulo lunar), lhes seriam cortadas todas as comunicações e ficariam condenados a morrer na superfície lunar por falta de possibilidade de apoio.
Tudo acabou por correr bem. Todavia, William Safire, redator ao serviço da Casa Branca, preparou um discurso para Nixon pronunciar, a 18 de julho de 1969, “em caso de desastre” e com este segmento a dar-lhe o título. Dele se transcrevem os passos mais significativos:
“O destino determinou que os homens que foram à Lua para a explorarem em paz ficassem lá para descansar em paz. Estes corajosos homens – Neil Armstrong e Edwin Aldrin – sabem que não há esperança de serem salvos. Mas também sabem que, com o seu sacrifício, há esperança para a humanidade. Estes dois homens dão as suas vidas pelo mais nobre objetivo da humanidade: a busca da verdade e do conhecimento, as suas famílias e amigos vão chorá-los, a nação vai chorá-los; a ‘Mãe-Terra’, que ousou enviar dois dos seus filhos para o desconhecido, vai chorá-los.
“Na Antiguidade, os homens olhavam as estrelas e viam os seus heróis nas constelações. Nos tempos modernos, também fazemos isso, mas os nossos heróis são homens épicos de carne e sangue [Isto me faz lembrar os heróis portugueses d’ Os Lusíadas]. Outros se seguirão e certamente regressarão a casa, (…) mas estes homens foram os primeiros e permanecerão para sempre nos nossos corações.
“Porque cada ser humano que olhar para a Lua, nas noites que estão para vir, saberá que existe um canto no outro mundo que será para sempre parte da humanidade”. – In “Nunes dos Santos, Uma mão cheia de curiosidades, Porto: Menabel, 2000”.
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Sei que os líderes partidários estudam o discurso de vitória e o de derrota, segundo o que os resultados da respetiva eleição ditarem. E isso parece compaginar uma postura de prudência, já que um discurso improvisado peca por ser pobre em momento de grandeza de vitória e em momento de nobreza no caso de derrota.
Não obstante, não deixo de recordar com a conveniente censura, o caso de um autarca presidente de câmara acabado de ser reeleito, que teve o desplante de declarar, em plena cerimónia da instalação dos órgãos autárquicos do seu município, que, depois do que ali ouvira, passaria a pronunciar o discurso alternativo que preparara para a circunstância de o discurso de um dos opositores à linha política que ele perfilhava, ter sido o que foi e como foi. E, de facto, deixou em cima da mesa os papéis que tinha colocado sobre ela e puxou de outro cardápio.
Recordo também o discurso acintoso de Cavaco Silva em 2011, quase ajuste de contas com os opositores, tanto na noite da sua reeleição como na tarde da sua posse na Assembleia da República. E não havia necessidade!
Concordo, pois, que se preparem discursos alternativos para o surgimento de eventos prováveis ou que revelem maior atenção às pessoas, mas penso temerário o uso de discurso insultuoso, preparado em alternativa ou não, contra alguém, só por que não concorda connosco.
E vêm defender a liberdade de expressão com unhas e dentes – a deles!

2015.07.27 – Louro de Carvalho

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