Soube, há
dias, do inesperado falecimento do Doutor João Luís da Inês Vaz, na tarde do
passado dia 23 de junho, na sua quinta de Dalvares, do concelho de Tarouca,
vítima de colapso cardíaco, tendo sido o seu funeral, em Viseu, no dia 26 do
mesmo mês. Ainda fora transportado por uma
viatura do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para o hospital de
Lamego, mas sem resultado.
Nascido a 8 de novembro de 1951, na freguesia de Soito, concelho de
Sabugal, distrito da Guarda, cedo se radicou na cidade de Viseu.
Concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra, tendo feito a pré-especialização em Arqueologia no ano letivo de
1975/1976.
Ainda como estudante, participou quer nas campanhas
que, nessa altura, o Doutor Jorge Alarcão fez em Collipo e em Conimbriga,
quer em Braga, cujo projeto de salvaguarda dos vestígios romanos de Bracara
Augusta estava a dar, nessa altura, os primeiros passos, conforme
refere o professor José d’Encarnação.
No ano letivo de 1977-1978, fez o estágio pedagógico
para o Ensino Secundário na Escola Secundária de Alves Martins, em Viseu.
Foi professor efetivo do Ensino Secundário da disciplina de História e lecionou,
em regime requisição, no Centro Regional da Beiras (antigamente
o polo de Viseu) da
Universidade Católica Portuguesa, passando mais tarde a seu professor auxiliar.
Lecionou História da Arquitetura I
e História da Arquitetura II, no
Mestrado Integrado de Arquitetura, e
foi coordenador do Mestrado em Turismo e
Património, onde orientou os seminários de Património Cultural Português, Gestão
do Património e Turismo, Cultura e
Desenvolvimento.
Concluíra o doutoramento na Universidade de Coimbra
com a sua tese sobre a civitas de Viseu, que defendeu em
Pré-História e Arqueologia pela Universidade de Coimbra, a 20 de outubro de
1993. Constitui a sua tese, ainda hoje, uma obra de referência incontornável, no
dizer do professor José d’Encarnação, já mencionado.
Entretanto, foi Governador Civil do Distrito de Viseu
desde 18 de novembro de 1995 a 30 de abril de 2002, cargo para que
foi nomeado atendendo ao perfil político e ao enorme trabalho, mormente de
índole cultural, que cedo começou a desenvolver na cidade de Viseu, de cuja Câmara
Municipal fora vereador de dezembro de 1993 a novembro de 1995.
Organizou, por exemplo, dois colóquios arqueológicos de Viseu, na década de
oitenta do século passado. O I Colóquio
Arqueológico de Viseu, que tão brilhantemente organizou, celebrava o
pioneirismo de Monsenhor Celso Tavares da Silva, um precursor da Arqueologia beirã.
O II Colóquio Arqueológico de Viseu
constituiu nova jornada importante para a Arqueologia regional e nacional.
Participei nos dois colóquios e gostei de os revisitar
na leitura dos respetivos livros das atas.
Ainda, enquanto professor do ensino secundário, exerceu vários cargos
como o de diretor dos estágios pedagógicos; Presidente da Comissão de Avaliação
interna; e Director dos programas FOCO e PRODEP.
Além de vereador municipal e de governador civil, ocupou vários outros lugares
públicos: Delegado Distrital da Direção-Geral da Educação de Adultos; Adjunto da
Delegação da Direcção-Geral do Pessoal do Ministério da Educação; e Vogal da
Região de Turismo Dão-Lafões.
O doutor João Vaz foi membro da Comissão Científica do
Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património, logo desde
que esta unidade de investigação foi criada na Universidade de Coimbra. E foi Investigador do CEAUCP – Centro de Estudos
Arqueológicos das Universidades de Coimbra e Porto. Como arqueólogo, foi
responsável por 18 campanhas de escavação em castros e estações arqueológicas
romanas na região de Viseu e Aveiro.
Depois de se ter interessado pela Arqueologia e pela
História Local e Regional, foi a História Antiga e a Epigrafia que mais
concitaram o seu interesse científico.
Integrava a equipa de revista Hispania
Epigraphica (da Universidade Complutense de Madrid), sendo, por isso, encarregado de rever todos os
textos publicados sobre Epigrafia Romana, sobretudo na zona centro do País. Realizou mais de uma dezena de
congressos nacionais e internacionais, no âmbito da Arqueologia e História e
pronunciou dezenas de conferências um pouco por todo o país. Tem cerca de 120 livros e trabalhos de caráter histórico,
arqueológico e pedagógico – e mais alguns em regime de coautoria – publicados
em Portugal, Espanha, França e Itália e foi redator da revista Hispania Epigraphica. Entre os
seus livros mais importantes, conta-se Lusitanos
-- No tempo de Viriato (Ésquilo,
2009).
Incansável defensor do património cultural, foi um homem
lutador de causas, que muito corajosamente abraçava. Foi um amigo, um pensador livre,
um homem de convicções, um homem de cultura, que da cultura partiu
abruptamente. No período
em que ocorreu o seu óbito, presidia ao Centro de Estudos Aquilino Ribeiro,
havia cerca de ano e meio, instituição onde desenvolveu notável atividade.
***
A
Assembleia da República aprovou por unanimidade, no passado dia 3 de julho, um
voto de pesar – o voto de pesar n.º 298/2015/XII, apresentado pelo Grupo Parlamentar
do PS – pelo óbito de João Luís da Inês Vaz, de que se transcreve, com a devida
vénia, o núcleo do texto, a partir do blogue Letras e Conteúdos, do grande amigo e deputado Acácio Pinto:
[Desempenhou
as funções públicas de que foi incumbido] com extrema dedicação e com elevado
brio, deixando uma imagem de grande competência e rigor.
Integrou,
igualmente, os órgãos sociais de inúmeras associações culturais e científicas
com o espírito que sempre o norteou, servir a comunidade, servir os seus
concidadãos.
Como
investigador é vasta a sua obra, nomeadamente nas áreas da história e sobretudo
da arqueologia onde deu um forte contributo para o aprofundamento do
conhecimento das nossas origens mais remotas, deixando o seu nome associado a
inúmeros livros, alguns deles traduzidos em várias línguas, artigos científicos
e escavações que nos ajudam a perceber a longa evolução do homem em sociedade.
João Luís
Inês Vaz, com o seu exemplo, honrou e dignificou a política e a cidadania.
Sendo um homem de consensos, nunca deixou, em momento algum, de afirmar as suas
convicções fazendo as consequentes ruturas quando estavam em causa princípios
norteadores da sua intervenção política.
Era um homem
íntegro, frontal, generoso e sempre disponível para ajudar e para trabalhar em
prol da comunidade, que com a sua morte prematura perdeu um dos seus melhores e
mais dinâmicos cidadãos.
***
Por
mim, devo dizer que João Luís Vaz foi nomeado governador civil por António Guterres
no pressuposto de que ele integraria o elenco dos últimos governadores civis do
país, já que se avizinhava o momento da institucionalização em concreto da regionalização.
Porém, Marcelo Rebelo de Sousa, feito líder do PSD, ganhou a cartada do
referendo e o povo disse não ao mapa da regionalização. E, porque os governos
civis seriam extintos nos termos constitucionais aquando da institucionalização
da regionalização em concreto, os governos civis persistiram até que o atual
governo, em atitude de duvidosa constitucionalidade, os extinguiu, sem que
tenha logrado a regionalização ou a revisão da Constituição.
Ora,
os governos civis, cujos titulares foram nomeados em regime de precariedade,
foram dotados de menores recursos comparativamente com anteriores situações. Apesar
disso, este governador conseguiu racionalizar e redistribuir equitativamente os
apoios financeiros e logísticos e orientava os requerentes na apresentação de candidaturas
a apoios do Estado. E, sobretudo, o Governador marcava presença, pessoalmente ou
através de elementos do seu gabinete, nos diversos eventos para os quais fosse
convidado.
Eu
próprio posso testemunhar as inúmeras visitas que João Luís fez à Escola
Profissional de Sernancelhe, à qual dispensou todo o apoio logístico e
burocrático sempre que o mesmo lhe foi solicitado; e contribuiu com o seu saber (que sempre admirei) e o de outras pessoas da sua confiança científica e técnica para a mais-valia
da referida escola. Algo semelhante posso dizer, positis ponendis, do apoio a paróquias e associações em que estive
integrado. Recordo, ainda, que a 22 de dezembro de 1996, participou, do lugar
que lhe foi reservado, no convívio evocativo do 30.º aniversário da criação do
Externato do Infante Santo, em Sernancelhe, e nas cerimónias que decorreram naquela
vila em homenagem ao sernancelhense Padre João Rodrigues – missionário jesuíta,
em terras de Índia, Japão e China, no finais do século XVI e primeira metade do
século XVII – com uma sessão solene, no Salão Nobre dos Paços do Município, e a
inauguração de uma estátua, de uma praça e de um Pavilhão Desportivo em memória
do insigne sacerdote.
***
Depois
de tudo isto, resta o cultivo da sua memória cívica, humanística, científica e tecnológica
e, sobretudo, a prece de crente pela sua eterna bem-aventurança, porque o homem
vive para sempre!
2015.07.09 –
Louro de Carvalho
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