Fez-se a reforma da Justiça,
criou-se o novo mapa judiciário e registaram-se os percalços no sistema da
Justiça porque não se fez a reforma informática. O CITIUS colapsou e a maior parte do bolo justiceiro esteve no
frigorífico durante muito tempo, apesar dos clamores sucessivos.
Calçando a chinela de que a
situação era insignificante, passageira e de fácil resolução, a titular da
pasta, no que foi secundada por alguns magistrados, foi atirando as culpas para
cima de funcionários (sem êxito),
que se voltaram contra ela (também
sem êxito) e que foram as únicas cabeças que rolaram (com êxito para o capricho de quem manda).
Agora, sabe-se que o colapso do CITIUS deixou o Governo sem dados para
avaliar o controverso mapa judiciário (vd Público, de 7 de
julho). A Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) não sabe dizer quando o
problema estará resolvido. Procuradores e juízes apontam a situação como
inaceitável e o Conselho Superior da Magistratura (CSM) revela-se mais do que preocupado
e, pelos vistos, a tentar minorar a situação.
O novo mapa judiciário foi implantado no
terreno no passado mês de setembro. Mas, o CITIUS
quase que fazia borregar o novo sistema, tendo-o deixado quase paralisado durante
cerca de dois meses. Entretanto, o sistema informático foi declarado
completamente operacional.
Porém, passados que foram mais de seis meses,
o Ministério da Justiça está sem dados estatísticos fiáveis sobre o andamento e
a pendência dos processos nos tribunais desde 2014 que permitam monitorizar o
sistema judicial e avaliar a aplicação do novo mapa judiciário, com vista às
convenientes melhorias.
Dizem que o programa funciona, mas que os
dados não chegam efetivamente ao SIEJ (Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça),
que até dispõe de um portal na Internet para divulgar as estatísticas. Porém, a
comunicação entre os dois programas parou logo após a aplicação da gigantesca reforma
da administração da Justiça e só estão disponíveis dados estatísticos até 2013,
quando estavam pendentes nos tribunais de primeira instância 1,5 milhões de
processos, registando-se então uma baixa de 200 mil em relação ao ano anterior.
A atual situação de ineficiência dos sistemas informáticos
da Justiça prejudica o conhecimento dos dados sobre o movimento de processos
por tribunal e por área processual, assim como os indicadores de desempenho,
“muito importantes para o Ministério da Justiça em termos de monitorização e
avaliação do sistema de Justiça e, em particular, da reforma judiciária, bem
como para os próprios tribunais, como instrumento de planeamento e gestão” –
explicou Susana Antas Videira, responsável da Direcção-Geral da Política de
Justiça (DGPJ).
Por seu turno, Albertina Pedroso, juíza presidente
do IGFEJ (Instituto de Gestão
Financeira e Equipamentos da Justiça), que gere o CITIUS, declarou a sua “sintonia” com a
DGPJ, o organismo responsável pelo sistema de estatísticas da justiça, para a
resolução da questão. Mas a DGPJ não adianta um prazo para a resolução do
problema.
As estatísticas e os indicadores de desempenho
dos tribunais num ano costumam ser divulgados em abril do ano seguinte. Ora, no
passado mês de abril, a DGPJ publicou uma “nota técnica” sobre o problema, cuja
oportunidade e teor se mantêm três meses depois, porque o problema está longe
de ser resolvido.
***
Entretanto, como sustenta Susana Antas Videira,
“estão a decorrer os trabalhos de recuperação da informação e do
restabelecimento de dados ao Sistema de Informação das Estatística da Justiça a
partir da plataforma informática de suporte à atividade dos tribunais”. Porém,
apesar de a explicação da responsável da DGPJ ter sido veiculada através do
Ministério da Justiça, este, embora questionado expressamente sobre o assunto
pelo Público, não comentou a
situação.
Por outro lado, juízes, procuradores e
advogados consideram que a situação é inaceitável por impedir a gestão do próprio
sistema judicial. A presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira refere,
alertando:
“Quase um
ano depois da nova reforma, é inaceitável que a ministra da Justiça insista que
está tudo bem. É como se estivéssemos num barco a navegar com uma venda nos
olhos. Há muito tempo que exigimos que seja dada uma explicação transparente
sobre o colapso do CITIUS e que seja
feita uma avaliação da reforma. É muito preocupante não se saber nada. O
sistema não é fiável e pode voltar a ‘crashar’ a qualquer momento”.
Por seu turno, António Ventinhas, presidente
do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), lamenta preocupado:
“É
muito grave. Estes dados são importantes para a gestão do sistema para colocar
mais ou menos magistrados nas comarcas onde são precisos”.
Do seu lado, a OA (Ordem dos Advogados)
é ainda mais contundente. Elina Fraga releva a “grande coincidência de os dados
não estarem acessíveis” e a acusa a ministra Paula Teixeira da Cruz de estar a “branquear
o falhanço da reforma” (é uma
acusação malédica, mas que é provável que corresponda à verdade).
Segundo a bastonária, com os dados, “facilmente se percebia que a apregoada
celeridade dos processos e a especialização falhou. Decorrido quase um ano, não
são conhecidas as estatísticas porque não interessam”.
Os sinais claros da preocupação generalizada
dos diversos operadores na área da Justiça chegaram já ao Conselho Superior da
Magistratura (CSM),
órgão de gestão e disciplina dos juízes, que reconhece que os “dados atualmente
acessíveis não são rigorosos”, devido à forma como ocorreu a transição
electrónica dos processos que deixou os tribunais paralisados durante 44 dias
em 2014.
O CSM, tendo conhecimento da questão, tem
chamado a atenção para a importância do restabelecimento dos dados
estatísticos, reconhecida pelo próprio Ministério da Justiça, e sublinha que “a
ausência de dados estatísticos constitui obstáculo relevante que se tenta
ultrapassar” e “que prejudica um efetivo conhecimento da realidade processual”.
Ademais, o CSM revelou a sua permanente tentativa de contorno da situação
“envidando todos os esforços para que a deficiência apontada não tenha
demasiado reflexo na gestão dos tribunais”.
Por sua vez, Joana Marques Vidal, procuradora-geral
da República e presidente do Conselho Superior do Ministério Público, prefere não
comentar, mas adianta que o Ministério Público “tem utilizado elementos estatísticos
recolhidos pelos próprios serviços” para a sua planificação.
***
Voz discordante e despreocupada é a dos funcionários
judiciais. “São os únicos agentes do setor que não se mostram preocupados com o
problema” – anota Pedro Sales Dias
no Público, de 7 de julho, que cita Fernando
Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais. Segundo este
dirigente sindical e funcionário judicial, “as estatísticas da justiça
sempre foram uma falácia” e “só seriam importantes se servissem para alguma
coisa, mas nunca fazem nada com elas”. Segundo ele, a reforma judiciária
“falha” devido “à estatística de funcionários que
faltam”.
Penso que se refere com aquele “faltam”
ao insuficiente provimento de quadros e não ao absentismo dos funcionários. Por
outro lado, seria útil que o sindicalista explicasse o que se poderia fazer com
as estatísticas perante a real falta de meios e a efetiva falta de vontade política
de investir na Justiça e de modificar a sério o seu funcionamento.
***
E assim avança uma reforma
da justiça caótica, desmentida, preocupante, branqueada e também desvalorizada.
É que a deficiência e a iniquidade da reforma não residem principalmente na
ausência de estatísticas, mas noutros fatores, como a repartição do país a
régua e esquadro, a falta de atenção às pessoas e aos seus contextos e à falta
de suficiente provimento de quadros.
Justiça fraca, parcial,
lenta, complicada, desconhecida, cara e caótica! Quando se lhe dará a volta? Ao
Costa, a vida, Costa! Ó Passos, que passos vêm sendo dados!
2015.07.09 – Louro de Carvalho
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