quinta-feira, 23 de julho de 2015

A inocência e a (in)eficácia de Juncker

Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia deu recentemente uma entrevista ao jornal belga Le Soir, em que proferiu, com a inocente (?!) ingenuidade do principiante, algumas afirmações erráticas.
Como é que o presidente do órgão que tem a missão de, na atenção à realidade e ao projeto, propor ao Conselho e ao Parlamento as principais medidas a tomar na direção estratégica da UE e, por outro lado, a de fiscalizar a aplicação das diretivas, pode dar-se ao desplante de enveredar por enunciados que revelam não acreditar nos cidadãos (e quiçá no projeto europeu) e fazer afirmações que implicam juízos de valor sobre os demais líderes, alimentam desconfianças ou indispõem as pessoas atingidas. Por exemplo, que moral, que autoridade tem o inocente iluminado para dizer que “os europeus não amam a Europa”, que “Tsipras é um homem que perdeu as suas referências” e que “o Estado grego não existe”?
Perante atoardas como as referidas, que sinceridade e honestidade intelectual se podem ter divisado na sua anterior confissão de que a UE terá ferido a dignidade de alguns países, apontando para os países sujeitos a programas de ajustamento financeiro? Ou como pode merecer crédito sustentável, da parte dos cidadãos e dos Estados, o seu plano de gestão da coisa pública europeia? Assim, paira sobre as nossas cabeças a dúvida se este luxemburguês terá um perfil melhor que o seu predecessor imediato, o Dr Durão Barroso.  
Depois, assumindo uma postura não condicente com o lugar de topo que ocupa em Bruxelas, o Presidente da Comissão, que acabou por desempenhar um papel secundário nas negociações, tendo o protagonismo ficado por conta de Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, quis reivindicar agora mais protagonismo e falou sobre o tema com o diário Le Soir, na sua primeira entrevista após o acordo para o terceiro resgate da Grécia.
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Com a entrevista, ficamos a conhecer a sua versão – a verdadeira e única, na sua ótica – sobre as negociações com a Grécia. Segundo o chefe executivo do Palácio da Europa em Bruxelas, sentiu-se “um sentimento antigrego”, que foi expresso não só pela Alemanha, mas também por outros Estados como a Eslováquia, Eslovénia, Malta, Estónia, Lituânia e Letónia, argumentando que, enquanto os primeiros-ministros dos 19 do Euro procuram justificação para dar aos seus eleitorados sobre um novo acordo – eleitorados perante os quais têm compromissos e mandatos limitados –, se cai numa lógica “irracional”. Tal sentimento (E que fez o contrariar?), que se exprime numa ferocidade de que se revestem os debates internos dos aludidos países, explica-se, segundo o insigne analista, por motivos unicamente nacionais e de política interna, que olham apenas para a questão económica, ignorando os aspetos sociais da solução da crise.
O rico revela-nos algo de extraordinário e comovente: quando era presidente do Eurogrupo, dizia a si próprio que era importante existir alguém na Europa em quem os gregos pudessem confiar. Caso contrário, os gregos iriam ficar com a impressão de que a Europa é uma invenção e que se transformou numa máquina antigrega. Mais: ainda hoje tem o cuidado de falar sobre a Grécia com ternura, ao ponto de, quando volta a ler aquilo que diz, achar que é ridículo. Não é um “querido” o presidente da comissão, pois, como todos sabem, as dificuldades da Grécia em relação ao Euro só começaram em janeiro passado ou só então é que Juncker as deixou entender aos demais?! Depois, confessa-se surpreendido pelas declarações do FMI, que antes do referendo grego, dissera que a dívida da Grécia não era sustentável. Porém, entende que “não se pode censurar” o FMI. Poderia, ao menos, ter-nos feito saber as razões da impossibilidade desta censura.
Juncker segredou ao mencionado jornal que, afinal, a ideia do fundo de privatizações é dele, mas não se importa que as suas propostas “se tornem nas ideias dos outros”, por exemplo de Passos Coelho. E, sobretudo, revelou aquilo que bem poderia ter ficado nos bastidores, para sossego dos atingidos, mas que vem em linha com o que pensa a opinião pública dos países em causa: foram países como Irlanda, Espanha e Portugal que rejeitaram discutir a dívida grega antes de outubro, ou seja, antes das eleições que vão ocorrer nestes países – o que Passos e Cavaco negam peremptoriamente. Passos diz que solicitaram que a discussão ocorresse “após a primeira avaliação, bem sucedida” do novo resgate, mas que isso não tem nada a ver com eleições (só coincidência); Cavaco estriba-se na informação de que dispõe (e basta)!
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Sobre a relação com Tsipras, o presidente do executivo europeu afirma que o primeiro-ministro grego é simpático e merece ser tratado com todo o respeito, já que foi eleito democraticamente pelos gregos – o que já todos sabíamos. Porém, declarou que Tsipras teve de abandonar a sua ideologia ou “seria o fim da Grécia”, especialmente quando o presidente da Comissão lhe explicou o plano humanitário que estava a ser preparado para o país, caso se verificasse a saída do euro – o grexit. Por isso, o acolheu, mais do que com boa educação, com muita amizade, a ponto de alguns terem ficado incomodados com o entusiasmo e com a maneira como construiu esta nova relação. Mais disse que não quisera alguma vez que o primeiro-ministro grego “perdesse a face, porque esse não é o método de negociação usado na Europa”. Porém, o presidente da Comissão, que apelara aos gregos para votarem “sim” no referendo no final de junho, disse que o Estado grego “não existe”. E explica do alto da sua sabedoria:

“Uma nação é a vontade de viver em conjunto. Essa vontade existe na Grécia. Mas o Estado grego não dá corpo a essa vontade nacional: a nação grega existe, mas o Estado grego não existe. Os gregos tornaram-se vítimas de erros eleitorais que perduraram por décadas, porque elegeram sempre os mesmos. Eu fiquei surpreendido, quando tive de ser eu, um conservador fanático, a dizer ao novo Governo grego que era preciso impor cortes aos armadores e à parte mais rica da sociedade grega”.
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Perante estas afirmações, é de perguntar como é que Juncker aceita a validade da escolha grega que recaiu sobre Tsipras? E será que as eleições nos outros países são puras e isentas de erros?
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E o que acha da Europa o senhor Europa? Diz que o projeto europeu, agora um “projeto de elites”, continua “um pouco por sorte”. O único país com postura de fundador é a Irlanda – mas noutro ponto da entrevista acusou-o de prejudicar as negociações por cálculos eleitorais. Depois, os outros Estados-membros não compreenderam “a grandeza da mensagem” e que mesmo os fundadores “mudaram a sua atitude”.

Sobre o projeto de Hollande, com um governo para a zona euro e um parlamento, Juncker diz que, quando pediu contributos ao eixo franco-alemão para o “relatório dos cinco presidentes”, as propostas eram muito diferentes.

Ora, se está convicto de que os europeus não amam a Europa e de que a construção europeia, nascida da vontade dos povos, se tornou um projeto de elites – o que explica o fosso entre as opiniões públicas e a ação europeia – que está ali a fazer? Porque não se demite, dando lugar a um outro mais crente e menos lamúrias?

2015.07.23 – Louro de Carvalho

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