sexta-feira, 17 de julho de 2015

A saga da avaliação das aprendizagens e outros interesses

Nos últimos dias, a imprensa tem destacado notícias várias sobre educação a merecer reflexão.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), no seu relatório “Estado da Educação 2013”, divulgado no passado mês de setembro, apontou a existência de escolas que inflacionam os resultados dos alunos, gerando discrepâncias entre a classificação interna (resultante do trabalho desenvolvido pelo aluno ao longo de todo o ano) e a classificação externa (classificação obtida nos exames nacionais, no ensino secundário, ou nas provas finais, no ensino básico). Na altura, o MEC considerou “natural” a existência das diferenças entre a classificação interna e a externa, garantindo, porém, a intervenção da IGEC caso fosse participada, fundamentadamente, alguma situação concreta de manipulação concertada de resultados escolares. 
Sobre o tema, pronunciaram-se os diretores de escolas públicas. Filinto Lima, vice-presidente da ANDAEP (Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), declarou à Lusa:
“Para mim, este é um problema das escolas privadas, até porque as escolas públicas que inflacionem notas são penalizadas nos créditos horários atribuídos”.
Do seu ponto de vista, tais discrepâncias, que podem influenciar as médias de candidatura ao Ensino Superior, acontecem mais nas escolas mais bem classificadas nos rankings dos exames nacionais, cujos lugares cimeiros são geralmente ocupados por estabelecimentos privados (Sabe-se bem porquê, mas quem pode e deve não age – digo eu).
Por seu turno, Manuel Pereira, presidente da congénere ANDE (Associação Nacional de Diretores Escolares), recorda que a avaliação feita nas escolas tem em conta critérios que não cabem em duas horas de exame, sendo, por isso mesmo, “óbvio que tem de haver resultados diferentes” entre a avaliação interna e avaliação externa.
O óbvio é que (e o Ministro assegura que cada vez há menos razão para que persista essa diferença, dado que as metas curriculares estão perfeitamente definidas para que se saiba o que os alunos devem saber em cada disciplina no fim de cada ano de escolaridade) hoje o ensino que a escola ministra, sobretudo nas disciplinas sujeitas a exame ou prova final, está formatado, não pelos programas nem pelas metas curriculares, mas pelo figurino (conceção, estrutura, tipo de itens, distribuição de cotações e critérios de correção classificação) de prova de exame ou de prova final.
Gonçalo Madureira, o aluno do Pinhão que acabou o ensino secundário com a média de 20 valores (cf JN, de hoje), ao ser questionado sobre a causa do sucesso, explicou:
“Foi para isto que trabalhei. É a recompensa de três anos de estudo no secundário, mas o trabalho já vem de antes porque sempre procurei ter bons alicerces para agora assimilar conhecimentos mais facilmente. […] Sempre tive a noção de que era preciso trabalhar para conseguir aquilo que nos realiza. O estudo compensa.”.
Porém, a jornalista, bem informada, comenta:
“Estar atento nas aulas, estudar bastante e ter em conta a tipologia das questões que saem nos exames são o segredo de Gonçalo para obter boas notas”.
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Entretanto, pela IGEC (Inspeção-Geral de Educação e Ciência) correm 4 processos de inquérito para averiguar suspeitas de inflação das classificações internas. Neste âmbito, foram investigados 10 estabelecimentos de ensino (públicos e privados). Entretanto, foram-lhes feitas recomendações e, durante o mês de junho, verificou-se se essas recomendações estavam a ser cumpridas, o que aconteceu, segundo a tutela, na generalidade das escolas. Porém, 4 continuam em investigação e a tutela recusa revelar quais os estabelecimentos sujeitos a processos de inquérito. O móbil destas averiguações é a apresentação, de forma continuada, de maior discrepância entre as classificações internas e externas, tendo por base dados da DGEEC (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência). A este respeito, o MEC (Ministério da Educação e Ciência) esclarece:
“A avaliação e a classificação dos alunos, nos termos da lei, são exercidas pelas escolas, no âmbito da sua autonomia pedagógica. Assim, balizadas pelas normas legais aplicáveis, cada escola elabora os seus critérios de avaliação, devendo dar-lhes cumprimento. Nos casos alvo de averiguação verificou-se alguma incorreção na aplicação dos critérios, o que motiva a emissão de recomendações, visando maior rigor na sua aplicação.”.
Além disso, o MEC garante que aos incumprimentos detetados são aplicáveis as sanções “previstas no regime disciplinar dos trabalhadores públicos ou no regime disciplinar previsto no estatuto do ensino particular e cooperativo”. No entanto, é caso para perguntar porque é que as grandes discrepâncias continuam, apesar das metas, do figurino examinal e da ação da IGEC.
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Atentando no panorama dos exames do ensino secundário, verificamos que as reprovações a Matemática descem de 22% para 11% e a Português sobem de 5% para 6%. Porém, o MEC quer análise pormenorizada das provas e seus resultados para perceber se os objetivos foram atingidos. Sabe-se outrossim que as provas são objeto de consultorias e auditorias de especialidade, por professores quer do ensino secundário, quer do ensino superior, bem como de parecer prévio pelas entidades representadas no Conselho Científico do IAVE, IP (Instituto de Avaliação Educativa); e, no geral, as provas foram consideradas adequadas no que respeita à sua relação com os documentos curriculares e em relação ao público-alvoE não se percebe como a presidente da ANPP (Associação Nacional de Professores de Português) põe a questão da falta de equidade por alguns docentes corretores não terem formação específica (para quê? – pergunto), quando os critérios são públicos, como refere a presidente da APP.
Na generalidade, as classificações são melhores que as do ano anterior, tendo-se registado uma melhoria superior a meio valor na classificação média de exame dos alunos internos em 9 das 22 disciplinas. Em 6 delas, a média das classificações reduziu mais de meio valor.
O IAVE refere que os resultados revelam “um quadro de relativa estabilidade na generalidade das disciplinas”, mas salienta que qualquer análise “deve ter em conta uma série temporal mais longa, que permita uma comparação de resultados de cinco ou mais anos”. Por sua vez, o MEC defende que os exames se devem manter num grau de exigência global semelhante ao longo dos anos por serem “um referencial no processo de avaliação dos alunos”. 
O destaque vai para Matemática A, que subiu 2,8 valores, passando de média negativa para positiva. Isto é, a segunda disciplina com mais provas realizadas este ano (47 901), passou de 9,2 valores, em 2014, para 12, em 2015. Português, a disciplina com mais provas realizadas (70 562), registou uma ligeira descida, de 11,6 valores, em 2014, para 11, em 2015. A percentagem de alunos que este ano reprovou a Matemática foi de 11%, contra 22% no ano passado. Português viu a taxa de reprovação subir um ponto percentual, passando de 5% para 6%.
Lurdes Figueiral, presidente da APM (Associação de Professores de Matemática), disse que a prova de Matemática A estava bem estruturada, em conformidade com o programa, e antevira que a média poderia subir um valor e que o resultado “faz justiça ao trabalho de alunos e professores”.
Ao facto de o Ministro vir publicamente dizer que a melhoria de notas não significa que os alunos saibam mais, aquela dirigente associativa comentou assim:
“Considero estranho que, quando denunciámos, há dois anos, que os exames eram desajustados não houve qualquer preocupação. Parece que o senhor ministro se preocupa com o bom resultado dos alunos. Tenho pena de não o ter visto preocupado com os resultados do 3.º ciclo, porque, aí sim, devia ter mandado avaliar o tipo de apoio que lhes está a ser prestado. Não é vir agora desprestigiar e pôr em causa o bom desempenho dos alunos do secundário”.
Não aceitando que o ministro pretenda passar a ideia de que os alunos não sabem nada de Matemática, reagiu com estas palavras:
“Isto só vem provar que os exames são um instrumento de avaliação muito pouco rigoroso, porque faz-se com os exames aquilo que se quer, consegue-se com os exames os resultados que se quer obter. Talvez o senhor ministro não tenha conseguido obter os resultados que queria”.
Por seu turno, a SPM (Sociedade Portuguesa de Matemática), em relação às dúvidas levantadas pelo ministro quanto à subida de cerca três valores a Matemática A, diz que, se Nuno Crato tem dúvidas, deve mandar avaliar. Fernando Costa, da SPM, afirmou que a subida da média “é um resultado inesperado”, mesmo reconhecendo que a prova deste ano era mais simples. E explicou o resultado com o facto de dois dos tópicos mais difíceis – trigonometria e números complexos –, que no ano anterior valiam cerca de 6 valores na prova, este ano valiam quatro valores, o que ajudou influenciou a subida das classificações dos alunos médios. 
Para o IAVE, a introdução de conteúdos do 10.º ano é um fator que explica parcialmente a evolução positiva dos resultados a Matemática A, sustentando a asserção em diversos pareceres de especialistas que opinam que o peso que vinha sendo atribuído ao cálculo era excessivo e que a prova deveria conter pelo menos um item de modelação matemática e mobilizar capacidades relacionadas com o conhecimento de conceitos e procedimentos.
Em Biologia e Geologia registou-se a maior descida, de 2,1 valores, passando de média positiva para a negativa de 8,9 valores. Neste caso, o IAVE refere que
“Os alunos não dominam conteúdos curriculares essenciais que foram avaliados em itens que apelavam sobretudo ao conhecimento e à compreensão simples de conceitos e cujos resultados ficaram aquém do que seria expectável”.
Em Física e Química, prova feita por cerca de 28 mil alunos, registou-se uma subida, mas não se conseguiu passar a positiva, ficando-se nos 9,9 valores. 
O MEC, conhecidos os resultados, preconiza ser necessário que o IAVE e organismos responsáveis “procedam a uma análise pormenorizada das provas e seus resultados, tendo em vista avaliar em que grau se tem atingido, ou não, o objetivo preconizado”.
Com exceção das disciplinas de Alemão e Inglês, os alunos internos voltaram a obter classificações mais elevadas do que as alcançadas pelos autopropostos. As diferenças mais significativas encontram-se nas disciplinas de Geometria Descritiva A e Matemática A, respetivamente com 4,7 e 5,2 valores de diferença. As disciplinas onde as diferenças são mais ténues são Física e Química A, Biologia e Geologia, com uma diferença de apenas 1,3 valores.
Para não se cair na cristalização de conteúdos, o IAVE sustenta que, tendo em conta o carácter público dos itens, a conceptualização das provas “não pode permanecer cristalizada nos mesmos conteúdos e capacidades, sob pena de excluir, da avaliação externa, partes significativas do currículo”. Mas penso que o MEC devia definir uma nota mínima na prova para aprovação.
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Em relação ao 3.º CEB e comparativamente com o ano passado, a taxa de reprovação mantém-se nos 10% a Português e subiu um ponto percentual, para 32%, a Matemática. Aí, o MEC adverte que as escolas têm de identificar cada vez mais cedo as dificuldades nos primeiros anos do ensino básico.
Os resultados das provas finais dos alunos do 9.º ano são conhecidos e as médias melhoraram a Português e pioraram a Matemática: ou seja, 48% a Matemática, inferiores em 5% aos 53% registados em 2014, e 58% a Português, mais 2% do que os 56% do ano passado.
Segundo os dados do IAVE, das 94 579 provas realizadas a Português, 22 138 alunos tiveram resultados negativos e 77% obtiveram uma classificação igual ou superior a 50%. A maioria registou resultados entre os 48% e os 63%. Menos de 200 provas tiveram resultados abaixo dos 10% e em 24 provas as classificações aproximaram-se da cotação de 100% ou a atingiram. É bastante maior em Matemática a dispersão de resultados, mas o intervalo com maior número de provas é o que diz respeito aos alunos que obtiveram notas entre os 48% e os 53%. Quase 45 mil alunos, dos 94 970 que fizeram prova à disciplina, tiveram resultados que não ultrapassaram os 40%. Apenas 410 provas se aproximaram da cotação máxima de 100% ou a atingiram.
Este ano, aumentou a percentagem de alunos que conseguiram resultados nas duas disciplinas de nível 4 (
entre os 70% e os 89%) ou 5 (entre os 90% e os 100%), isto é, uma subida de 23% para 26%, a Português, e de 26% para 27%, a Matemática. Ao divulgar os resultados, o MEC sublima que ainda há uma percentagem elevada de alunos com dificuldades significativas nas duas disciplinas estruturantes – o que, em sua opinião, confirma
“A necessidade de as escolas identificarem cada vez mais cedo essas dificuldades nos primeiros anos do ensino básico, aplicando as medidas de apoio definidas e implementadas pelas escolas desde 2012”.
Este ano, pela primeira vez e à semelhança do que já acontece nos 4.º e 6.º anos, as provas finais do 9.º ano realizam-se em duas fases, proporcionando assim “uma nova oportunidade para alguns alunos recuperarem os resultados da sua aprendizagem, após um período de estudo”.
Por fim, o IAVE refere que “as classificações médias das provas finais do 3.º ciclo do Ensino Básico mantêm-se estáveis quando comparadas com os resultados de anos anteriores e sem variações com relevância assinalável”.
Edviges Ferreira, presidente da APP (Associação de Professores de Português) disse que a associação estranharia se a média da disciplina não subisse este ano. A última prova foi mais objetiva do que a do ano passado. Explicitando que “muitas vezes, os resultados e a prestação dos alunos dependem do grau de objetividade e subjetividade da prova”, assegurou que, em seu entender, se tem verificado que as médias sobem em provas mais objetivas e descem em exames subjetivos. Porém, sublinha, que a comparação das médias seria rigorosa caso as provas mantivessem o mesmo perfil e o mesmo grau de exigência ao longo dos anos.
Já a APM e a SPM se mostraram surpreendidas com os resultados, com a descida da média a Matemática. À Lusa Lurdes Figueiral declarou:
“Quero expressar preocupação de forma global por estes resultados. São valores que ainda nos preocupam, mas a comparação com os resultados do ano anterior não pode ser feita de forma tão linear”.
A responsável da APM avançou com duas razões: uma deslocação da percentagem de alunos com classificações de nível 2 (nível negativo) para o nível 1 (a classificação mais baixa) e a falta de apoio escolar para os alunos com maiores dificuldades. E explicitou:
“Este ano a percentagem de alunos que correspondem ao nível 1 subiu para mais do dobro. Em 2014 houve 197 provas classificadas nesse nível e, em 2015, há 1580. Essa subida em valores tão extremos da escala faz alterar muito a média”.
Também Fernando Costa, que tinha expectativas mais elevadas, revelou:
“Prevíamos melhor. A única hipótese que podemos avançar é que a prova deste ano tinha muitas questões que envolviam matéria do 8.º ano. Os alunos mal preparados podiam não ter essa matéria tão fresca na memória e isso explicar os baixos resultados. É apenas uma hipótese que apenas poderemos confirmar, quando forem conhecidos os resultados pergunta por pergunta”.
Por seu turno, o MEC, no comunicado em que aborda os resultados do 9.º ano, sustenta que, em ambas as disciplinas, se verificou-se uma “elevada proximidade entre as classificações internas dos alunos e as classificações obtidas nas provas finais”.
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Comentando, no JN de 11.07.2015, sob a epígrafe “Humanizar as notas”, o panorama geral das classificações escolares, Inês Cardoso salienta a situação das classificações e o seu excessivo e exclusivo peso no ingresso no ensino superior.  
Começando por verberar a clássica desconfiança que grassa pelo país e patente na tímida “abertura de inquéritos, uma novidade conhecida esta semana”, refere:
“Há escolas investigadas por suspeita de inflacionarem sistematicamente notas, uma realidade que tem sido posta a descoberto na elaboração de rankings e em estudos que mostram até onde podem ir as injustiças causadas por eventuais adulterações. Em cursos muito concorridos, uma vantagem de um valor é suficiente para ultrapassar mais de 450 colegas”.
Censura o “simplismo das estatísticas” e considera que “a avaliação interna incorpora, além de resultados escritos, outros critérios e valores”. Porém, não deixa de chamar a atenção para a seguinte ambivalência:
A nota de escola avalia muito mais, e com mais proximidade, do que um exame feito numa hora. Mas também é verdade que quanto mais exigentes e ajustados às capacidades dos alunos forem esses critérios, mais tenderão a prepará-los para os exames. Se ano após ano uma escola revela notas de exame muito abaixo das internas, é imperativo que se investigue e se evitem dúvidas sobre as desigualdades eventualmente criadas.
Depois, aponta a duplicidade perversa de efeitos: 
Essa investigação é ainda mais relevante se tivermos em conta a total assimetria nos mecanismos existentes para intervir em escolas públicas e privadas. Nas primeiras, as discrepâncias nas notas são penalizadas em crédito horário. Nas privadas, pelo contrário, são recompensadas com maior procura de alunos que ambicionam aceder aos cursos de sonho.
Sobre as condições de ingresso no ensino superior, tece as seguintes considerações:
A avaliação interna tem atualmente o maior peso na candidatura ao Ensino Superior e é esse modelo de acesso que deve ser discutido. Aumentar simplesmente o peso dos exames não é solução e iria originar idênticas injustiças. Qualquer aluno pode ter um dia menos bom e comprometer, num único momento, o esforço de vários anos.
E propõe chamar as universidades a participar mais no processo de seleção e introduzir critérios humanizantes, que não apenas as notas finais. E explica:
Entrevistas, testes psicotécnicos e outros elementos sujeitos à avaliação das instituições de Ensino Superior podem ajudar a introduzir mais justiça nas candidaturas e humanizar um processo que é hoje meramente estatístico. Veja-se o exemplo clássico da medicina. Alunos com excelentes médias nem sempre terão as caraterísticas de personalidade ideais para o exercício da atividade. E não faltarão, em contrapartida, alunos com perfil excluídos por décimas. O que faz falta é recorrer a mais do que números para decidir a vida e o futuro profissional de um estudante.
O próprio aluno dos 20 valores, valorizando muito as relações com os amigos e a família, destaca a importância da humanização na e a partir da escola – o que é de aplaudir:
“Não podemos deixar para segundo lugar as atividades fora do plano académico. É preciso encontrar um equilíbrio”.
Tudo deve ser feito pela humanização e para que a escola não se torne mera oficina de exames.

2015.07.17 – Louro de Carvalho

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