quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

As tentações e doenças do poder

A 22 de dezembro passado, Sua Santidade o Papa Francisco arrasou a Cúria Romana (cardeais, monsenhores e outros servidores) com um discurso assaz duro, a que já fiz referência e que muitos comentam como sendo inusitado e até virulento e que pretendem aplicar às cúrias diocesanas e mesmo a todos os membros da Igreja Católica.
Ora, este tipo de discurso em Francisco era espectável, pois já no ano anterior ele chamava à razão a Cúria Romana e, em especial, a Congregação para os Bispos. Se alguns dos membros daquela Cúria (Secretaria de Estado, Congregações, Tribunais, Conselhos Pontifícios, Secretaria do Sínodo dos Bispos, Departamentos, Ofícios, Comissões e os Representantes Pontifícios espalhados pelo mundo) não estavam à espera de discurso semelhante, é porque ainda não quiseram conhecer o perfil deste pontífice. Que é diplomático – ele agradece o trabalho de todos e inclui nos votos de Natal todos os entes próximos e queridos dos destinatários diretos do seu discurso – mas não deixa de assumir o tom profético da denúncia das más situações e do apelo ao núcleo essencial da fé, que implica a transformação do homem e da sociedade.
Por outro lado, o Papa, quando usa da palavra, pretende atingir, não só os destinatários diretos, mas também todos aqueles que possam encaixar-se nas situações denunciadas e escalpelizadas.
É por isso que, sem retirar um ápice às aplicações que o Papa faz ao governo central da Igreja Católica e à sua administração (e ele é o efetivo responsável máximo pela sua governança, mais do que Obama nos EUA), bem como às cúrias diocesanas, quero fazer, tanto quanto possível, a aplicação a todos os escalões do poder (político, económico, militar…). Não esqueço que o poder nos escalões mais baixos não deixa de ser, por vezes, tão tirano e burocrático (ou até mais do que) como nos escalões superiores.
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Francisco começou por imaginar a Cúria Romana como “um pequeno modelo da Igreja”. E poderia imaginá-la como “um modelo de Governo de Estado”, já que a Santa Sé também é um Estado e tem desenvolvido grande (e, por vezes, eficaz) labor diplomático. Ora, como diz o Papa, “como todo o corpo humano, [a Cúria] está exposta à doença, ao mau funcionamento”, à tentação, à disfunção. E enumerou 15 destas doenças da Cúria, que mutatis mutandis se aplicam a todo o poder, uma vez que a análise de cada uma leva a concluir que tudo gira à volta da distónica “patologia do poder”.
Eis o seu elenco, com pequenos comentários, seguindo de perto o texto do grande Anselmo Borges (cf Diário de Notícias, de 27 de dezembro), embora com as adaptações que a aplicação postula.
1. A tentação em que se cai inúmeras vezes, a ponto de chegar a doença crónica, é a de “sentir-se imortal, indispensável ou imprescindível”, que leva ao narcisismo e a considerar-se superior a todos e não ao serviço de todos, podendo originar a perpetuação no poder. Como antídoto, temos a limitação dos poderes no objeto, nos agentes e no tempo e, sobretudo, a autocrítica humilde e realista. Em Portugal, fala-se da humildade democrática – tão propalada e tão pouco praticada. E o Papa lembra como os cemitérios estão repletos de nomes de tantos que também pensaram que eram imortais e indispensáveis.
2. A seguir, vem o “martismo”, que vai entroncar no Evangelho de Lucas (cf Lc 10,30-42). No Evangelho, há duas irmãs, Marta e Maria. E, enquanto esta, aninhada aos pés de Jesus, O contempla e escuta, Marta corre e atarefa-se sem descanso. O “martismo” é, pois, a confiança absoluta no trabalho excessivo, sem parar para pensar, refletir e avaliar, ou simplesmente para repouso, meditação e interiorização. Quantos dos políticos e gestores se esfalfam exclusiva e excessivamente na ação, arrastando consigo os colaboradores e sem sucesso e préstimo!
3. Há também a “petrificação ou fossilização mental e espiritual”, que leva à perda da sensibilidade para avaliar as necessidades da comunidade, o abandono das terras e família de origem, passando a trabalhar para as estatísticas, considerando as pessoas mais um número contabilístico e abandonando a atitude empática de “chorar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram”. Quantos não saem de suas terras cheios de ideias de solidariedade e rapidamente se veem a pensar segundo os critérios da capital e do capital (Não há dinheiro, não se pode fazer tudo de um dia para o outro, há que avaliar os projetos, ter o sentido do todo…)!
4. Lá vem, por seu turno, a doença do “excesso de planificação e do funcionalismo”, que conduz a posicionamentos estáticos e imutáveis, com a pretensão de domesticar, na Igreja, o Espírito Santo, e, na sociedade, o povo ou a identidade nacional. Perde-se a noção da iniciativa, da espontaneidade e da autonomia científica, profissional e política – fica-se agarrado à folha de excel ou fazem-se divisões a régua e esquadro.
5. Depois, grassa por esse mundo fora a doença da “má coordenação” e mesmo da “descoordenação”, perdendo-se o espírito de colaboração e o sentido de equipa e caindo-se no individualismo crasso, incompatível com o trabalho colaborativo.
6. Com a doença do “Alzheimer espiritual”, perde-se, na Igreja, a memória do encontro com Jesus e com Deus e, na sociedade, o sentido da lei, do dever e da estabilidade. Passa então a viver-se e agir na dependência de conceções imaginárias, das próprias paixões, caprichos, manias e expedientes. É o reino do “salve-se quem puder” e da heterofagia económica, social e política.
7. Cultiva-se também em alto grau o signo da “rivalidade e da vanglória”, transformando-se o título académico (real ou fictício), a patente militar, o lugar no Governo, “a aparência, as honras e as medalhas honoríficas no primeiro objetivo da vida”. É a doença do prestígio e da ascensão na vida do género da exclamação: “Pai, já sou ministro”!
8. A doença da “esquizofrenia existencial” é a de “quem vive uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do vazio espiritual que títulos académicos e outras honrarias não podem preencher”. É a doença que “afeta sobretudo quem se limita às coisas burocráticas e perde o contacto pastoral”. Na política e na economia, sob a capa do interesse comunitário, nacional ou do Estado, são fracos com os fortes e déspotas com os fracos; têm um desempenho insuficiente e exigem o desempenho de excelência aos outros, dispostos a penalizar e arredar os não amigos e a valorizar e promover os amigos, os familiares e correligionários.
9. A doença dos “rumores, mexericos, murmurações, má-língua” parece inócua, mas é tão demolidora que pode levar ao “homicídio a sangue frio”. Cuidado com “o terrorismo dos rumores, do diz-se!” – adverte o Papa. A perda do bom nome, a perda da carreira profissional e política resultam tantas vezes da intriga dos émulos e rivais, a qual leva inclusivamente à quebra das relações familiares, mesmo a do casamento.
10. A doença da “divinização dos chefes” é própria de quem idolatra os superiores: “são vítimas do carreirismo e do oportunismo”. Adulam os Superiores para obterem a benevolência deles, honrando as pessoas e não a Deus e os valores axiológicos (cf Mt 23,8-12). Mas esta doença  pode atingir também os Superiores, quando cortejam alguns dos seus colaboradores, a quem prometem favores, para lograrem a cúmplice submissão, lealdade e dependência psicológica, profissional e social.
11. A doença da “indiferença para com os outros é típica de quem já cumpre todos os deveres, deu para todos os peditórios. Sofra quem e como sofrer, o coração fica empedernido. Cumpre-se a lei, dura, mas igual para todos. Ninguém está acima da lei.
12. A doença da “cara de funeral”: são pessoas” bruscas e grosseiras”, sem alegria nem delicadeza. São as caras de poucos amigos, que entendem que o ar severo é sinal de prestígio e imparcialidade, induz ao respeito dos outros e impõe a ordem.
13. A doença da “acumulação de bens materiais”, querendo assim preencher “um vazio existencial no coração”. Leva à exploração do homem pelo homem e ao espezinhamento do fraco. É um passo para a corrupção ativa e passiva, tráfico de influências, favorecimento em negócios, branqueamento de capitais, evasão fiscal e compra de lugares públicos, políticos e empresariais.
14. A doença dos “círculos fechados” ou “espírito de capelinha” acarreta o perigo de cortar, na Igreja, a relação de cada um ou de cada grupo com o Corpo da Igreja e até com o próprio Cristo e, na sociedade, o corporativismo e o cartelismo. Sobrepõem-se os interesses de grupo, da corporação, da associação/sociedade ou do lóbi ao interesse do todo nacional. E também falseiam as leis da concorrência combinando preços para manter em alta o respetivo setor de atividade.
15. A última das doenças elencadas pelo Papa é a doença do “mundanismo e do exibicionismo”, transformando o serviço em poder. E este conquista-se a todo o custo e por todos os meios, incluindo a promessa do que se pode e do que não se pode fazer e mantém-se contra tudo e contra todos. Quando se perde o poder, hipocritamente confessa-se o respeito pela vontade do povo, o soberano. Há outrossim quem, como alternativa ao poder, aposte na voz e tudo critique e se refugie nas propostas que faz com real à vontade quem nunca pensa ocupar o poder executivo.
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O próprio Papa conclui que “estas doenças e tentações são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria (diocesana), comunidade, paróquia, movimento eclesial, e podem ferir tanto a nível individual como comunitário”. E são comuns a todos os setores em que se manifeste a ambição do homem e do seu grupo ou se exerça o poder, mesmo o dito democrático, para já não falar no ditatorial.

Por isso, se pede a autocrítica, a reflexão pessoal, a ajuda e correção mútuas e, na sociedade estruturada, se exige o recurso a todos os meios de controlo dos poderes, sem cada um descurar o dever e direito de intervenção cívica. Tudo isto, se queremos um mundo mais fraterno, mais justo e humano e cada ano novo melhor que o antecedente.

XXIII Dia Mundial do Doente

A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou ontem dia, 30 de dezembro, a mensagem do Papa Francisco para o XXIII Dia Mundial do Doente (Esta jornada foi instituída por São João Paulo II.) em torno do tema Sapientia Cordis (sabedoria do coração). O texto ontem publicado, redigido no passado dia 3 de dezembro, memória de São Francisco Xavier, e referente ao dia do doente, que se celebrará a 11 de fevereiro de 2015, memória litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes, começa, por citar um treno de Job “Eu era os olhos do cego e servia de pés para o coxo (Jb 29,15) – que mais do que palavra do homem é palavra de Deus, que significa a imensa solidariedade para com o homem, urgindo a solidariedade do homem para com o outro homem.
Francisco dirige-se aos doentes – “todos vós que carregais o peso da doença, encontrando-vos, de várias maneiras, unidos à carne de Cristo sofredor” – e a quem deles tem o cuidado, os “profissionais e voluntários no campo da saúde”.
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Da Sabedoria do coração diz não se tratar de “um conhecimento teórico, abstrato, fruto de raciocínios”, mas sabedoria “pura (…), pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem hipocrisia” (Tg 3,17). É, pois, um dom do Espírito Santo enquanto disposição infundida por Ele na mente e no coração para se abrir ao sofrimento dos irmãos e a neles reconhecer a imagem de Deus. É um dom que também se implora: “Ensina-nos a contar assim os nossos dias, / para podermos chegar à sabedoria do coração” (Sl 90/89,12).
Depois, Sabedoria do coração é servir o irmão, numa ótica de fé. Nas palavras de Job, acima transcritas, evidencia-se a dimensão de serviço aos necessitados por parte de um homem justo – serviço que lhe dá uma estatura moral reconhecida pelos seus conterrâneos e se manifesta na dedicação ao pobre, bem como no “cuidado do órfão e da viúva” (cf. Jb 29,12-13; Tg 1,27).
Este serviço cristão testemunha-se hoje, segundo o Papa, não só com as palavras, mas sobretudo com a vida radicada numa fé genuína, que implica ser “os olhos do cego” e “os pés para o coxo”. Também configura é um especial caminho de santificação: “permanecer junto dos doentes que precisam de assistência contínua, de ajuda para se lavarem, vestirem e alimentarem” – serviço que, especialmente “quando se prolonga no tempo, pode tornar-se cansativo e pesado”. E continua: “é relativamente fácil servir alguns dias, mas torna-se difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até anos, inclusive quando ela já não é capaz de agradecer” (Note-se o detalhe existencial sublinhado por Francisco!). Então, conta-se com a proximidade do Senhor, que é também “de especial apoio à missão da Igreja”.
Porém, mais do que o excesso “martista” de atividade, Sabedoria do coração é estar com o irmão. “O tempo gasto junto do doente é um tempo santo”, de amor e de conforto – ensina o Pontífice. “É louvor a Deus, que nos configura à imagem do seu Filho, que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão” (Mt 20,28). Já a presença de fé e paciência junto do doente é sacramento da presença de Jesus, o “Verbo Encarnado que habita entre nós” (cf Jo 1,14) e que nos disse: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27).
Por contraste, o Papa Francisco vem denunciar a hipocrisia e a mentira de quem negligencia o valor desta presença, a eficácia deste serviço e a humildade desta assistência, refugiando-se na técnica e no estribilho vazio de expressões hoje em voga como a da “qualidade da vida”, “para fazer crer que as vidas gravemente afetadas pela doença não mereceriam ser vividas”.
Por outro lado, não basta esperar que o doente surja ou nos procure. É que Sabedoria do coração é sair de si ao encontro do irmão. É algo que o nosso mundo esquece. O dom da gratuitidade parece ficar colocado de lado quando se insiste demasiado na técnica e no exclusivismo profissionalista (considerando os outros meramente curiosos). Depois, quem vive obcecado “pela rapidez, pelo frenesim do fazer e do produzir” não avalia o interesse da prestação generosa de cuidar, de se encarregar do outro, mormente quando se gasta algum tempo à cabeceira do doente. “No fundo, por detrás desta atitude – lamenta-se Francisco – há muitas vezes uma fé morna e o esquecimento da palavra escatológica do Mestre: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25,40).
Por isso, o Papa correlaciona com a sua perspetiva da imagem da Igreja em saída às periferias existenciais (e a doença constitui-se em periferia física e psicossocial) esta mensagem para o Dia mundial do Doente: “gostaria de recordar uma vez mais a absoluta prioridade da saída de si próprio para o irmão, como um dos dois mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o sinal mais claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação absolutamente gratuita de Deus” (Exort. ap. Evangelii gaudium,179). Mais: naquela exortação apostólica, que é considerada a peça-base do seu programa pontifical, o Bispo de Roma, na sua solicitude por toda a Igreja, ensina que “é da própria natureza missionária da Igreja que brotam a caridade efetiva para com o próximo, a compaixão que compreende, assiste e promove” (Ibid.,179).
Finalmente, o Papa Francisco ensina que é preciso resistir à tentação de julgar, avaliar e só depois acorrer. Tanto cuidado ao doente e ao necessitado que deixa de se prestar porque o projeto apresentado não era viável ou porque eles o não merecem! Sabedoria do coração é ser solidário com o irmão, sem o julgar. A caridade – diz o Papa, aludindo ao exemplo dos amigos de Job – “precisa de tempo, tempo para cuidar dos doentes e tempo para os visitar, tempo para estar junto deles”. Os amigos de Job “ficaram sentados no chão, ao lado dele, sete dias e sete noites, sem lhe dizerem palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande” (Jb 2,13). No entanto, “escondiam um juízo negativo acerca dele”: como era corrente pensar-se no quadro do judaísmo de então, “pensavam que a sua infelicidade fosse o castigo de Deus por alguma culpa dele”. Ao invés, o Papa argentino declara que “a verdadeira caridade é partilha que não julga, que não tem a pretensão de converter o outro; está livre daquela falsa humildade que, fundamentalmente, busca aprovação e se compraz com o bem realizado”.
E não podemos olvidar que a experiência de Job, proverbialmente considerado a referência paciencial, é a figura veterotestamentária da entrega paciente de Cristo até à morte na cruz (aparentemente abandonado pelo Pai: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste? – Mt 27,46). Pelo que essa experiência de Job “só encontra a sua resposta autêntica na Cruz de Jesus, ato supremo de solidariedade de Deus para connosco, totalmente gratuito, totalmente misericordioso”. E Francisco respiga, neste contexto, algo de profundo que proferiu na homilia da canonização de dois dos seus predecessores, João XIII e João Paulo II: “esta resposta de amor ao drama do sofrimento humano, especialmente do sofrimento inocente, permanece para sempre gravada no corpo de Cristo ressuscitado, naquelas suas chagas gloriosas que são escândalo para a fé, mas também verificação da” fé (cf. Homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II, 27 de abril de 2014).
A esse drama da cruz Paulo associa o sofrimento do doente e do atribulado: “completo na minha carne o que falta à Paixão de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja” (cf Cl 1,24). E o Papa assegura que “mesmo quando a doença, a solidão e a incapacidade levam a melhor sobre a nossa vida de doação, a experiência do sofrimento pode tornar-se lugar privilegiado da transmissão da graça e fonte para adquirir e fortalecer a sapientia cordis”. E, voltando à experiência de Job, que no final – e Francisco transcreve as palavras de evidência do antes sofredor – exclama: “Os meus ouvidos tinham ouvido falar de Ti, mas agora veem-Te os meus próprios olhos” (Jb 42,5). E conclui que “também as pessoas imersas no mistério do sofrimento e da dor, se acolhido na fé, podem tornar-se testemunhas vivas duma fé que permite abraçar o próprio sofrimento, ainda que o homem não seja capaz, pela própria inteligência, de o compreender até ao fundo”.
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Nesta época de Natal, o Pontífice entrega todos os doentes à proteção materna de Maria, que acolheu no ventre e gerou a Sabedoria encarnada (Santa Sofia), Jesus Cristo, nosso Senhor. Ela é efetivamente a “Mãe de Cristo”, a “Sede de Sabedoria” e a “Saúde dos Enfermos”, como se invoca na ladainha lauretana.  
Por isso, aqui fica ipsis verbis a pequena prece papal, bem ao jeito da prece salomónica (2Cr 1,10.11.12):
“Ó Maria, Sede da Sabedoria, intercedei como nossa Mãe por todos os doentes e quantos cuidam deles. Fazei que possamos, no serviço ao próximo sofredor e através da própria experiência do sofrimento, acolher e fazer crescer em nós a verdadeira sabedoria do coração”.


Sirva esta mensagem de prenda pontifícia para os doentes e de reconhecimento e estímulo para aquelas e aqueles que deles tratam com profissionalismo e com generosidade alicerçada na fé genuína.

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Uma prenda de Ano Novo para o Estado

E o Governo da República, a quem compete gerir os negócios do Estado, sob o alto patrocínio do Presidente da República e sob as leis e fiscalização do Parlamento, bem “merece” uma boa prenda de Ano Novo.
Quem se lançou no autoelogio governamental hoje, dia 30 de dezembro, exatamente na véspera do fim do ano, foi o Secretário de Estado dos Transportes. E fê-lo dizendo que este governo tinha um bom currículo – isto a propósito do modo como superintendeu na questão da TAP no âmbito da greve pré-avisada e desconvocada ou na greve pré-avisada e mantida, sobre a qual impendeu uma requisição civil integralmente observada. Daqui resultou a recuperação de sensivelmente metade das reservas que haviam sido desmarcadas (não se podendo, apesar de tudo, ignorar os prejuízos causados pela turbulência) e um diploma legal de privatização da empresa sob um caderno de encargos absolutamente favorável aos interesses do Estado. Será que desta vez surgirá na pantalha político-económica uma privatização que simultaneamente liberte o Estado de encargos, produza um encaixe significativo de verba para o erário público, saneie e redimensione a empresa e garanta os interesses da República? Se sim, é caso para nos questionarmos sobre o motivo por que tal não aconteceu das outras vezes. As outras empresas que foram objeto de privatização não eram significativas ou os investidores /compradores não tiveram a paciência de aturar o governo? Ou será que agora são as eleições que merecem um caderno de encargos cuidadoso e os investidores, entretanto, esperarão por melhores dias? A declaração de hoje do Ministro da Economia de que só lhe compete avaliar comportamentos e não dirigir a economia, porque não é ministro de um governo socialista deixou-me com a pulga detrás da orelha.
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Mas vamos ao caso das prendas, tanto do ano que está a findar como do novo ano. Quem recebeu hoje uma valiosa prenda para o ano de 2015 foi exatamente o Governo e, através dele, todo o povo português: Sua Excelência o Presidente da República promulgou hoje o a Lei do Orçamento do Estado para 2015. E adivinha-se que, a seu tempo lá mais para diante, terá de promulgar um retificativo. Para já, ao arrepio do que pensa a Comissão Europeia e toda a troika, as previsões orçamentais são muito simpáticas para os portugueses, que são de acrescentar à saída limpa do programa de ajustamento em 17 de maio passado, tão benéfica do ponto de vista psicoeuropeu e deixando-nos a marcar passo sob a vigilância “distante” da troika a assomar de seis em seis meses, com as reformas estruturais por fazer.
A pari, os empresários receberam a prenda da baixa do IRC, as famílias receberão “folga” em IRS e os pensionistas que estavam sujeitos à CES irão sentir, a maior parte deles, a sua queda. A educação ganhou e intensificou um maior grau de nomadismo do corpo docente e logrou a aplicação ao sistema de colocações de uma fórmula matemática errada. A economia ganhou ao Estado os CTT pela via da privatização através da venda/compra de ações bolsistas. E a RTP foi presenteada com a criação de um conselho geral independente, que propôs a exoneração do conselho de administração da empresa por ter grelhado mal o projeto editorial e ter adquirido os direitos de transmissão da Liga dos Campeões (futebol). A Assembleia Geral (o Estado é o único) acionista resolverá a seu tempo, em conformidade.
Por outro lado, o Estado justiçoso favoreceu o clima de confiança no sistema de justiça: criou a maior confusão de sempre em processos judiciais através do CITIUS (mais depressa, que se tornou mais devagar); tornou a justiça mais próxima e mais especializada fechando tribunais e multiplicando as secções de competência genérica; condenou ex-governantes, ex-políticos, sucateiros e, pelos vistos, um inocente; prendeu altos escalões da administração central, incluindo serviços de informação e segurança; inquire judicial e parlamentarmente os donos disto e daquilo tudo (de um banco fez dois: um bom, que vai se vendido, e um mau, que vai ficar para memória futura); e deteve um ex-primeiro-ministro. Entretanto, do negócio dos submarinos e das contrapartidas não se fala mais, pois, os processos foram arquivados sem que houvesse qualquer acusação formal, embora os dinheiros tenham desaparecido, mas sem deixarem rasto. Quer dizer, em gente que está em funções governativas não se mexe. Quando muito, depois.
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Perante mostras tão generosas da liberalidade do Estado (mesmo que o estado de coisas seja atabalhoado e caótico), o povo, através dos seus legítimos representantes, não deixou de compensar o Estado com uma prenda de Ano Novo. Refiro-me, como era de esperar, às alterações legislativas sobre a fiscalidade verde.
Depois de acurado estudo (como é habitual num governo que não erra, porque a encomenda dos estudos já leva as conclusões à cabeça), o Governo propôs, a Assembleia da República discutiu e aprovou nova lei sobre a fiscalidade verde (ou seja, amiga do ambiente), que o Presidente da República promulgará, o chefe do Governo referendará, o Diário da República publicará e de que o competente membro do Governo regulamentará, através de portaria, algumas matérias.
Assim, é agravado o ISV (imposto sobre veículos) em função das emissões de CO2 e revisto o limite de CO2 dos táxis em função do benefício em sede de ISV. Por outro lado, é criado um regime de incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida, concretizado na redução do ISV (para beneficiar, tem de comprar). Em média, o ISV aumenta 3%.
Por seu turno, os produtos petrolíferos e energéticos sujeitos ao respetivo imposto sofrem um acréscimo de tributação que consiste na aplicação de uma taxa de carbono, que se traduz num aumento de 1,5 cêntimos por litro. Também o Orçamento do Estado introduziu a contribuição rodoviária que agravará os preços em 25 cêntimos por litro. Estes dois itens fiscais, só por si, já aumentam os combustíveis em cerca de 4 cêntimos por litro – o que é suficiente para anular o efeito impactal da recente queda do preço do petróleo. E não se pense que estas medidas fiscais atingem unicamente os proprietários dos veículos e as empresas. Inevitavelmente, elas refletem-se também nos preços a praticar nos transportes públicos e nos preços ao consumidor. Enfim, podem atingir indiretamente toda a gente
A este respeito, a CCP, a Antram, a Anarec, o ACAP e a Antrop, tendo em conta que as aludidas medidas fiscais desmentem a tese governamental da neutralidade fiscal, pediram ao Governo, em comunicado conjunto, um adiamento da entrada em vigor da lei da fiscalidade verde, propondo um regresso à negociação e apelaram à suspensão da reforma, “até que seja acompanhada de medidas adicionais que salvaguardem o princípio da neutralidade fiscal”.
Em relação aos plásticos, é de referir que nasce uma contribuição sobre os sacos de plástico leves adquiridos pelos estabelecimentos de comércio a retalho para distribuição ao consumidor final. A taxa será de 10 cêntimos com IVA. Aqui, a APED (Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição) entende que “tributar os sacos de plástico leves levará à maior utilização de sacos pretos e verdes [do lixo], bem mais poluentes”. É a velha amizade ao ambiente!
Quanto à tributação dos plásticos leves, ela não se aplicará de imediato. Após a publicação da lei, haverá uma portaria regulamentadora da matéria, que estabelecerá um prazo de transição por 30 dias, para que os comerciantes disponham de tempo para esvaziar os stocks dos sacos que não estão abrangidos pela taxa.
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Como se vê, a prenda do povo ao Estado, não é nada consensual. E seria tão bom que o Estado a merecesse. Bastava-lhe gerir melhor e aplicar melhor os nossos dinheiros, ter força negocial com a Europa, a CPLP e o resto do mundo, reforçar o sistema educativo, o serviço nacional de saúde, a sustentabilidade da segurança social e a administração a sério da justiça. Enfim, governar sem hipocrisias e decididamente em prol do bem comum.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Família e Sagrada Família

Em plena oitava do Natal do Senhor, mais propriamente no domingo seguinte, que este ano caiu a 28 de dezembro (dia em que, o calendário litúrgico santoral da Igreja Católica costuma celebrar os Santos Inocentes, mártires às mãos de Herodes), a liturgia natalícia festeja a Sagrada Família. Se o Natal (25 de dezembro) calha ao domingo, a festa da Sagrada família celebra-se no dia 30.
É óbvio que a celebração do Natal implica a contemplação da Sagrada Família, na qual Jesus nasceu e se desenvolvia “em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). E foi esta a família, cujos pilares humanos fundamentais, Maria e José, cumpriam todos os deveres que a Lei (divina e humana) prescrevia. Desde logo, impôs-se-lhes a observância da lei do recenseamento (cf Lc 2,1-5), tendo sido por força da coincidência temporal do cumprimento dessa obrigação legal com o termo da gravidez de Maria que ocorreu o nascimento de Jesus, em Belém, que não em Nazaré, onde habitualmente residiam (cf Lc 2,6-18). Oito dias depois, veio a obrigação da circuncisão e da imposição do nome ao menino e, 40 dias mais tarde, foi a apresentação do Templo para a purificação (meramente) legal da mãe e o pagamento do resgate do primogénito, que, segundo a Lei, era pertença do templo do Senhor (cf Lc 2,21-39). E, aos doze anos de idade, levaram-no a Jerusalém em peregrinação, registando-se a perda do menino e o seu encontro discutindo com os doutores, a todos admirando com as respostas que dava e com as perguntas que fazia (cf Lc 2,41-51). De José apenas conhecemos a tribulação quando soube da gravidez da esposa e a tranquilização aquando da revelação da conceição virginal de Jesus por obra do Espírito Santo. De resto, apenas a sua intervenção de companhia protetora por ocasião do Natal, da fuga para o Egito e regresso a Nazaré, da sua profissão e da sua discrição.
Mateus, por seu turno, envolve José na missão de Cristo atribuindo-lhe a aposição do nome de Jesus ao menino, que o anjo atribuía à mãe e que corresponde ao isaítico nome Emanuel, Deus Connosco, e ao Verbo que se fez carne e habita entre nós (cf Mt 1,25; Lc 1,31; Jo 1,14). Também o evangelista lhe reconhece o papel de protetor e condutor da família, designadamente na fuga para o Egito e no regresso à Palestina e recolhimento em Nazaré (cf Mt 2,13-15.19-23).
E de Maria também pouco sabemos, embora saibamos o essencial. É a serva do Senhor e da palavra d’Ele; é a mãe do Senhor e Aquela que acreditou em tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor; deu à luz o seu filho primogénito, envolveu-o em panos e colocou-o sobre uma manjedoura (cf Lc 1,38.43.45; 2,6-7). Demais, guardava todas as coisas (o que via e ouvia) em seu coração (cf Lc 2,19.51) e, mais tarde, avisou-o em Caná, Eles não têm vinho e aos serventes do casamento, Fazei tudo aquilo que Ele vos disser (Jo 2,3.5).
É a família cumpridora, que vive a tribulação (fuga para o Egito, perda do menino), que promove o crescimento integral familiar. É a família que se nos apresenta como modelar no amor dedicado, na coesão, na assunção dos deveres e na procura do seu lugar a que tem direito em terra alheia ou em terra própria, como na intervenção em eventos sociais e em atos religiosos.
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Podem alguns pensar que Jesus Maria e José constituem uma família especial e, sendo sagrada, é uma espécie de grupo familiar que vive num mundo à parte. Nada disso é verdade, como se depreende do acima exposto (a não ser o aspeto miraculoso da conceição divinal do menino Jesus e o aparato angélico) e como a literatura e a cinematografia hodiernas o testificam. Maria era uma mulher aparentemente semelhante às outras, com vivência modesta e discreta; José ocupava-se no mister de carpinteiro, no que foi seguido por Jesus; e Jesus, afora os episódios no Templo (a profecia de Simeão, Lc 2,28-33; e a discussão doutoral, Lc 2,41-51), era um rapaz normal, que exercia o ofício de carpinteiro como o pai (assim considerado por todos): Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama sua mãe Maria…? (Mt 13,55).
O conceito de família evolui ao longo do tempo. Sem nos perdermos numa análise exaustiva, convém acertar que ela começou por constituir o clã, o grupo ligado por vínculos de parentesco (consanguinidade e afinidade) e serviços, que se regia pela batuta da matriarca (mater familias) ou do patriarca (pater familias), consoante o tipo de civilização vigente no território e no tempo. A maior parte das modalidades de expressão familiar tinha como caraterísticas essenciais a mútua proteção e a segurança. À sua constituição era inerente a unidade de culto e os liames espirituais, sendo a sua formação determinada pela necessidade de subsistência e de afirmação social – vertentes basilares que regulavam as uniões e o número de filhos.
Na Grécia e na Roma antigas, predominavam as microrreligiões, tendo a família, portanto, próprio culto, justiça, costumes e tradições. O culto adotado era da escolha do chefe da família, denominado pater. Não fazia, pois, sentido falar-se em liberdade de culto como a conhecemos hoje, notando-se uma nítida sujeição dos membros do clã às ordens do pater.
O casamento romano, de base nitidamente consensual, fundava-se em acordo, que se devia renovar e permanecer, extinguindo-se quando cessasse o acordo. Apesar de o casamento ter uma base consensual, cabe sublinhar que este caráter não era absoluto, tanto que não se permitia a união de patrícios e plebeus através do casamento. Em caso de coabitação sem a affectio maritalis, o par patrício/plebeu ligava-se pela união de facto. Sem esta valoração institucional da relação, não era possível falar-se em casamento. Para os romanos, o que diferenciava o casamento da mera posse era a affectio maritalis, de que depois resultava a affectio para com a prole, de que é exemplo a afeição manifestada por Marco Túlio Cícero pela esposa e pelos filhos e filhas nas cartas. Assim, não obstante a afeição ter um cunho marcadamente subjetivo, ela assumia institucionalmente uma índole objetiva face à imposição impeditiva de mistura de castas. Graças a tal orientação, a família vincula-se à ideia da contração das núpcias justas.
Em Roma, o casamento era essencialmente monogâmico, sendo definido como a união entre homem e mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida íntima e duradoura, de que naturalmente resultaria a prole. No plano jurídico, era um estado de facto que não surgia, como atualmente, da inicial troca recíproca de consentimento, mas da permanência da união baseada na intenção de ser marido e mulher e na convivência conjugal. A mulher era inevitavelmente colocada à disposição do marido, sendo o ingresso da mulher em cortejo público na casa de seu marido a melhor prova de tal disponibilidade. A própria linguagem do matrimónio o atesta. Quando a literatura referencia o matrimónio pelo lado do homem, a expressão é Marius duxit Tertiam in matrimonium: Mário conduziu Tércia ao matrimónio (lugar e estado em que ela será “mãe”). Saliente-se a ótica ativa do varão, que também se exprime na expressão ducere domum uxorem, levá-la como esposa para casa. Porém, quando se fala do mesmo ato na perspetiva feminil, diz-se: Tertia nupsit Mario: Tércia casou com Mário. Salienta-se a postura passiva da mulher. O verbo nubere é da família de nubes (nuvem – que esconde, cobre, envolve…). Portanto, Tércia envolveu-se, escondeu-se, cobriu-se para Mário (ela ia com um véu no rosto, que ele destapava quando ela entrava em casa, como se faz hoje à lápide nas inaugurações).
A família romana era constituída por dois estratos: o núcleo, a gens (o que hoje designaríamos por família efetiva, constituída por consanguíneos e afins), de que só faziam parte os cidadãos, as pessoas livres (e libertos); e o conjunto das pessoas livres e os servos e servas. Era a família o conjunto das pessoas sobre quem o chefe detinha autoridade. Note-se que a palavra familia (que também se define como comunidade de serviço) é cognata de famulus e famula: servo e serva.
Mesmo assim, a evolução histórica de família apontou no sentido da emergência de novos modos de formação da família, dando espaço até ao concubinato. O concubinato consistia, em Roma, na convivência more uxorio, não incestuosa nem adulterina, de homem e mulher não unidos pelo matrimónio. Era reconhecido pelas leis, desde que as partes não fossem casadas e não estivessem envolvidas noutros concubinatos. No período clássico, não produzia efeitos jurídicos, a não ser nalgumas doações à concubina e na legitimação dos filhos naturais, já no direito de Justiniano – concessões do direito romano, que embora dissipadas com o tempo, fizeram com que o concubinato recebesse tratamento mais dignificante, deixando de ficar conexo com a devassidão e a prostituição. Porém, no Baixo Império, torna-se casamento inferior, embora lícito. E, com os imperadores cristãos passa a receber reconhecimento jurídico.
No cristianismo estabelecido nos últimos séculos do império romano do ocidente, o direito eclesiástico começa a fortalecer-se, influenciando o direito de família. Ainda assim, o direito primevo não desconhecia totalmente o concubinato como instituição legal, tendo o Concílio de Toledo, realizado no ano 400, assumido o concubinato de caráter perpétuo, que se transformou em sacramento matrimonial, após a sujeição ao respetivo ritual. Na Idade Média, o conceito de família sofre a influência e determinação da Igreja. O culto familiar desloca-se para as igrejas e capelas, deixando o pater de ser o seu sacerdote. A família perde parte das suas funções e o culto oficial não é mais celebrado pelo patriarca, como dantes. A Igreja impôs a forma pública de celebração do matrimónio como sacramento e converteu a família em célula-mãe da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina. Ademais, cresce a ideia de que a família deve garantir o amparo aos membros doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento, ideia que hoje se confunde com o dever da provisão de alimentos. Por outro lado, a assistência implicava também o dever familiar de ajuda moral e psicológica aos seus membros.
Entretanto, as vicissitudes da modernidade e da contemporaneidade (guerras, revolução industrial, revolução francesa, movimentos emancipatórios, fenómeno divorcista, laicização dos Estados com a consequente separação das Igrejas dos Estados) proporcionam uma variedade de composição familiar cada vez mais acentuada e sujeita a destabilização diversificada (duração efémera, destruturada, monoparental, monossexual, tradicional…). Não obstante, todos estarão de acordo no atinente às responsabilidades e aos direitos da família, bem como ao dever do Estado e da Sociedade em a proteger e apoiar. Assim, cabe à família – célula-base da sociedade – o papel de promover o sustento, o bem-estar e a segurança dos seus membros, bem como a educação mais elementar dos filhos. Resulta deste dever/direito tanto a obrigação do Estado e da Sociedade de, através do estabelecimento e cumprimento de políticas de apoio, facilitar a assunção das responsabilidades das famílias, como a obrigação de estas cooperarem com as entidades que as apoiam, as complementam ou acrescentam mais-valia na assunção dos seus encargos.
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Por sua vez, a Igreja sente-se na obrigação de contar com as famílias como células-base da ação pastoral (igrejas domésticas) e de lhes dedicar a atenção que elas merecem e sobretudo de que elas necessitam, tenham elas a composição e a estabilidade que a Igreja deseja e propõe, tenham elas outras configurações. Assim é que tanto o Vaticano II como os sucessivos documentos pontifícios lhes têm dado abundante espaço doutrinal e reflexivo (nem sempre no sentido mais plausível, muito menos no sentido mais do agrado de todos). É que é necessário congraçar entre si as diversas componentes da família: o ideal e o realismo; o amor efetivo e a dedicação afetiva; a fruição e o labor; a relação e o espaço próprio; a intimidade e a sociabilidade; a realização familiar e o desígnio pessoal; o serviço à família e o compromisso profissional. A este respeito, a Igreja Católica tem entre mãos iniciativas de suma importância; a assembleia extraordinária do sínodo dos bispos, que decorreu em outubro passado, assembleia sinodal de outubro de 2015 e o Encontro Mundial das Famílias na cidade de Filadélfia, nos Estados Unidos, também em 2015.
No passado dia 28, antes da recitação do Angelus com a multidão reunida na Praça de São Pedro o Papa referiu-se às famílias, que entregou ao patrocínio da Sagrada Família, que “nos encoraja a oferecer calor humano”. E salienta o facto de Jesus ser o ponto de encontro intergeracional, a dimensão da fé familiar centrada em Cristo e os nossos deveres de solidariedade.
Sobre a família de Nazaré, Francisco sublinha que, de acordo com o Evangelho de Lucas, Maria e José, 40 dias após o nascimento de Jesus, foram ao templo de Jerusalém, por obediência à Lei de Moisés, que prescreve a oferta do primogénito ao Senhor (cf Lc 2,22-24). No meio de tantos, esta pequena família, nos grandes átrios do templo, não chama a atenção, mas não passa despercebida: “dois anciãos, Simeão e Ana, movidos pelo Espírito Santo, aproximam-se e louvam a Deus pelo Menino, em quem reconhecem o Messias, luz das nações e salvação de Israel” (cf. Lc 2,22-38). É o profético “encontro entre dois jovens esposos, cheios de alegria e de fé pelas graças do Senhor, e dois anciãos, também eles cheios de alegria e de fé pela ação do Espírito”. É Jesus quem os reúne. “Jesus é Aquele que aproxima as gerações”. É a fonte do amor que une as famílias e as pessoas, vencendo toda a desconfiança, isolamento e distância.
Depois, a mensagem da Sagrada Família é mensagem de fé. Na vida familiar de Maria e José, Deus é o centro e é-o na pessoa de Jesus. A Sagrada Família de Nazaré é santa, porque está centrada em Jesus. Quando a família respira essa atmosfera de fé, possui uma energia que lhe permite “enfrentar as provas difíceis que lhe surgem, como mostra a experiência da Sagrada Família, por exemplo, no acontecimento da dramática fuga para o Egito” – provação muito dura.
O Menino com Maria e José são um ícone familiar simples, mas muito luminoso, numa “luz de misericórdia e de salvação para o mundo todo, luz de verdade para todo homem, para a família humana e para cada família”.

Finalmente, o Pontífice apelou a que a solidariedade não falhe nem diminua, sobretudo com a família que esteja a passar por situações muito difíceis por causa das doenças, da falta de trabalho, das discriminações, da necessidade de emigrar, ou das dificuldades de entendimento e até mesmo da desunião. E confiou “a Maria, Rainha e Mãe da família, todas as famílias do mundo, para que possam viver na fé, na harmonia, no apoio mútuo” – invocando “sobre elas a proteção maternal daquela que foi mãe e filha do seu Filho”. 

domingo, 28 de dezembro de 2014

A festa do apóstolo que Jesus amava

Passa, a 27 de dezembro, a festa de São João, apóstolo e evangelista. Um dos doze apóstolos, era o mais jovem deles, mas pescador como a maior parte deles. Em consonância com o significado hebraico do nome João “graça de Deus”, o apóstolo dá testemunho na sua ação e escritos dessa mesma graça divina que se revela em bondade, amor, gratuitidade, salvação e vida em abundância.
Tendo nascido pelo ano 6 da nossa era, foi convidado, aos vinte anos de idade, juntamente com seu irmão Tiago, conhecido por “o maior”, a acompanhar Jesus (logo a seguir aos irmãos Pedro e André) nas suas deambulações e pregação e, depois, a continuar a sua tarefa missionária, santificadora e pastoral.
É considerado o autor do quarto e último dos evangelhos canónicos, pertencente ao Novo Testamento, o “Evangelho segundo São João”. O seu evangelho difere dos outros três, os chamados sinóticos ou semelhantes (que podem ser analisados em conjunto ou em paralelo), pois a sua narrativa enfoca mais o aspeto espiritual de Jesus, ou seja, a vida e a obra do Mestre com base no mistério da encarnação, que leva coerentemente ao mistério da Redenção.
Escreveu a primeira, a segunda e a terceira Epístola de João, que especificam um conjunto de recomendações práticas com apoio na doutrina sobre o Verbo da Vida. Com o cognome de o “discípulo amado” de Jesus ou o “discípulo que Jesus amava”, foi o único apóstolo que acompanhou Cristo até à sua morte no Calvário. Lá, segundo o Evangelho de João, Jesus, antes de morrer, confiou Maria aos seus cuidados, um dos misteres mais significativos da confiança do Mestre no “apóstolo virgem”.
João Evangelista nasceu em Betsaida, na Galileia. Filho do rico pescador Zebedeu (cf Mc 1,20; Mt 4,18-22; Lc 5,9-10) e de Maria Salomé, uma das mulheres que auxiliaram os discípulos de Jesus e que mais tarde viria a consagrar-se ao serviço do Mestre e de seus continuadores (cf Mc 16,1; At 1,14). Como o seu irmão Tiago foi educado na seita dos zelotes. Tornado discípulo de João Batista, por este seria encaminhado para Jesus (cf Jo 1,35-36) vindo a ser, bem depressa, um dos membros mais ativos do colégio apostólico.
João, Tiago e Pedro e, às vezes, André, foram os privilegiados que participaram do círculo mais íntimo de Jesus. Presenciaram a ressurreição da filha de Jairo e a angústia de Jesus no Jardim das Oliveiras. João e Tiago foram os únicos apóstolos que, tendo solicitado um lugar à direita e outro à esquerda de Cristo, dele receberam a declaração explícita de que beberiam do cálice que Ele ia beber, mas o sentar-se à sua direita ou à sua esquerda, isso competia ao Pai determiná-lo. (Mc 10,35-45). Com Pedro e Tiago, presenciou a transfiguração do Senhor no Tabor (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36). João foi o primeiro a chegar ao sepulcro de Cristo, mas, por deferência para com Pedro, quis que fosse ele a verificar a realidade do túmulo vazio, a primeira pista da Ressurreição. Consciente como estava de que a Pedro, como chefe designado da Igreja pelo seu Fundador, é que competia, em primeira mão, tão importante missão de testemunha do Cristo Redivivo (cf Jo 20,2-8).
Ribeirinho do lago de Tiberíades, apesar de partilhar com o irmão o título de Boanerges (filho do trovão), graças à sua fogosidade juvenil (cf Mc 3, 16-17; Lc 9,53-55), foi um pescador robusto e vigoroso, moço equilibrado e sereno, que soube respeitosamente manter-se em segundo lugar, quando acompanhava Pedro; malgrado a iconografia o representar, por vezes, com um rosto levemente efeminado, foi o homem varonil a quem Jesus confiou vitaliciamente como herança a sua própria mãe (cf Jo 19,27); é o teólogo de altos voos que, sem desligar da terra, sabe elevar-se a tais cumes de elaboração teológica (entra na profundidade do Verbo que Se fez carne, tem a visão dos grandes sinais e da profecia e evidencia a excelência do amor paternal de Deus para connosco a exigir permanente compromisso efetivo e afetivo para com o próximo) como nenhum outro dos hagiógrafos do Novo Testamento.
João Evangelista em sua peregrinação esteve fortemente ligado a Pedro nas atividades iniciais do movimento cristão eclesial, tornando-se um dos principais sustentáculos da Igreja de Jerusalém. Foi o principal apoio de Pedro no Dia de Pentecostes. E após as perseguições sofridas na capital da Judeia, transferiu-se com Pedro para a Samaria, onde desenvolveu uma intensa evangelização (cf At 8,14-25). Mudou-se para Éfeso, onde dirigiu muitas Igrejas e foi em Éfeso que escreveu o quarto Evangelho, o último dos Evangelhos Canónicos. Escreveu também as Epístolas, três cartas com mensagens sobre a vida eterna e a vida da comunhão com Deus através da fé em Cristo.
De acordo com o Livro dos Atos dos Apóstolos, o quinto livro do Novo Testamento, João acompanhou Pedro na catequese dos samaritanos, mas participou no Concílio de Jerusalém aceitando a proposta de Paulo, Barnabé e Tiago da desistência da imposição de práticas judaicas aos neófitos cristãos oriundos do paganismo.
João esteve várias vezes na prisão e foi torturado. Durante o governo do cruel imperador Domiciano, o “apóstolo do amor” foi exilado na ilha de Patmos (Ap 1), no mar Egeu, onde escreveu o Livro do Apocalipse ou Revelação, o último livro da Bíblia, em que narrou as suas visões e descreveu mistérios, predizendo as tribulações da Igreja e o seu triunfo final.
Os primeiros fragmentos do quarto Evangelho (em grego) foram encontrados em papiros no Egito, e muitos estudiosos acreditam que João tenha visitado essa região. Existem testemunhos explícitos e documentação, do século II que comprovam que o texto joânico é uniforme e o seu autor é o apóstolo virgem. Tal é o caso do Cânone de Muratori, de Ireneu e de Eusébio de Cesareia.
Aparece o evangelista representado por Michelangelo na cúpula da Basílica São Pedro, em Roma, por Pacino de Buonaguida, em Florença, por Hans Memling, em Bruges, por Giacomo Jaquerio, na abadia de Santo António de Ranverso, por Carlo Crivelli, no Monte de São Martinho, em Itália, e por Carlo Dolci, em Florença.
Morreu em 103, com a idade de 97 anos (94, segundo alguns) na cidade de Éfeso, onde foi sepultado.
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Mais do que ocuparmo-nos com as questões controversas das hipóteses lendárias que marcam a memória da sua vida ou de discutir se ele é somente o autor global dos escritos que lhe são atribuídos ou se é o seu autor até ao ínfimo detalhe, importa determo-nos no cerne da mensagem de que é portador, para lá do que já ficou dito acima.
O seu Evangelho pretende confirmar na fé em Jesus como Messias e Filho de Deus (20,30-31) os seus destinatários – na sua maioria, os cristãos vindos do paganismo (pois explica as palavras e costumes hebraicos), mas também muitos dos provenientes do judaísmo, os quais sentiam dificuldades e dúvidas acerca da condição divina de Jesus e o apego exagerado às instituições religiosas judaicas que se apresentam como ultrapassadas (1,26-27.29-30; 2,19-22; 7,37-39; 19,36). Ao contrário dos gnósticos docetas, cuja doutrina vem denunciada e rebatida na sua primeira carta, que negavam ter Jesus vindo em carne mortal (1Jo 4,2-3; 5,6-7), João sublinha o realismo da humanidade de Jesus (1,14; 6,53-54; 19,34-35). Por outro lado, o seu texto evangélico compagina um premente apelo à unidade (10,16; 11,52; 17,21-24; 19,23) e ao amor fraterno entre todos os fiéis de Cristo (13,13.15.31-35; 15,12-13) em coerência com a fé no Verbo que se fez carne e habita entre nós.
João entrega-nos a chave da compreensão do mistério teândrico da pessoa e da obra salvífica de Jesus, sobretudo através da evocação das Escrituras: “Investigai as Escrituras (...): são elas que dão testemunho a meu favor” (5,39). Conquanto seja o Evangelho com menos citações veterotestamentárias explícitas, em todo o caso, é aquele que tem mais presente o Antigo Testamento, procurando as mais diversas maneiras (sobretudo através dos discursos – alguns bem longos – às multidões dos judeus) de dele haurir toda a riqueza e profundidade de sentido em favor de Jesus, que cumpre tudo o que acerca do Messias e Filho de Deus estava anunciado por palavras, figuras e símbolos (19,28.30).
Para lá dos temas fundamentais da fé e do amor, da luz e da vida, dos sinais e da hora, o quarto Evangelho apresenta a formulação explícita do mistério da Trindade Santíssima e do mistério da Encarnação do Verbo, o Filho no seio do Pai, o Filho Unigénito, que nos torna filhos (adotivos) de Deus; a doutrina sobre a Igreja, rebanho de Cristo (10,1-18), realidade de muitos membros vitalmente unidos entre si e a Cristo como os sarmentos e a videira (15,1-17), que surge nascendo do lado aberto de Cristo na cruz (19,34-35) e estabelecida sobre Pedro, que protesta o seu amor a Cristo (21,15-17); a doutrina sobre os Sacramentos (3,1-8; 6,51-59; 20,22-23); e o papel de Maria, a “mulher”, nova Eva, Mãe da nova humanidade resgatada (2,1-5; 19,25-27 – de Caná ao Calvário).
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O Novo Testamento inclui três cartas católicas (dirigidas a toda a Igreja) atribuídas a João. A 1.ª sempre foi aceite como escrito inspirado; as dúvidas de autenticidade incidem na 2.ª e na 3.ª (que não são nominalmente dirigidas a toda a Igreja, mas apenas ad sensum), certamente por serem menos conhecidas e utilizadas, dado o seu menor interesse e importância. No entanto, já aparecem no Cânon de Muratori (pelo ano 180).
A 1.ª Carta, escrita para reavivar a fé em Cristo e incentivar o amor aos irmãos, surge como aviso perante a ameaça de erros graves, apresentando fórmulas claras e confissões obrigatórias da fé, como garantia da fé genuína e sinal da ortodoxia (4,1-3). Parece enfrentar os gnósticos, que afirmavam ter um conhecimento direto de Deus e negavam tanto a vinda de Deus “em carne mortal” (4,2) como a identidade entre o Cristo-Deus e o Jesus-homem (2,22) – duas pessoas em Cristo (?). Para eles, o Jesus terreno era mero instrumento de que o Cristo celeste se servira para transmitir a sua mensagem, descendo a Ele por ocasião do Batismo e abandonando-o por ocasião da Paixão; e assim negavam a Encarnação e a morte do Filho de Deus e o seu valor redentor. Daí o ensino categórico de João: o Filho de Deus, “Jesus Cristo, é aquele que veio com água e com sangue; e não só com a água, mas com a água e com o sangue” (5,6); isto é, Deus não abandonou o homem Jesus antes da sua Paixão e Morte.
A força da carta emerge logo do prólogo em que o autor afirma o seu testemunho e o dos outros apóstolos: “o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida…” (1,1). Insiste na filiação divina fruto do amor do Pai (3,1ss) e exige a afetividade e a efetividade do amor ao próximo: “Se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele? Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade.” (3,17-18).
A 2.ª Carta é um bilhete dirigido à “Senhora eleita” e a seus filhos (v.1), designação simbólica de uma igreja da Ásia Menor, com designativo similar de uma outra Igreja irmã: Saúdam-te os filhos da tua Irmã eleita” (v.13). O seu escopo é incitar os fiéis à vida cristã e à caridade (“não como quem escreve um mandamento novo, mas aquele que temos desde o princípio”, v 5) e defendê-los da heresia.
A 3.ª Carta é dirigida a Gaio (v.1), um cristão que João anima a continuar a receber em sua casa, como colaborador da causa da verdade, os enviados do apóstolo, que eram mal recebidos, criticados e perseguidos pelo chefe da comunidade local, um tal Diótrefes.
Por fim, o Apocalipse exprime a fé da Igreja do tempo dos discípulos dos Apóstolos (a segunda geração cristã). A doutrina do Corpo Místico (Jo 15,1-8; 1 Cor 12,12-27) assume aqui uma dimensão escatológica: Cristo está no meio dos sete candelabros (1,13) e tem à mão direita as sete estrelas (1,16) – símbolos das sete igrejas, alegoria de toda a Igreja universal; Ele é apresentado no mesmo plano que Javé e com os mesmos atributos: é o Senhor dos senhores e Rei dos reis (17,14; 19,16), Aquele que tem um nome que ninguém conhece (2,17; vd 1,8.18; 2,27; 3,12; 14,1; 15,4; 19,16).
Apesar da conspiração das forças conjugadas de todos os senhores deste mundo, Deus é o único Senhor da História. Por isso, acontecimentos veterotestamentários, como o êxodo, as pragas do Egito, as teofanias, as destruições... servem de pano de fundo a novas intervenções de Deus na História do presente. Nesta nova fase da História, a Igreja aparece como espaço litúrgico onde o Cordeiro está em presença permanente, fazendo da comunidade “o céu” na terra, o que não impede que as forças do Mal estejam em luta constante com ela e com o Cordeiro (2,3.9.10.13; 3,10; 6,9-11; 7,14).
Por isso, o Apocalipse não visa predizer pormenores sobre o futuro da Igreja e da Humanidade, mas, através da sua simbologia típica, conferir a confiança certa e absoluta na bondade de Deus, que Se manifestou em Cristo. E não “fecha” a Bíblia; mas abre diante do crente um caminho de esperança sem fim: “Eu renovo todas as coisas” (21,5) “Eu venho em breve (...). Vem, Senhor Jesus!” (22,7.20).
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Mais do que descansarmos na afirmação de que a revelação oficial terminou com a morte do último apóstolo, talvez seja melhor assumir aqui e agora a vitalidade da revelação, trilhando os caminhos que ela abre e tirando as conclusões práticas das suas exigências. Se Cristo está vivo, há o que O ter como vivo e operante.