segunda-feira, 20 de julho de 2015

O acordo histórico entre o Irão e as potências mundiais do G5+1

O Irão e 6 potências mundiais (os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança, EUA, Rússia, China, França e Reino Unido, mais a Alemanha) acordaram finalmente sobre o programa nuclear iraniano – o que abre para o levantamento efetivo das sanções impostas a Teerão com a contrapartida da garantia de que aquele país vai travar a fundo nas suas aspirações nucleares.
Relançadas em novembro de 2013 pelo Irão e pelas mencionadas potências mundiais do G5+1, as negociações tinham como objetivo primordial chegar a um acordo que garantisse que Teerão não viria a usar o programa nuclear para fins militares (construção de bomba atómica), recebendo como contrapartida um levantamento das sanções económicas que lhe tinham sido impostas internacionalmente.
As duras negociações, de 18 horas, chegaram ao fim e o acordo foi selado no passado dia 14, em Viena, pondo fim a mais de 12 anos de impasse sobre o programa nuclear iraniano que indiciava a ameaça duma nova guerra no Médio Oriente, que podia eclodir a qualquer instante.
O triunfo das negociações – uma das bandeiras significativas da política externa de Barack Obama – é considerado como o alvorecer de uma nova era nas relações entre o Irão e o mundo ocidental e um ponto de viragem na diplomacia, que por esta via conseguiu uma assinalável vitória. Estava em causa nada menos do que a segurança do mundo inteiro.
Federica Mogherini, alta representante da União Europeia para a Política Externa, numa conferência de imprensa conjunta na capital austríaca,  a propósito daquele dia, considerou que “hoje é um dia histórico” e um marco “na história da diplomacia”, sublinhando: 
“Apesar dos altos e baixos, a esperança e a determinação permitiu-nos ultrapassar os momentos difíceis. Resolvemos uma disputa que dura há, pelo menos, dez anos”.
E John Kerry, o secretário de Estado norte-americano, disse naquela conferência de imprensa:
“O acordo é um passo a afastar-nos do fantasma de conflito, em direção à possibilidade de paz. Esta é a boa negociação que procurámos obter”.
Por seu turno, o Presidente Obama, falando a partir da Casa Branca, elogiou o acordo, considerando que os Estados Unidos da América e a comunidade internacional alcançaram algo que décadas de animosidade não conseguiram – um acordo de longa data que irá impedir o Irão de obter armas nucleares”. Obama informou o Congresso de que vetará qualquer tentativa de bloquear a implementação das novas medidas, acreditando que de “daqui a dez ou 15 anos, a pessoa que herdar este gabinete terá uma posição mais forte”.
Note-se que o Congresso dos EUA terá 60 dias para rever e discutir o acordo – o que dará tempo suficiente aos republicanos mais críticos para absorver todos os detalhes e contestar a posição da administração da Casa Branca. Porém, John Kerry fez ecoar, em Viena, as palavras do Presidente, dizendo crer que o “Congresso não irá virar as costas à restante comunidade internacional” e que a implementação do acordo é mais importante do que o próprio texto, embora ressalvando que não diz que “tudo vai funcionar na perfeição”.
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Não obstante, havia um ponto especialmente sensível que persistia nas negociações – a vigilância da ONU – dado que as autoridades iranianas sempre disseram que nunca deixariam a Agência Internacional de Energia Atómica, da ONU, entrar nas suas instalações, alegando tratar-se de um pretexto para as Nações Unidas terem acesso a segredos militares.
Porém, também este diferendo foi ultrapassado, e o embargo de armas da ONU vai continuar em vigor por mais cinco anos, devendo as sanções que impedem a compra de mísseis prolongar-se por outros oito anos. Para tanto, foi estabelecido o compromisso de que os inspetores das Nações Unidas poderão visitar as instalações militares iranianas, como parte do processo de monitorização do acordo. Caso o Irão viole o acordo, as sanções serão repostas num prazo de 65 dias, após decisão do conselho de segurança da ONU. Por outro lado, o texto inclui a referência de que as sanções económico-financeiras impostas ao Irão só serão aliviadas quando o país começar a cumprir os compromissos acordados.
Outros pontos do texto incluem a redução de 96% do stock de urânio empobrecido e a remoção do núcleo central do reator de Arak, que será redesenhado de modo a não ser capaz de produzir capacidades significativas de plutónio.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo publicou um documento que parece ser o texto integral do acordo firmado em Viena, pois, contém todos os pontos que se sabe integrarem o documento.
No Irão, o acordo ainda precisará de luz verde do líder supremo, o aiatola Ali Khamenei, para afastar as suspeições que restam face a um acordo com os EUA, cujas relações estão há anos envoltas em tensão e desconfiança.
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Como reagiu o mundo? O Presidente iraniano, Hasan Rohani, comentou a notícia afirmando que a conquista de um acordo é “um triunfo da diplomacia” e servirá como um “bom começo” para novas relações internacionais. E declarou esperar que o acordo acabado de ultimar na capital austríaca figure como um instrumento que coloque termo a uma época de “exclusão e coerção” nas relações entre países, afirmando que o “diálogo construtivo” permite “abrir novos horizontes” nas relações internacionais e nos desafios conjuntos.
Vladimir Putin, também parte ativa nas negociações, saudou o acordo, dizendo que, apesar das “tentativas em defesa de um recurso à força”, o documento representa “uma escolha firme pela estabilidade e cooperação”. E adiantou que “estamos certos de que o mundo hoje deu um enorme suspiro de alívio”, acrescentando que, da sua parte, “a Rússia fará todo o possível” para que acordo seja cumprido.
Também em Portugal o ministro dos Negócios Estrangeiros se pronunciou sobre o dia histórico: “O Governo Português considera que o presente acordo constitui um importante contributo para evitar a corrida ao armamento na região do Médio Oriente” e congratula-se com o facto de a solução ter sido encontrada “pela via negocial”.
Porém, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelita – de um Estado que é considerado a única potência nuclear do Médio Oriente e que não assinou o Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares – foi o mais crítico do acordo, que acusou de ser “um erro histórico para o mundo”, afirmando que, “enquanto o espetáculo com o Irão continua, o Irão está prestes a fabricar a bomba nuclear e dispõe de milhares de milhões de dólares para o terrorismo e para ataques”, que não para construir escolas e hospitais.
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No entanto, os comentadores, em face do acordo firmado, apontam consequências e incertezas.
O acordo firmado entre o Irão e o GP5+1 para limitar o programa nuclear de Teerão em troca de alívio das sanções internacionais a este país do Oriente Médio não deixou, como se viu, a comunidade internacional indiferente. Uns o consideram histórico, outros o têm por desastroso.
E, se os 21 meses de negociações deram frutos, a grande dúvida agora é saber quais serão as consequências de tão esperado acordo. A este respeito, a BBC listou três possíveis efeitos e levantou algumas questões que permanecem em aberto.
Embora se trate de um acordo nuclear – e não económico –, todavia, o fim das sanções terá impacto direto na economia de todo o mundo e não só na do Irão, sobretudo no âmbito do mercado do petróleo. Caso tudo corra como espera o presidente dos EUA e o acordo seja totalmente implementado, espera-se que o Irão firme convénios lucrativos com grandes empresas de energia e aumente significativamente sua produção de petróleo, o qual ficará mais barato. Considerando que o país tem a quarta maior reserva de petróleo do mundo – estimada em 150 biliões de barris – e a segunda maior reserva de gás natural do planeta, o seu potencial é ingente.
Se atualmente o Irão produz diariamente 2,85 milhões de barris de petróleo, Bijan Zanganeh, ministro do Petróleo local, já admite que a sua produção se elevará em 1 milhão de barris quando as sanções forem suspensas. Sendo assim e segundo uma pesquisa de 25 analistas do setor feita pela agência de notícias Reuters, a expectativa é a de que o Irão eleve as suas exportações de petróleo em até 60% em um ano. A procura viria de países que reduziram as importações como consequência das sanções.
Porém, “qualquer mudança nesse cenário não virá de imediato e será muito lenta”, como afirmou à BBC Mundo Dina Esfandiary, especialista em Irão e pesquisadora do Centro de Estudos em Ciência e Segurança do King’s College de Londres, a qual também referiu que “a infraestrutura petroleira do Irão é muito simples”. Assim, ainda que todo o investimento fosse feito por multinacionais, a construção da infraestrutura necessária levaria anos e décadas até um aumento significativo da produção.
Em termos do impacto no equilíbrio de poder do Oriente Médio, ou seja, no aspeto geopolítico, uma eventual aliança entre Irão, EUA e Europa pode ter “consequências sísmicas”, de acordo com a avaliação de Mohamed Yehia, o editor do serviço árabe da BBC. Historicamente, o Irão tem sido o grande defensor das comunidades xiitas no Oriente Médio, em contraste com os grandes reinos sunitas dos países do Golfo Pérsico, liderados pela Arábia Saudita. Ora, o especialista opina:
“O confronto é entre xiitas e sunitas. O Irão apoia o governo de Bashar al-Assad na Síria, o Hezbollah no Líbano e a revolução no Iémen. Os sauditas veem-no como uma grande ameaça”.
Além disso, segundo Yehia, o governo da Arábia Saudita acusa o Irão de fomentar e financiar a dissidência xiita dentro do próprio território saudita.
Sabe-se que a rivalidade entre persas e árabes é histórica e que, desde a Revolução Islâmica iraniana, em 1979, os EUA têm estado ao lado dos sauditas. Ora, isso pode mudar agora. Contudo, “o apoio do Irão a minorias xiitas não tem necessariamente a ver com uma agenda sectária, como é no caso da Arábia Saudita”, adverte Esfandiary. Os sauditas, que, além do mais, são os principais produtores de petróleo da região, ver-se-ão afetados diretamente se o Irão começar a firmar acordos comerciais com o Ocidente, e não verão com bons olhos o seu principal aliado no Ocidente tornar-se amigo de um inimigo.
Por outro alado, o citado Yehia diz que os sauditas temem que o acordo não garanta que o Irão detenha o seu programa nuclear e que este se torne mais forte.
Quanto ao Impacto em Israel, deve ter-se em linha de conta que a Arábia Saudita não é o único inimigo histórico do Irão na região, nem o único aliado dos EUA. Ora, Israel – que lançara mão de todo seu poder e de contactos internacionais para tentar deter as conversas que culminaram no acordo – deixou claro que ficou extremamente indisposto. O próprio primeiro-ministro disse estar profundamente preocupado com o acordo, que reputou de erro histórico.
Por seu turno, o ministro de Ciência e Tecnologia israelita, Danny Danon, declarou:
“Dar ao maior apoiante do terrorismo no mundo um passe livre para desenvolver armas nucleares é como dar fósforos a um piromaníaco”.
Para Esfandiary, Israel e Arábia Saudita estão, acima de tudo, “a fazer barulho”, e explica:
“É claro que não gostam do acordo e não ficarão felizes com nenhum acordo, mas terão de entender que sentir-se o Irão mais seguro é algo que beneficia toda a região”.
Finalmente, ficam em aberto questões várias, pois ainda restam dúvidas sobre como será a implementação do acordo:
– “Será algo passível de execução a longo prazo? Quem cedeu mais?”.
Para Jonathan Marcus, especialista em Diplomacia da BBC, houve concessões dos dois lados:
“Os EUA e seus aliados queriam uma retração total do programa nuclear iraniano e uma interrupção de todo o enriquecimento de urânio. E isso é o que Israel ainda prefere. Mas simplesmente não haveria acordo nessas condições”.
E acrescenta:
“E o Irão cedeu terreno ao aceitar um nível de inspeção que só perde para o de países derrotados em guerras. O país está aceitando restrições em sua atividade nuclear por um período significativo”.
E ainda há vários aspetos desse complexo acordo que podem levantar problemas – trata-se de um processo, não de uma ação única – lembra Marcus, que equaciona ainda o seguinte:
“Como funcionará na prática o regime de inspeção e verificação? O acesso de inspetores internacionais a instalações militares será suficiente?”.
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Todavia, o acordo chegou ao fim de 18 dias de negociações quase ininterruptas em Viena (de um total de 21 meses de intensos contactos), numa maratona negocial que envolveu os ministros dos Negócios Estrangeiros dos sete países mencionados, mais a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini.
E um esforço de paz será sempre de saudar, mesmo que não se dispense a vigilância para que o esforço se torne eficaz.

2015.07.20 – Louro de Carvalho

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