O Irão e 6 potências mundiais (os 5 membros
permanentes do Conselho de Segurança, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido,
mais a Alemanha) acordaram
finalmente sobre o programa nuclear iraniano – o que abre para o
levantamento efetivo das sanções impostas a Teerão com a contrapartida da
garantia de que aquele país vai travar a fundo nas suas aspirações nucleares.
Relançadas em novembro de 2013 pelo Irão e pelas mencionadas
potências mundiais do G5+1, as negociações tinham como objetivo primordial
chegar a um acordo que garantisse que Teerão não viria a usar o programa nuclear
para fins militares (construção de bomba atómica), recebendo como contrapartida um levantamento das sanções
económicas que lhe tinham sido impostas internacionalmente.
As duras negociações, de 18 horas, chegaram ao fim e o
acordo foi selado no passado dia 14, em Viena, pondo fim a mais de 12 anos de impasse sobre o programa
nuclear iraniano que indiciava a ameaça duma nova guerra no
Médio Oriente, que podia eclodir a qualquer instante.
O triunfo das negociações – uma das
bandeiras significativas da política externa de Barack Obama – é considerado
como o alvorecer de uma nova era nas relações entre o Irão e o mundo
ocidental e um ponto de viragem na diplomacia, que por esta via conseguiu uma
assinalável vitória. Estava em causa nada menos do que a segurança do mundo
inteiro.
Federica Mogherini, alta representante da União
Europeia para a Política Externa, numa conferência de imprensa conjunta na
capital austríaca, a propósito daquele dia, considerou que “hoje é um dia
histórico” e um marco “na história da diplomacia”, sublinhando:
“Apesar dos altos e baixos, a esperança e a
determinação permitiu-nos ultrapassar os momentos difíceis. Resolvemos uma
disputa que dura há, pelo menos, dez anos”.
E John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, disse
naquela conferência de imprensa:
“O acordo é
um passo a afastar-nos do fantasma de conflito, em direção à possibilidade de
paz. Esta é a boa negociação que procurámos obter”.
Por seu turno, o Presidente Obama, falando a partir da
Casa Branca, elogiou o acordo, considerando que os “Estados
Unidos da América e a comunidade internacional alcançaram algo que décadas de
animosidade não conseguiram – um acordo de longa data que irá impedir o Irão de
obter armas nucleares”. Obama informou o Congresso de que
vetará qualquer tentativa de bloquear a implementação das novas medidas,
acreditando que de “daqui a dez ou 15 anos, a pessoa que herdar este
gabinete terá uma posição mais forte”.
Note-se que o
Congresso dos EUA terá 60 dias para rever e discutir o acordo – o que dará
tempo suficiente aos republicanos mais críticos para absorver todos os detalhes
e contestar a posição da administração da Casa Branca. Porém, John Kerry
fez ecoar, em Viena, as palavras do Presidente, dizendo crer que o
“Congresso não irá virar as costas à restante comunidade internacional” e que a
implementação do acordo é mais importante do que o próprio texto, embora ressalvando
que não diz que “tudo vai funcionar na perfeição”.
***
Não obstante, havia um ponto especialmente sensível
que persistia nas negociações – a vigilância da ONU – dado que
as autoridades iranianas sempre disseram que nunca deixariam a Agência
Internacional de Energia Atómica, da ONU, entrar nas suas instalações, alegando
tratar-se de um pretexto para as Nações Unidas terem acesso a segredos
militares.
Porém, também este diferendo foi ultrapassado, e o embargo de armas da
ONU vai continuar em vigor por mais cinco anos, devendo as sanções que impedem a compra de mísseis
prolongar-se por outros oito anos. Para tanto, foi estabelecido o compromisso de que os inspetores das Nações
Unidas poderão visitar as instalações militares iranianas, como parte do
processo de monitorização do acordo. Caso o Irão viole o acordo, as
sanções serão repostas num prazo de 65 dias, após decisão do conselho de
segurança da ONU. Por outro lado, o texto inclui a referência de que as
sanções económico-financeiras impostas ao Irão só serão aliviadas quando o país
começar a cumprir os compromissos acordados.
Outros pontos do texto incluem a redução de
96% do stock de urânio empobrecido e a remoção do núcleo
central do reator de Arak, que
será redesenhado de modo a não ser capaz de produzir capacidades
significativas de plutónio.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou
um documento que parece ser o texto integral do acordo firmado em Viena, pois,
contém todos os pontos que se sabe integrarem o documento.
No Irão, o acordo ainda precisará de luz verde
do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, para afastar as suspeições que
restam face a um acordo com os EUA, cujas relações estão há anos
envoltas em tensão e desconfiança.
***
Como reagiu o mundo? O Presidente iraniano, Hasan Rohani, comentou a
notícia afirmando que a conquista de um acordo é “um triunfo da diplomacia” e
servirá como um “bom começo” para novas relações internacionais. E
declarou esperar que o acordo acabado de ultimar na capital austríaca figure
como um instrumento que coloque termo a uma época de “exclusão
e coerção” nas relações entre países, afirmando que o “diálogo
construtivo” permite “abrir novos horizontes” nas relações internacionais e nos
desafios conjuntos.
Vladimir Putin, também parte ativa nas negociações,
saudou o acordo, dizendo que, apesar das “tentativas em defesa de um recurso
à força”, o documento representa “uma escolha firme pela estabilidade e
cooperação”. E adiantou que “estamos
certos de que o mundo hoje deu um enorme suspiro de alívio”, acrescentando que,
da sua parte, “a Rússia fará todo o possível” para que acordo seja cumprido.
Também em Portugal o ministro dos
Negócios Estrangeiros se pronunciou sobre o dia histórico: “O Governo Português
considera que o presente acordo constitui um importante contributo para evitar
a corrida ao armamento na região do Médio Oriente” e congratula-se com o facto
de a solução ter sido encontrada “pela via negocial”.
Porém, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelita – de um Estado
que é considerado a única potência nuclear do Médio Oriente e que não
assinou o Tratado de Não-Proliferação das
Armas Nucleares – foi o mais crítico
do acordo, que acusou de ser “um erro histórico para o mundo”,
afirmando que, “enquanto o espetáculo com o Irão continua, o Irão está prestes
a fabricar a bomba nuclear e dispõe de milhares de milhões de dólares para o
terrorismo e para ataques”, que não para construir escolas e hospitais.
***
No entanto, os comentadores, em face do acordo
firmado, apontam consequências e incertezas.
O acordo firmado entre o Irão e o GP5+1 para
limitar o programa nuclear de Teerão em troca de alívio das sanções
internacionais a este país do Oriente Médio não deixou, como se viu, a
comunidade internacional indiferente. Uns o consideram histórico, outros o têm
por desastroso.
E, se os 21 meses de
negociações deram frutos, a grande dúvida agora é saber quais serão as
consequências de tão esperado acordo. A este respeito,
a BBC listou três possíveis efeitos e levantou algumas questões que permanecem
em aberto.
Embora se trate de um acordo nuclear – e não
económico –, todavia, o fim das sanções terá impacto direto na economia de todo
o mundo e não só na do Irão, sobretudo no âmbito do mercado do petróleo. Caso
tudo corra como espera o presidente dos EUA e o acordo seja totalmente
implementado, espera-se que o Irão firme convénios lucrativos com grandes
empresas de energia e aumente significativamente sua produção de petróleo, o
qual ficará mais barato. Considerando que o país tem a quarta maior reserva de
petróleo do mundo – estimada em 150 biliões de barris – e a segunda maior
reserva de gás natural do planeta, o seu potencial é ingente.
Se atualmente o Irão produz diariamente 2,85
milhões de barris de petróleo, Bijan Zanganeh, ministro do Petróleo local, já admite
que a sua produção se elevará em 1 milhão de barris quando as sanções forem suspensas.
Sendo assim e segundo uma pesquisa de 25 analistas do setor feita pela agência
de notícias Reuters, a expectativa é a
de que o Irão eleve as suas exportações de petróleo em até 60% em um ano. A
procura viria de países que reduziram as importações como consequência das
sanções.
Porém, “qualquer mudança nesse cenário não
virá de imediato e será muito lenta”, como afirmou à BBC Mundo Dina Esfandiary,
especialista em Irão e pesquisadora do Centro de Estudos em Ciência e Segurança
do King’s College de Londres, a qual também referiu que “a infraestrutura
petroleira do Irão é muito simples”. Assim, ainda que todo o investimento fosse
feito por multinacionais, a construção da infraestrutura necessária levaria
anos e décadas até um aumento significativo da produção.
Em termos do impacto no equilíbrio de
poder do Oriente Médio, ou seja, no aspeto geopolítico, uma eventual aliança
entre Irão, EUA e Europa pode ter “consequências sísmicas”, de acordo com a avaliação
de Mohamed Yehia, o editor do serviço árabe da BBC. Historicamente, o Irão tem
sido o grande defensor das comunidades xiitas no Oriente Médio, em contraste
com os grandes reinos sunitas dos países do Golfo Pérsico, liderados pela
Arábia Saudita. Ora, o especialista opina:
“O confronto é entre xiitas e sunitas. O Irão apoia o governo de Bashar
al-Assad na Síria, o Hezbollah no Líbano e a revolução no Iémen. Os sauditas
veem-no como uma grande ameaça”.
Além disso, segundo Yehia, o governo da
Arábia Saudita acusa o Irão de fomentar e financiar a dissidência xiita dentro
do próprio território saudita.
Sabe-se que a rivalidade entre persas e árabes é histórica e que,
desde a Revolução Islâmica iraniana, em 1979, os EUA têm estado ao lado dos
sauditas. Ora, isso pode mudar agora. Contudo, “o apoio do Irão a minorias
xiitas não tem necessariamente a ver com uma agenda sectária, como é no caso da
Arábia Saudita”, adverte Esfandiary. Os sauditas, que, além do mais, são os
principais produtores de petróleo da região, ver-se-ão afetados diretamente se
o Irão começar a firmar acordos comerciais com o Ocidente, e não verão com bons
olhos o seu principal aliado no Ocidente tornar-se amigo de um inimigo.
Por outro alado, o citado Yehia diz que os
sauditas temem que o acordo não garanta que o Irão detenha o seu programa
nuclear e que este se torne mais forte.
Quanto ao Impacto em Israel, deve ter-se
em linha de conta que a Arábia Saudita não é o único inimigo histórico do Irão na
região, nem o único aliado dos EUA. Ora, Israel – que lançara mão de todo seu
poder e de contactos internacionais para tentar deter as conversas que
culminaram no acordo – deixou claro que ficou extremamente indisposto. O
próprio primeiro-ministro disse estar profundamente preocupado com o acordo, que
reputou de erro histórico.
Por seu turno, o ministro de Ciência e Tecnologia
israelita, Danny Danon, declarou:
“Dar ao maior apoiante do terrorismo no mundo um passe livre para
desenvolver armas nucleares é como dar fósforos a um piromaníaco”.
Para Esfandiary, Israel e Arábia Saudita
estão, acima de tudo, “a fazer barulho”, e explica:
“É claro que não gostam do acordo e não ficarão felizes com nenhum acordo,
mas terão de entender que sentir-se o Irão mais seguro é algo que beneficia
toda a região”.
Finalmente, ficam em aberto questões
várias, pois ainda restam dúvidas sobre como será a implementação do acordo:
– “Será
algo passível de execução a longo prazo? Quem cedeu mais?”.
Para Jonathan Marcus, especialista em
Diplomacia da BBC, houve concessões dos dois lados:
“Os EUA e seus aliados queriam uma retração total do
programa nuclear iraniano e uma interrupção de todo o enriquecimento de urânio.
E isso é o que Israel ainda prefere. Mas simplesmente não haveria acordo nessas
condições”.
E acrescenta:
“E o Irão cedeu terreno ao aceitar um nível de inspeção que só perde para o
de países derrotados em guerras. O país está aceitando restrições em sua
atividade nuclear por um período significativo”.
E ainda há vários aspetos desse complexo
acordo que podem levantar problemas – trata-se de um processo, não de uma ação
única – lembra Marcus, que equaciona ainda o seguinte:
– “Como
funcionará na prática o regime de inspeção e verificação? O acesso de
inspetores internacionais a instalações militares será suficiente?”.
***
Todavia, o acordo chegou ao fim de 18 dias de
negociações quase ininterruptas em Viena (de um total de 21 meses de intensos
contactos), numa maratona negocial que
envolveu os ministros dos Negócios Estrangeiros dos sete países mencionados,
mais a alta representante da União Europeia para os Negócios
Estrangeiros, Federica Mogherini.
E um esforço de paz será sempre de saudar, mesmo que
não se dispense a vigilância para que o esforço se torne eficaz.
2015.07.20 –
Louro de Carvalho
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