sexta-feira, 3 de julho de 2015

Prémio Norte-Sul de 2014

O Prémio Norte-Sul é uma criação do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa que tem o propósito de promover, em cada ano, a real proteção dos direitos humanos, da pluralidade democrática e do fomento da solidariedade e cooperação entre o norte e o sul através do reconhecimento do trabalho desenvolvido por duas individualidades – uma do norte, outra do sul – de preferência, um homem e uma mulher. O prémio tem sido atribuído todos os anos desde 1995, cinco anos depois da criação deste centro (em 1990), a duas personalidades distintas que que tenham mostrado um empenho de excelência na eficaz prossecução dos objetivos que materializam aquele propósito fundamental.
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O Prémio Norte-Sul de 2014 foi entregue, no passado dia 1 de julho, em cerimónia realizada como habitualmente (esta foi a XX cerimónia de entrega de prémios) na Sala do Senado da Assembleia da República, em Lisboa, e contou com a presença do Presidente da República Portuguesa, que presidiu, da Presidente da Assembleia da República Portuguesa, do Secretário-geral do Conselho da Europa e do Presidente da Assembleia do Conselho da Europa.
Desta vez, foi eleito o trabalho de Maura Lynch, freira missionária, médica-cirurgiã e obstetra, e do economista André Azoulay, conselheiro de Sua Majestade o Rei de Marrocos, duas personalidades que se distinguiram pelas suas abnegadas ações em prol do respeito e dignidade da pessoa humana e pela promoção do diálogo intercultural entre os povos.
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Maura Lynch é uma médica-cirurgiã e obstetra irlandesa, de 76 anos, que tem dedicado toda a sua vida a promover e a proteger os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos, através da ação direta com as pessoas fragilizadas, da formação de quadros e da criação de estruturas e equipamentos. Ao serviço das Missionárias Médicas de Maria, Maura Lynch passou 20 anos em Angola e mais de duas décadas no Uganda, onde ajudou a fundar uma clínica especializada na realização de cirurgias vitais para tratar a fístula obstétrica, no hospital de Kitovu, no sudoeste do país. Apesar da sua extensa carreira, continua a lutar pelo direito das mulheres do Uganda ao acesso a todos os cuidados primários de saúde, pela sua dignidade e, em muitos dos casos, pela própria sobrevivência.
Tendo decidido, aos 17 nos, o ingresso num convento para profissão religiosa dos valores evangélicos – pobreza voluntária, obediência inteira e castidade perpetua – percebeu, entretanto, que precisava de se munir de outras ferramentas para o cumprimento cabal da sua missão religiosa e missionária. Por isso, resolveu fazer o curso de medicina na especialidade de obstetrícia.
Como a sua primeira missão a levou até Angola, em 1967, teve de fazer um curso em Portugal no então Instituto de Higiene e Medicina Tropical (hoje, ISCSP-Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, pertencente à Universidade de Lisboa), condição sine qua non para a obtenção de visto. Sendo a única médica num hospital rural de duzentas camas no Chiulo, exercia as funções de obstetra, pediatra e cirurgiã e tratava a tuberculose. Tirara o curso de cirurgia em razão de ter encontrado muitos sinistrados da guerra e das minas.
Após 20 anos de permanência em Angola, foi chamada para o Uganda, onde iniciou o tratamento e a prevenção da fístula obstétrica (buraco cavado entre a vagina e a bexiga ou o canal retal em razão dos partos feitos por intervenção do feiticeiro, no alinhamento com a tradição ancestral), que impedia o controlo das fezes e das urinas. Fizera, para isso, a formação na Nigéria, um dos países mais afetados. Ajudou, depois, a formar um departamento para a realização de cirurgias à fístula obstétrica no Hospital de Kitovu, no sudoeste do Uganda, promovendo a preparação de médicos para o efeito e concitando o patrocínio da ONU para a formação de dois médicos para um programa de tratamento da fístula obstétrica no Uíge, no nordeste de Angola.
Calcula-se que cerca de 200 mil mulheres do Uganda sofram de fístula obstétrica e que no mundo haja cerca de 2 milhões destas mulheres sujeitas ao incómodo doloroso e mesmo à morte. Porém, as mulheres que beneficiam do tratamento voltam a uma vida normal e alegram-se por poderem voltar a dançar e a cantar com natural satisfação, deixando feliz a irmã Maura e/ou os envolvidos no tratamento.
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André Azoulay, de 74 anos, é conselheiro sénior do Rei de Marrocos, desde 1991. E, paralelamente à sua carreira em Economia, tem-se dedicado à promoção do diálogo entre culturas, religiões, populações, mulheres e homens da bacia do Mediterrâneo. Foi presidente da Fundação Euro-Mediterrânica Anna Lindh para o Diálogo entre Culturas, entre 2008 e 2014. Além disso, é, desde 2005, membro do “Grupo de Alto Nível” da “Aliança das Civilizações” das Nações Unidas. Preside ainda ao Comité Executivo da Fundação Três Culturas e Três Religiões, sediada em Sevilha, Espanha, e é um dos fundadores do Grupo Aladin, que atua para a promoção da compreensão mútua e das relações interculturais entre a comunidade Islâmica e o resto do mundo.
Judeu, berbere e árabe, como faz questão de salientar, trava combate em três frentes fundamentais: o diálogo entre religiões e entre culturas, com vista a uma relação positiva e sadia; o Estado da Palestina, na observação do princípio e do direito à autodeterminação e independência dos povos e seu direito de possuir um território; e a crise civilizacional das sociedades, que não diz respeito somente ao Mediterrâneo, mas – “mais do que económica” – é uma “crise social, filosófica, ideológica e política”.
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O Conselho da Europa estende o seu convite a todas as instituições governamentais centrais e locais – ligadas ao Centro Norte-Sul do Conselho da Europa – aos seus membros, aos representantes dos órgãos de comunicação social e das organizações governamentais regionais e internacionais para que apresentem proposituras de potenciais candidatos ao prémio.
Os potenciais destinatários do prémio são: cidadãos considerados individualmente; grupos de cidadãos; ou organizações – cujas atividades sejam consideradas dignas de distinção nos seguintes âmbitos: proteção dos direitos humanos; defesa da democracia pluralista; promoção da consciência pública sobre temas como a solidariedade global e a interdependência, bem como o reforço da parceria Norte-Sul.
Os candidatos são nomeados pelos seus feitos nos domínios cultural, institucional e político. Cada candidatura deve ter um ficheiro de, no máximo cinco páginas, contendo a seguinte informação: breve biografia do candidato (incluindo a identidade do candidato e as razões da nomeação); Curriculum Vitae detalhado (com os dados pessoais do nomeado e uma descrição das atividades e feitos importantes); e documentos que sustentem a candidatura, como, por exemplo, cartas, artigos de jornais, publicações.

O júri é constituído pelo Presidente do Conselho Executivo do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, que preside, pelos Membros do Gabinete do Centro Norte-Sul e pelo Secretário-geral do Conselho da Europa.

O prémio é atribuído, como já foi referido, a dois candidatos, um do hemisfério norte e outro do sul (preferencialmente uma mulher e um homem), que se tenham destacado ao longo do ano numa ou mais categorias do prémio.
Antes da lista de candidatos chegar ao júri, é enviada aos anteriores vencedores do prémio para que estes possam fazer uma análise e uma pré-filtragem dos vários candidatos. Desta fase pré-eliminatória sai um máximo de dez candidatos (cinco do norte e outros tantos do sul), que serão avaliados pelo júri.
O prémio, que é honorário, consiste num troféu, fruto da criatividade de dois artistas, um do hemisfério norte, João Murillo, e outro do hemisfério sul, Lívio de Morais. É uma escultura constituída por três partes diferentes (dois moldes e a base) que depois são agrupadas, representando a união entre o Sul e o Norte. Cada um dos escultores é responsável pelo design de um molde e os moldes são esculpidos em dois tipos de pedra tradicional portuguesa (Estremoz e Negrais), a base é feita em madeira africana (Tola).
Como curiosidade, diga-se que três portugueses, Mário Soares (2001), António de Almeida Santos (2003) e Jorge Sampaio (2009), têm o seu nome inscrito na lista dos galardoados com o Prémio Norte-Sul.
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Além da entrega dos prémios, em que foi enaltecido o trabalho de promoção do exercício dos direitos humanos quer individualmente considerados – e com destaque para os direitos das mulheres pobres – quer considerados em relação na sociedade ou entre os povos, a cerimónia salientou os 25 anos da fundação do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa. E, se é verdade, como veiculou alguma Comunicação Social, que a sua continuidade estava posta em questão, o Presidente da República não deixou de apelar para a atualidade e importância da sua existência e ação:
Os tempos conturbados que vivemos – marcados pelo aumento do radicalismo, da intolerância e da violência, e ilustrados pela ocorrência, ainda este ano, de trágicos acontecimentos em Paris, Copenhaga, Tunes e Sousse – reforçam a necessidade de continuar a promover o diálogo intercultural, a democracia e os direitos humanos, bem como a sensibilização para a realidade da interdependência global. O papel do Centro na promoção dos valores e missão do Conselho da Europa mantém plena atualidade.
Neste contexto, ganha particular relevância a necessidade de conferir uma voz e um papel mais ativo à sociedade civil e aos seus setores mais frágeis, designadamente através do desenvolvimento de políticas destinadas a promover uma melhor educação para a cidadania democrática e a participação dos jovens na vida política.
E terminou com um apelo oportuno:
Gostaria de fazer um apelo aos representantes diplomáticos hoje aqui presentes. Este apelo vai no sentido de persuadirem as respetivas autoridades a ampliar esta dinâmica e este impacto político, através de um mais forte apoio dos seus países a este importante instrumento do Conselho da Europa que é o Centro Norte-Sul, deixando naturalmente a cada um o melhor modo de contribuir para este fim.

Oxalá que a voz presidencial desta vez ganhe vez, força e recetividade nesta Europa já tão velha, cansada, descaraterizada e como que às apalpadelas num mundo conturbado, mas onde ainda é possível fazer germinar a esperança!

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