quinta-feira, 9 de julho de 2015

O meu pesar por João Luís da Inês Vaz

Soube, há dias, do inesperado falecimento do Doutor João Luís da Inês Vaz, na tarde do passado dia 23 de junho, na sua quinta de Dalvares, do concelho de Tarouca, vítima de colapso cardíaco, tendo sido o seu funeral, em Viseu, no dia 26 do mesmo mês. Ainda fora transportado por uma viatura do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o hospital de Lamego, mas sem resultado.
Nascido a 8 de novembro de 1951, na freguesia de Soito, concelho de Sabugal, distrito da Guarda, cedo se radicou na cidade de Viseu.
Concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo feito a pré-especialização em Arqueologia no ano letivo de 1975/1976.
Ainda como estudante, participou quer nas campanhas que, nessa altura, o Doutor Jorge Alarcão fez em Collipo e em Conimbriga, quer em Braga, cujo projeto de salvaguarda dos vestígios romanos de Bracara Augusta estava a dar, nessa altura, os primeiros passos, conforme refere o professor José d’Encarnação.
No ano letivo de 1977-1978, fez o estágio pedagógico para o Ensino Secundário na Escola Secundária de Alves Martins, em Viseu. Foi professor efetivo do Ensino Secundário da disciplina de História e lecionou, em regime requisição, no Centro Regional da Beiras (antigamente o polo de Viseu) da Universidade Católica Portuguesa, passando mais tarde a seu professor auxiliar.
Lecionou História da Arquitetura I e História da Arquitetura II, no Mestrado Integrado de Arquitetura, e foi coordenador do Mestrado em Turismo e Património, onde orientou os seminários de Património Cultural Português, Gestão do Património e Turismo, Cultura e Desenvolvimento.
Concluíra o doutoramento na Universidade de Coimbra com a sua tese sobre a civitas de Viseu, que defendeu em Pré-História e Arqueologia pela Universidade de Coimbra, a 20 de outubro de 1993. Constitui a sua tese, ainda hoje, uma obra de referência incontornável, no dizer do professor José d’Encarnação, já mencionado.
Entretanto, foi Governador Civil do Distrito de Viseu desde 18 de novembro de 1995 a 30 de abril de 2002, cargo para que foi nomeado atendendo ao perfil político e ao enorme trabalho, mormente de índole cultural, que cedo começou a desenvolver na cidade de Viseu, de cuja Câmara Municipal fora vereador de dezembro de 1993 a novembro de 1995. Organizou, por exemplo, dois colóquios arqueológicos de Viseu, na década de oitenta do século passado. O I Colóquio Arqueológico de Viseu, que tão brilhantemente organizou, celebrava o pioneirismo de Monsenhor Celso Tavares da Silva, um precursor da Arqueologia beirã. O II Colóquio Arqueológico de Viseu constituiu nova jornada importante para a Arqueologia regional e nacional.
Participei nos dois colóquios e gostei de os revisitar na leitura dos respetivos livros das atas.
Ainda, enquanto professor do ensino secundário, exerceu vários cargos como o de diretor dos estágios pedagógicos; Presidente da Comissão de Avaliação interna; e Director dos programas FOCO e PRODEP.
Além de vereador municipal e de governador civil, ocupou vários outros lugares públicos: Delegado Distrital da Direção-Geral da Educação de Adultos; Adjunto da Delegação da Direcção-Geral do Pessoal do Ministério da Educação; e Vogal da Região de Turismo Dão-Lafões.
O doutor João Vaz foi membro da Comissão Científica do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, logo desde que esta unidade de investigação foi criada na Universidade de Coimbra. E foi Investigador do CEAUCP – Centro de Estudos Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto. Como arqueólogo, foi responsável por 18 campanhas de escavação em castros e estações arqueológicas romanas na região de Viseu e Aveiro.
Depois de se ter interessado pela Arqueologia e pela História Local e Regional, foi a História Antiga e a Epigrafia que mais concitaram o seu interesse científico.
Integrava a equipa de revista Hispania Epigraphica (da Universidade Complutense de Madrid), sendo, por isso, encarregado de rever todos os textos publicados sobre Epigrafia Romana, sobretudo na zona centro do País. Realizou mais de uma dezena de congressos nacionais e internacionais, no âmbito da Arqueologia e História e pronunciou dezenas de conferências um pouco por todo o país. Tem cerca de 120 livros e trabalhos de caráter histórico, arqueológico e pedagógico – e mais alguns em regime de coautoria – publicados em Portugal, Espanha, França e Itália e foi redator da revista Hispania Epigraphica. Entre os seus livros mais importantes, conta-se Lusitanos -- No tempo de Viriato (Ésquilo, 2009).
Incansável defensor do património cultural, foi um homem lutador de causas, que muito corajosamente abraçava. Foi um amigo, um pensador livre, um homem de convicções, um homem de cultura, que da cultura partiu abruptamente. No período em que ocorreu o seu óbito, presidia ao Centro de Estudos Aquilino Ribeiro, havia cerca de ano e meio, instituição onde desenvolveu notável atividade.
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A Assembleia da República aprovou por unanimidade, no passado dia 3 de julho, um voto de pesar – o voto de pesar n.º 298/2015/XII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS – pelo óbito de João Luís da Inês Vaz, de que se transcreve, com a devida vénia, o núcleo do texto, a partir do blogue Letras e Conteúdos, do grande amigo e deputado Acácio Pinto:
[Desempenhou as funções públicas de que foi incumbido] com extrema dedicação e com elevado brio, deixando uma imagem de grande competência e rigor.
Integrou, igualmente, os órgãos sociais de inúmeras associações culturais e científicas com o espírito que sempre o norteou, servir a comunidade, servir os seus concidadãos.
Como investigador é vasta a sua obra, nomeadamente nas áreas da história e sobretudo da arqueologia onde deu um forte contributo para o aprofundamento do conhecimento das nossas origens mais remotas, deixando o seu nome associado a inúmeros livros, alguns deles traduzidos em várias línguas, artigos científicos e escavações que nos ajudam a perceber a longa evolução do homem em sociedade.
João Luís Inês Vaz, com o seu exemplo, honrou e dignificou a política e a cidadania. Sendo um homem de consensos, nunca deixou, em momento algum, de afirmar as suas convicções fazendo as consequentes ruturas quando estavam em causa princípios norteadores da sua intervenção política.
Era um homem íntegro, frontal, generoso e sempre disponível para ajudar e para trabalhar em prol da comunidade, que com a sua morte prematura perdeu um dos seus melhores e mais dinâmicos cidadãos.

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Por mim, devo dizer que João Luís Vaz foi nomeado governador civil por António Guterres no pressuposto de que ele integraria o elenco dos últimos governadores civis do país, já que se avizinhava o momento da institucionalização em concreto da regionalização. Porém, Marcelo Rebelo de Sousa, feito líder do PSD, ganhou a cartada do referendo e o povo disse não ao mapa da regionalização. E, porque os governos civis seriam extintos nos termos constitucionais aquando da institucionalização da regionalização em concreto, os governos civis persistiram até que o atual governo, em atitude de duvidosa constitucionalidade, os extinguiu, sem que tenha logrado a regionalização ou a revisão da Constituição.
Ora, os governos civis, cujos titulares foram nomeados em regime de precariedade, foram dotados de menores recursos comparativamente com anteriores situações. Apesar disso, este governador conseguiu racionalizar e redistribuir equitativamente os apoios financeiros e logísticos e orientava os requerentes na apresentação de candidaturas a apoios do Estado. E, sobretudo, o Governador marcava presença, pessoalmente ou através de elementos do seu gabinete, nos diversos eventos para os quais fosse convidado.
Eu próprio posso testemunhar as inúmeras visitas que João Luís fez à Escola Profissional de Sernancelhe, à qual dispensou todo o apoio logístico e burocrático sempre que o mesmo lhe foi solicitado; e contribuiu com o seu saber (que sempre admirei) e o de outras pessoas da sua confiança científica e técnica para a mais-valia da referida escola. Algo semelhante posso dizer, positis ponendis, do apoio a paróquias e associações em que estive integrado. Recordo, ainda, que a 22 de dezembro de 1996, participou, do lugar que lhe foi reservado, no convívio evocativo do 30.º aniversário da criação do Externato do Infante Santo, em Sernancelhe, e nas cerimónias que decorreram naquela vila em homenagem ao sernancelhense Padre João Rodrigues – missionário jesuíta, em terras de Índia, Japão e China, no finais do século XVI e primeira metade do século XVII – com uma sessão solene, no Salão Nobre dos Paços do Município, e a inauguração de uma estátua, de uma praça e de um Pavilhão Desportivo em memória do insigne sacerdote.
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Depois de tudo isto, resta o cultivo da sua memória cívica, humanística, científica e tecnológica e, sobretudo, a prece de crente pela sua eterna bem-aventurança, porque o homem vive para sempre!

2015.07.09 – Louro de Carvalho

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