domingo, 19 de julho de 2015

Francisco será o terceiro Papa a visitar Cuba

É uma afirmação de La Palisse, mas bem verdadeira e, sobretudo, feita com o júbilo típico de uma Igreja descomprimida num país em mudança. É um dos enunciados centrais da Mensagem dos Bispos da Igreja Católica em Cuba por motivo da próxima vista pastoral do Papa Francisco, entre os dias 19 e 22 de setembro, assinada já no dia 29 de junho, solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, e publicada na página web da Conferência Episcopal de Cuba.
Prova da confiança mútua que se estabeleceu recentemente entre o poder político e a Igreja é o facto de a presidência do episcopado o ter solicitado e o jornal digital Granma, do partido comunista cubano a ter reproduzido no passado dia 16 (vd internet@granma.cu). Além disso, o Partido noticia, em destaque, que “o Papa Francisco presidirá a uma missa na Praça da Revolução José Martí” e publica uma grande foto do Romano Pontífice.
A mensagem episcopal contém a informação de que o Bispo de Roma visitará o Santuário do Cobre na mesma semana em que se cumprirão os cem anos em que os mambises (guerrilheiros) das guerras para a independência da Pátria cubana escreveram ao Papa a pedir que declarasse a Virgem da Caridade do Cobre padroeira de Cuba.
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Os bispos dirigem-se não só “aos filhos da Igreja Católica”, mas igualmente “aos irmãos de outras confissões religiosas e a todo o nosso povo”.
Na mensagem sublinham o desejo do Papa de mostrar aos filhos da Igreja e a muitíssimos cubanos a sua proximidade num momento em que, também graças à sua mediação, se respiram ares de esperança na vida nacional pelas novas possibilidades de diálogo que se estão a desenhar entre os estados Unidos e o seu país. E não posso, a talho de foice, deixar de relevar que no próximo dia 20 serão abertas as embaixadas dos EUA, em Havana, e de Cuba, em Washington, respetivamente. De facto, as relações diplomáticas e económicas entre os Estados Unidos da América e Cuba eram inexistentes desde 1961, pouco depois da chegada ao poder de Fidel Castro, até ao passado dia 17 de dezembro de 2014.
Apesar de Francisco, na entrevista coletiva aos jornalistas na viagem de regresso do Paraguai ao Vaticano, ter afirmado que o mérito é sobretudo deles, os Pastores cubanos asseguram que “é muito importante o que Ele vem fazendo como Pastor universal da Igreja na busca da reconciliação e da paz entre todos os povos da Terra”.
Depois, vem a asserção referenciada em epígrafe: “Francisco será o terceiro Papa que nos visita nos últimos 17 anos”. E adiantam que, em setembro, Cuba e Brasil serão os dois únicos países do mundo que terão o privilégio de terem sido visitados por três Papas. Escusado será dizer que se esquecem de Portugal, que também recebeu três Papas (Paulo VI, João Paulo II – 4 vezes – e Bento XVI). Em todo o caso, os bispos de Cuba têm razão em considerarem esta visita “uma bênção mais que nos envia o Senhor”.
Com razão outrossim, fazem memória de “tantos filhos da nossa Igreja que sonharam com isto [a pacificação da nação cubana e as relações com os outros países], mas a sua vida não o possibilitou”. E, logo a seguir, vem a referência evangélica àqueles – “tantos bispos, sacerdotes, religiosas e leigos” – que evangelicamente trabalharam “desde a primeira hora” (Mt 20,1-2). A estes, que semearam muitíssimas vezes “entre lágrimas” (Sl 126/125,5), os bispos os admiram como “verdadeiros titãs da fé”. E a si mesmos consideram-se como “os privilegiados” que são convidados a “colher os frutos do seu trabalho entre cantos de júbilo e de festa” (cf Sl 126/125,6).
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Recordam a receção que fizeram, em 1998, a João Paulo II como “Mensageiro da Verdade e da esperança”, destacando as suas palavras e o gesto de coroar a imagem da Virgem da Caridade. Recordam também a visita de Bento XVI, em 2012, como “Peregrino da Caridade” (o Papa da encíclica Caritas in Veritate e da exortação apostólica Sacramentum Caritatis), que quis unir-se às celebrações do IV centenário do achamento e da presença da Virgem entre o povo cubano e foi ao Santuário do Cobre acender-lhe uma vela e entregar-lhe uma flor. Agora, preparam-se para receber o “Missionário da Misericórdia”.
Efetivamente, Francisco não se cansa de falar da misericórdia. E os bispos evidenciam as 13 vezes que o Papa mencionou a palavra “misericórdia” no primeiro domingo (à recitação do Angelus) depois da sua eleição, ao mesmo tempo que evocam a convocação do Ano Jubilar Extraordinário da Misericórdia a iniciar a 8 de dezembro do corrente ano e a concluir a 20 de novembro do próximo ano de 2016. E, citando a bula Misericordiae Vultus, apontam Jesus Cristo como o “rosto da misericórdia do Pai”, que nos revela a misericórdia divina, nos mostra o Deus próximo de nós, paciente e “rico de misericórdia” (Ef 2,4) e que não nos trata de acordo com os nossos pecados nem nos castiga segundo as nossas culpas (Sl 103/102,10), mas segundo a sua misericórdia, que é eterna (cf Dn 3,89). Depois, fazem referência aos muitos gestos e palavras de misericórdia com que Jesus nos presenteou e citam, para o efeito e a título de exemplo, o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, onde vêm relatadas as três parábolas da misericórdia: a do bom pastor, que procurou a ovelha perdida e não desistiu até que a encontrasse; a da dona de casa, que faz festa porque encontrou a moeda que se extraviara; e, sobretudo, a do Pai misericordioso que resolveu fazer uma festa e, para ela convidou os demais, por ter recuperado o filho que se tinha perdido por ter andado por maus caminhos.
Entretanto, os bispos não deixam de expor o que entendem por misericórdia e o contexto em que ela se torna mais necessária e oportuna:
“A misericórdia, queridos todos, não é outra coisa a não ser ‘lançar o nosso coração’ sobre os demais, e não uma pedra ou um insulto ou um golpe. A misericórdia é também ‘pôr o coração na miséria’. E há tanta miséria à nossa volta, que até parece que vivemos num mundo sem coração. Por toda a parte encontramos misérias morais, espirituais, sociais, intelectuais, psíquicas, materiais… E encontramos também gente que se insensibiliza perante a dor humana.”.
Da insensibilidade perante a dor resulta que: muitos se queixam da dureza com que são tratados pelos outros; aumenta a linguagem sem misericórdia; está à flor da pele a violência; cresce a agressividade nas famílias, nos centros de trabalho, nas comunidades, etc. Perante estas circunstâncias – dizem os bispos – o “Missionário da Misericórdia” quer convidar-nos a não nos cansarmos da prática da misericórdia. Mas os bispos assentam o seu discurso e o desígnio papal no conteúdo do Sermão da Montanha e no seu axioma fundamental da misericórdia proclamado por Cristo, “Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7) e as suas implicações práticas. Ele deu a todos o exemplo da prática das obras de misericórdia: a todos chamou a perdoar sempre, “setenta vezes sete” (cf Mt 18,22); deu de comer aos famintos (cf Mt 9,36; 14,16-20; 15,32-38; Mc 6,34-44; 8,1-9; Jo 6,1-13); curou leprosos (cf Lc 17,11-19), paralíticos (cf Mt 9,1-8), cegos (Jo 9,1-41), surdos-mudos (Mc 7,31-37), etc. Comoveu-se perante o pranto da viúva que levava o seu filho único a sepultar (Lc 7,11-15); convidou Mateus, que todos consideravam um pecador público, a integrar o colégio dos doze apóstolos (Mt 9,9-13); perdoou aos pecadores (Jo 8,1-11); e Ele próprio ofereceu o perdão e orou pelos que O levaram à morte de cruz (Lc 23,34).
Perante este exemplo de Cristo e olhando para a realidade hodierna, os bispos reconhecem que todos necessitamos da misericórdia. Há pessoas que não se perdoam a si próprias por terem cometido um erro e não perdoam a quem as tenha ofendido. Assim, os Pastores recordam que a misericórdia não constitui uma postura opcional, mas configura um imperativo exigido pelo Senhor, pois, Jesus manda, Sede misericordiosos como o Pai do céu é misericordioso (Lc 6,36), e o apóstolo São Paulo adverte: aos que não têm misericórdia espera-os um julgamento sem misericórdia (cf Tg 2,13; Ef 4,32).
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Por isso, os bispos pretendem que, nos dias que antecedem a visita papal, os cristãos:
– Peçam a o Senhor entranhas de misericórdia (Cl 3,12);
– Repitam muitas vezes ao dia a oração aprendida na infância: Sagrado Coração de Jesus, fazei o meu coração semelhante ao vosso;
– Pratiquem diariamente gestos de misericórdia, como visitar os enfermos, partilhar aquilo que têm, perdoar e pedir perdão, consolar o triste, amar mais e melhor os demais e fazer com que os nossos lugares sejam lugares de paz e acolhimento a todos os que procuram misericórdia.
Para tal, propõem que, como preparação imediata para a visita de Francisco,
– Nas primeiras sextas-feiras de julho, agosto e setembro, em cada comunidade e em cada pessoa se realizem gestos de misericórdia para com os necessitados, bem como tempos especiais de oração e jejum;
– Se programe, nas comunidades, a realização de vigílias de oração na noite de quinta-feira, dia 17 de setembro, para sexta-feira, dia 18;
– As dioceses, paróquias e comunidades tomem iniciativas próprias a fim de se alcançar o fim proposto, ou seja, pedir a Deus a disposição dos corações para a escuta e acolhimento da mensagem de esperança e misericórdia que o Papa trará consigo.
– E confiam à Virgem da Caridade, Mãe de Cuba – que invocam como “Rainha e Mãe de misericórdia” – o cuidado maternal sobre esta tão desejada visita, já que a Virgem do Cobre, que acompanhou aquele povo nos bons e maus momentos, há de conseguir do céu uma grande bênção para Cuba e seus filhos, estejam eles onde estiverem, pensem como pensarem e creiam com crerem.
Finalmente, os bispos rezam para que o ensinamento de Francisco leve a que todos cresçam na fé e na esperança e possam aprender a ter um coração cheio de misericórdia para com todos; para que Deus tire a todos os nossos “corações de pedra” e os nossos “velhos espíritos” (cf Ez 11,19-20) e dê a todos corações de carne e espíritos novos para que vivamos segundo os seus ensinamentos; e para que as bênçãos de Deus se estendam àqueles que não puderem participar nas missas que o Papa Francisco celebre em Cuba por se encontrarem longe da pátria ou por motivos de trabalho ou de saúde, de transporte ou por estarem presos.
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Trata-se de uma bela mensagem plena de doutrina e exortações, programática, acolhedora, inclusiva, abrangente e atenta à realidade e ao Evangelho, – um guia de vida a ler e a seguir – sem a necessidade daquele folclore típico de tantas manifestações de hospitalidade, que se tornam balofas por não possuírem o fundamento oracional e o sentido da misericórdia como prece, atitude e prática para com todos.

2015.07.19 – Louro de Carvalho

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