quinta-feira, 2 de julho de 2015

Grande ensinamento de aritmética e algo mais

O título escolhido foi o enunciado em epígrafe, mas bem poderia ter sido outro, para espelhar a inanidade de um discurso político que, sob a capa da magna sabedoria ou da santa ingenuidade (pelos vistos, novas formas de fazer política), raia as malhas do insulto aos bem intencionados e sacrificados pela causa pública e acaba pro ser desprestigiante para este jardim à beira-mar plantado.
Recentemente, depois de ter afirmado, a propósito do braço de ferro que opõe a Grécia ao resto do Eurogrupo, que a Europa não pode abrir exceções ou que não pode tolerar chantagens vindas de dentro ou de fora e de ter alinhado com o Governo na asserção de que temos os cofres cheios com reservas para vários, vários meses, agora na iminência do desfecho catastrófico para Grécia, o Presidente da República resolveu ensinar aritmética ao povo português: efetivamente, se a Grécia sair do Eurogrupo, ainda ficam dezoito países. Na verdade, de dezanove, saindo um, ainda ficam dezoito – uma complexa subtração por se tratar de cidadãos e de instituições e não apenas de números.
Já agora, a modos de parêntesis, gostava de que o Senhor Presidente me esclarecesse, já que se afirma tão culto em matemática – e quem sabe matemática costuma saber gramática – se a palavra que refere por extenso o número 18 devia ser grafada, antes da nova ortografia, como “dezoito”, como era vulgar, ou como “dezóito” para abrir o ditongo “oi”, como me quis ensinar um professor de Português que eu tive, de saudosa memória, porque a palavra terá evoluído (e isto é viável) das expressões latinas do latim vulgar decem ac octo ou decem ad octo (no latim clássico, dizia-se “duodeviginti” – dois abaixo de vinte), que evoluíram para “dezaoito” por via da palatalização do “c” para “z” e da vocalização do segundo “c” para “i”, da crase de “a” com “o” a fazer “ao”, e da sinérese de “o” com “i”. E ainda pretenderia saber de o “s” de “semente” e o “c” de “cebola” têm o mesmo som, como é usual no território nacional, ou som diferenciado, como acontece nalguns pontos do território, como por exemplo na zona de Castro Daire.
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Mas a propósito da eventual e quase certa saída da zona Euro por parte da Grécia, segundo alguns, o Primeiro-Ministro respondeu às alegadas acusações do Ministro das Finanças de França na asserção de que as posições mais duras terão sido as dos pequenos países que nos últimos anos passaram por programas de ajustamento, assegurando sabiamente que as decisões tomadas no Eurogrupo são tomadas por unanimidade, pelo que não podem atribuir-se a este ou àquele país a responsabilidade por esta ou aquela decisão europeia. Porém, aquilo que Passos Coelho se esqueceu de referir – e ele sabe-o – é que as decisões tomadas em órgãos colegiais, por maioria ou por unanimidade, resultam de discussão entre os diversos elementos, por vezes, vigorosa. Pelo que o resultado unânime das decisões não anula as posições de percurso tomadas por um ou mais dos seus elementos. Não vale a pena tentar iludir a opinião pública. Só um diário de sessões é que poderia esclarecer a curiosidade jornalística ou a declaração credível dos elementos supostamente apontados. Por isso, façam os governantes as afirmações que quiserem, mas não usem argumentos falaciosos para as sustentarem.
Coisa parecida fez o Ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares ao responder à questão levantada por um jornalista se a decisão da recondução de Carlos Costa como Governador do Banco de Portugal tinha tido vozes contra no Conselho de Ministros. Segundo ele, as decisões do Conselho de Ministros comprometem o Governo no seu todo e cada um dos seus membros em particular. É óbvio que ninguém nega esta asserção, mas a questão era a das posições de percurso e não a da decisão final, que vincula o Governo independentemente de ser unânime ou maioritária, como as decisões de qualquer órgão colegial, a menos que haja declaração de voto de vencido. Ora, se a cada passo as posições se contradizem no exterior, é mais do que expectável que as contraposições surjam naturalmente no interior do executivo governamental.
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Nós já nos devíamos ter habituado a estes desvios culturais da política. Recordo-me de que Vítor Gaspar, ao comentar o “desvio colossal” das contas de que falava o Primeiro-Ministro, com que havia de ser justificado o corte extraordinário, por via de sobretaxa, do subsídio de Natal no ano de 2012, explicava que Passos Coelho apontara efetivamente “o desvio” e dissera mais umas palavras a que acabou por juntar o adjetivo “colossal”. O mesmo perito em economia e folha excel, mais tarde, avisou os portugueses de que o ano de 2015 é o ano imediatamente consecutivo ao de 2014, como alimentou no Parlamento o diálogo entre o gato chamado Gaspar de um dos deputados da bancada comunista.
Depois, vários dos nossos políticos, ao quererem criticar determinadas afirmações que mexem com as suas áreas científicas, dizem a cada passo que qualquer manual ensina o que se deve saber sobre essa matéria, que um aluno do primeiro ano que dissesse coisas dessas teria na certa o respetivo chumbo ou que é preciso ler os livros ou que, se lessem as declarações que o próprio fez, não fariam tais críticas, que só revelam ignorância ou distração.
Ora, seria desejável que as questões políticas fossem tratadas com outra elevação e aprumo e os portugueses bem o merecem da parte daqueles que elegeram para os representarem e conduzirem a política do país.
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 Finalmente, enquanto os governantes se cansam a clamar e a explicar que a saída da Grécia não contamina Portugal, outras vozes, como a revista Sábado, desta semana, explicitam (pgs 69-71) algumas das consequências da eventualidade da saída da Grécia do Euro. Aqui ficam alguns respingos de síntese:
- Juncker, a propósito do referendo grego, diz que um “não” significa que a Grécia diz não à Europa, ficando assim em jogo a continuidade do país no Euro. Como efeito para Portugal, Aguiar-Conraria aponta a maior vulnerabilidade em que fica a dívida portuguesa a ataques especulativos.
- A austeridade cavou o empobrecimento geral e setorial da Grécia, gerando aumento progressivo e colossal da dívida. Os resultados em Portugal, segundo João Ferreira do Amaral, não são substancialmente melhores. Além dos dados habitualmente referidos, não se pode esquecer a sangria emigratória e, digo eu, o êxodo de imigrantes.
- 80% da dívida grega está em países da União Europeia. Portugal possui, do seu lado, cerca de 4,5 milhões de euros, uma importância aparentemente diminuta na exposição dos bancos portugueses à dívida grega, mas que não livra Portugal de ter de pagar mais para se financiar a médio prazo.
- O governo grego quer permanecer no Euro sem arcar com mais austeridade, ao passo que Portugal tem feito o discurso dos credores, mostrando empenho na redução da dívida. O nosso país, no dizer de Ferreira do Amaral, endividou-se para ajudar a Grécia enquanto passou por um programa de ajustamento. É contraditório e inseguro e nem os cofres cheios à custa de dinheiro pedido emprestado a juro baixo constituem para-choques sustentável.
- A troika exige à Grécia uma longa listagem de reformas. Ora, se um acordo da Grécia com os credores seria bom para Portugal, este impasse leva ao adiamento do investimento e ao crómico abrandamento do nosso crescimento económico.
- Finalmente, se a saída da Grécia da zona Euro não implica a sua saída da UE e não acarretaria a imediata saída de Portugal do grupo dos 19 países menos um, no entanto, as grandes modificações por que passará a zona Euro farão que Portugal se torne “o país que tem menos condições para estar na moeda única” – opina Ferreira do Amaral.
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Em suma, a questão grega e as posições europeias, tal como a governança de Portugal, são de natureza eminentemente política e como tal devem ser encaradas. E devem ser encaradas com elevação política, assente na lídima cultura democrática, de modo a potenciar sadias consequências financeiras e sobretudo económicas – que tenham em vista, acima de tudo o bem-estar das pessoas e a consistência das instituições. Para tanto, há que reformular o projeto europeu e dotá-lo de lideranças que tenham o apurado sentido de visão e a coerência da missão que recai sobre a Europa em relação a si própria, na relação com cada um dos Estados-Membros e com o resto do mundo. 

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