sexta-feira, 31 de julho de 2015

A Comunicação na Liturgia

Está a decorrer em Fátima, desde o passado dia 27 de julho e com termo previsto para manhã, dia 31, o XLI Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, uma iniciativa do Secretariado Nacional de Liturgia que, este ano, aborda e aprofunda a temática “A Comunicação na Liturgia”. 
Trata-se, na visão dos seus mentores e organizadores, de uma temática “sempre atual”, dado que, sem esquecer as novas tecnologias, a Liturgia é “por sua natureza comunicação”.
D. José Cordeiro, bispo de Bragança e Miranda e presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade, declarou, na sessão de abertura do encontro, que a Liturgia “é a comunicação de Deus ao homem, é a comunicação do Pai pelo Filho no Espírito Santo e depois a resposta do homem no Espírito Santo pelo Filho ao Pai”. Por outro lado, o mesmo prelado, que também é interveniente ativo no referido encontro, sublinha que, ao integrar as novas realidades e as novas formas de comunicar, a Liturgia se torna “mais participativa por todos” porque é na participação ativa e consciente, que “se vê como essa comunicação é em si mesma”.
Os trabalhos repartem-se por conferências para todo o auditório, workshops por setores e celebrações litúrgicas, decorrendo, no Centro Pastoral Paulo VI, as conferências (no Auditório) e os workshops (no Salão Bom Pastor, os de numeração ímpar e, no Auditório, os de numeração par). Trata-se de aprender ouvindo, partilhando experiências e exercitando a celebração, no pressuposto pedagógico “usa e serás mestre(“exercendo disces”) e do aforismo teológico “lex orandi, lex credendi”.
Assim, dá-se conta dos temas das conferências previstas (sempre às 17 horas – dias 27 a 30) e a decorrer e dos respetivos conferencistas: a Liturgia, comunicação global, a 27 de julho, pelo Padre Professor Bruno Cescon (Concordia-Podernone, Itália); a Liturgia, mistério de comunhão: palavra e rito, a 28 de julho, pelo Padre Doutor José Frazão Correia, Provincial da Companhia de Jesus em Portugal; a Liturgia e as novas tecnologias, a 29 de julho, pelo Dr. Paulo Rocha, diretor da Agência Ecclesia; e as artes ao serviço da Liturgia, a 30 de julho, por D. João Marcos, Bispo Coadjutor de Beja.
Os workshops por setores estão a ser dinamizados (dois por dia, às 15 horas – dias 28 a 30) pelos seguintes agentes: Cónego Dr. Luís Manuel P. da Silva, I – Presidir e comunicar; Prof. Emanuel Pacheco, II – O canto como comunicação; Cónego Dr. João da Silva Peixoto, III – A homilia; Cónego Dr. Manuel Joaquim Costa, IV – O dinamismo da comunicação na Liturgia da Palavra; Padre Dr. Francisco Hipólito Couto, V – Liturgia e Mistagogia; e Padre Dr. Paulo Malícia, VI – Liturgia e Catequese.
Por seu turno, as celebrações são a aplicação que mais tempo absorve aos mais de 1100 participantes, de várias idades e serviços litúrgicos na Igreja. Assim, a oração de início dos trabalhos decorrerá no Auditório do Centro Pastoral Paulo VI, no dia 27, à tardinha; a Oração de Laudes, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 e 29, na Basílica da Santíssima Trindade, no dia 30, e no Centro Pastoral Paulo VI, no dia 31; a Oração de Vésperas, na Basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30; a Oração do Terço do Rosário, na Capelinha das Aparições, nos dias 28 a 30; a Celebração Penitencial, na Basílica da Santíssima Trindade, no dia 28; e a Missa, na Basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28 a 30.
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A pari, numa iniciativa inédita nestes encontros e porque a organização entendeu “a especificidade da comunicação com os surdos na Liturgia", o Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, em colaboração com o Secretariado Nacional de Liturgia, proporciona que, no decorrer do XLI Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, haja interpretação em LGP (Língua Gestual Portuguesa) nas missas do Santuário de Fátima celebradas às 11 horas, na basílica da Santíssima Trindade, nos dias 28, 29, 30 e 31 de Julho, nas quais estão presentes os participantes neste encontro.
Porém, o ineditismo de que se fala, refere-se a estes encontros de Pastoral Litúrgica, que não ao Santuário de Fátima, já que, por iniciativa deste, todos os domingos, desde 19 de maio de 2013, a Missa das 15 horas, na Basílica da Santíssima Trindade, tem interpretação em LGP.
Por outro lado, no contexto da transmissão das celebrações pela televisão e pela rádio, o responsável logístico pelo encontro reconhece o seu alcance para quem “não pode estar a vivê-las in loco e em ato” mas lança o alerta no sentido que “não podem ser substituídas” pelas que são a “própria realidade” da celebração. O Padre Pedro Ferreira, diretor do Secretariado Nacional de Liturgia, salientou a afirmação de que, “quando nós vivermos na Liturgia só dos meios de comunicação, não precisarmos de ir à missa porque temos a televisão em casa, estamos mal”. O mesmo sacerdote assinalou que as novas tecnologias podem ter sido o pretexto para os participantes falarem da Liturgia “enquanto comunicação” mas a “atenção centra-se essencialmente no que na liturgia é comunicação”. E acrescentou: “A comunicação é a essência da Liturgia. Na prática, nós ficamos a saber quem é Deus que se manifesta e quem somos nós”.
O encontro também provoca a reflexão sobre o uso dos tablets e smartphones nas cerimónias, os quais podem indevidamente favorecer a tendência de substituir o missal ou o lecionário. Ora, segundo os liturgistas, estes meios “servem para a sua preparação, mas não para sua celebração”. A propósito do papel dos meios de comunicação social em torno da Liturgia, o Secretariado Nacional de Liturgia recorda, na promoção do XLI Encontro de Pastoral Litúrgica, o n.º 57 da exortação apostólica Sacramentum Caritatis (SC), do Papa Bento XVI.
Sobre a importância e utilidade dos meios de comunicação social na liturgia, a SC esclarece:
Devido ao progresso admirável dos meios de comunicação, nos últimos decénios a palavra ‘participação’ adquiriu um significado mais amplo do que no passado; com satisfação, todos reconhecemos que estes instrumentos oferecem novas possibilidades, inclusivamente quanto à celebração eucarística.
Daí, resultam especiais cuidados na formação e na assunção das responsabilidades da parte dos agentes pastorais do setor:
Isto requer dos agentes pastorais do setor uma preparação específica e um vivo sentido de responsabilidade; com efeito, a Santa Missa transmitida na televisão ganha inevitavelmente um certo caráter de exemplaridade; daí o dever de prestar particular atenção a que a celebração, além de se realizar em lugares dignos e bem preparados, respeite as normas litúrgicas.
E fica a advertência aos beneficiários do serviço litúrgico dos meios de comunicação social:
Enfim, quanto ao valor desta participação na Santa Missa pelos meios de comunicação, quem assiste a tais transmissões deve saber que, em condições normais, não cumpre o preceito dominical; de facto, a linguagem da imagem representa a realidade, mas não a reproduz em si mesma. Se é muito louvável que idosos e doentes participem na Santa Missa festiva através das transmissões radiotelevisivas, o mesmo não se pode dizer de quem quisesse, por meio de tais transmissões, dispensar-se de ir à igreja tomar parte na celebração eucarística na assembleia da Igreja viva.
D. José Cordeiro, na apresentação do encontro, referiu-se à linguagem e ao livro na Liturgia, nos termos seguintes:
“A linguagem da Liturgia são ritos e orações e tem a dignidade da própria celebração do culto divino. O livro em si é também um sinal da presença da Palavra de Deus que é rezada, proclamada e tem um rito próprio, um simbolismo e significado muito especial na celebração”.
No atinente à música litúrgica, o eminente prelado de Bragança-Miranda refere que “Portugal é um dos países onde mais se avançou no campo da música litúrgica” mas adverte que a Palavra de Deus rezada “não pode ser uma invenção e uma moda do momento”. Por isso, esclarece que “nem qualquer música serve para a Liturgia, nem mesmo a música sacra, o que distingue a música litúrgica é que ela não é um adorno da celebração mas o cantar a própria celebração”.
Além do tema de fundo, que é, como se disse, a Comunicação na Liturgia, merecem tratamento conveniente outros temas importantes, como: a Homilia, a Liturgia da Palavra, as Artes, a Catequese e o Canto. Para a sua abordagem, participam como oradores, entre outras figuras ligadas à comunicação e à pastoral da Igreja, o padre José Frazão Correia, provincial da Companhia de Jesus em Portugal, Paulo Rocha, diretor da Agência ECCLESIA, D. João Marcos, bispo coadjutor de Beja e o padre Paulo Malícia, diretor do Setor de Catequese do Patriarcado de Lisboa. A Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade procurou que fossem outras vozes, que não apenas o liturgistas, a comunicar a sua experiência à luz da Teologia, da Comunicação Social, das Ciências Humanas, da Pastoral e da Espiritualidade.
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Mas afinal a Liturgia é mesmo comunicação como asseguram os oradores acima referidos? Descobriram agora a “pólvora” litúrgica?
A palavra “liturgia” existia no grego clássico – λειτουργία – e significava “função” ou “serviço público” ou “qualquer serviço”. Porém, no grego do Novo Testamento, passou a significar o “culto divino público”, a “liturgia”. E o verbo “λειτουργέω”, que significava “exercer à sua conta funções públicas” ou simplesmente “servir”, passou ao Novo Testamento com o significado de “servir o Senhor”, “desempenhar funções sagradas” (cf Isidro Pereira, Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 6.ª ed. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1984).
Habitualmente, fixamo-nos nos ritos que espelham o culto de adoração (latria) público que o Povo de Deus (reunido em assembleia ou representado pelos seus ministros) presta ao seu Senhor e o de hiperdulia ou de dulia, prestado respetivamente, à Virgem Maria e aos Santos e Anjos. No entanto, sempre se vão lembrando os outros fins do culto: o eucarístico (de louvor e ação de graças), o impetratório (de súplica) e o propiciatório (de pedido de perdão).
Os cristãos, como refere o Livro dos Atos e a literatura patrística, reuniam-se assiduamente para o ensino dos apóstolos, a união fraterna, as orações e a fração do pão. E todos viviam em grande alegria, dando testemunho da Ressurreição. Frequentavam o Templo. Tinham tudo em comum e nada faltava aos necessitados (cf At 2,42-47; 4,32-37).
Está visto que a prestação do culto compagina o ato de comunicação: rezando, fala-se com Deus (comunica-se com Ele); escutando a Palavra, Deus faz-Se ouvir (Ele comunica connosco); respondendo à Palavra de Deus com o silêncio, comunicamos com Deus e connosco mesmos e deixamos que Ele se meta connosco, e respondendo com o ato de fé e a oração comum, comunicamos com Ele coletivamente e em coro e comunicamos entre nós; reunindo-nos na união fraterna, comunicamos uns com os outros; fazendo a memória da Paixão, comunicamos com o passado que se presentifica; aguardando a escatologia da vinda do Senhor, comunicamos com o futuro; e, comungando o Pão da Vida e bebendo do cálice da Salvação, comunicamos com o corpo e alma do povo, da Igreja, dos santos, dos defuntos. É a festa total para a comunicação no terreno do dia a dia, para a missão e como testemunho da Salvação em Cristo.
E como se comunica na Liturgia? Com a Palavra divina, com a palavra humana, com o canto, com os gestos, com a oração em voz alta, com o silêncio, com o ato de fé, com a música instrumental, com a água benta, com a campainha, com as velas, com a oferta, com a comunhão, com a mesa da Palavra, com o altar, com o Livro, com a Cruz, com os motivos artísticos, etc.
Habitualmente, comunicamos voltando-nos todos para um mesmo sítio (livro, cruz, ambão, altar, pia batismal, sacrário…), mas, por vezes, voltamo-nos uns para os outros e até nos movimentamos (em cortejo, procissão, saudação…).
E, quando o sacerdote oficiava de costas para o povo e voltado para o altar, fazia-o em nome e representação do Povo de Deus e voltava-se para o povo para o saudar, para o convidar à oração e para o instruir. Repare-se que os textos da Missa, da Liturgia das horas e de muitos momentos sacramentais estão predominantemente redigidos no plural. É o culto público ao menos em potência. Depois, é de notar que o sacerdote tem duas formas gestuais de rezar: rezando em nome próprio ou com o povo, fá-lo “usualmente” de mãos postas; se reza em nome do povo, fá-lo “usualmente” de braços semiabertos, embora na conclusão da oração passe à posição de mãos postas.
Por tudo isto, perceber e estipular como própria da Liturgia a dimensão da comunicação não é nada demais. No entanto, concorda-se que, ao longo do tempo, tem sido uma dimensão subliminarmente evidenciada, embora se tenha insistido muito na necessidade de participação de todos (e não na mera assistência e na encomenda de serviços religiosos), mas com o zelo excessivo da observância das rubricas, pelo que a Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade e o Secretariado Nacional de Liturgia estão no bom caminho. E é bom que se ponham ao serviço da Liturgia e dos crentes todos os meios que possam torná-la mais viva, apetecida e frutuosa.
Deus o merece, o homem precisa e a Igreja realiza-se!

2015.07.30 – Louro de Carvalho

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