Os submarinos adquiridos pelo
nosso país à Alemanha fizeram correr muita tinta, não tanto pelo negócio em si,
mas sobretudo por motivos ligados o que foi designado por “contrapartidas”.
As questões ligadas às
contrapartidas geraram processos judiciais na Alemanha, de que resultaram
condenações, o que em Portugal não acontece, muito embora o nome de alguns
atores públicos tenha ficado chamuscado na praça pública, os quais parecem
resistir aos sucessivos apelos a que a investigação e a Justiça funcionem
adrede. A perceção que o cidadão comum tem dos processos judiciários é que
efetivamente nem todos são efetivamente iguais e, segundo diversas vozes, até o
complexo dos operadores da Justiça não fica imune ao agendamento político e ao
espetáculo.
***
Porém, sobre o negócio dos
submarinos a massa crítica também beliscou o arco da governança pela
superfluidade da aquisição de submarinos por uma de duas razões, consoante o
posicionamento face à necessidade e utilidade das forças armadas ou face a
redução do país às suas dimensões europeias, quer a nível continental quer a
nível insular.
Quanto à necessidade e utilidade
das forças armadas, é preciso clarificar que ela decorre da noção de Estado e
das exigências que o ser Estado comporta, como se até 1415 o reino de Portugal
não houvesse travado batalhas e desenvolvido guerras e algumas bem duras.
Se o Estado se define como
comunidade com sólida e coesa organização interna e com uma postura decente
perante as comunidades congéneres, se é formado por pessoas em que se
distinguem os governados dos governantes e se ocupa um território – é óbvio que
tem de cuidar da segurança interna, da ordem pública e da investigação
criminal, dando azo a que a justiça possa funcionar. Mas também é natural que o
Estado esteja organizado de modo a preservar a imunidade das pessoas e do
território contra o eventual agressor externo ou contra as adversidades
resultantes de catástrofes naturais ou provocadas (está neste segundo caso a
praga incendiária e mo terrorismo) e participar nas ações desenvolvidas pelas
organizações internacionais que integre. E, embora a paz deva ser objeto de
educação na família, na escola, nas Igrejas, nos grupos, associações, clubes,
sociedades e empresas, não deixa de ser pertinente o aforismo romano, si vis pacem para bellum (se queres a
paz, prepara a guerra). E a melhor forma de se preparar para a guerra será a
organização da defesa e a pugnação pela segurança e pelo desenvolvimento
sustentável, integral e harmonioso. Se os homens se devem armar com a cabeça e
o coração (como propunha o general Pinto Ferreira, comandante geral da GNR em
março de 1975) nem por isso é sensato alinhar por pacifismos utópicos.
É certo que a defesa não se
circunscreve à componente militar (têm enorme importância as componentes
educativa, industrial, comunicacional, ocupacional, etc.), mas aquela não deixa
de ser uma componente fundamental. Pequeno ou grande, o Estado tem de cuidar da
sua defesa e da segurança das pessoas e dos bens, a menos que se estribe na sua
índole simbólica e de autoridade moral consensualmente reconhecidas (caso da
Santa Sé) ou na sua exiguidade voluntariamente assumida e simpaticamente aceite
(por exemplo, os principados do Mónaco, de Andorra e de Liechtenstein). Depois, se o Estado tem uma
côngrua atividade diplomática, terá eventualmente de saber disponibilizar os
seus meios de defesa para a prestação solidária com outros Estados e no
cumprimento da política de alianças.
Também é por todos reconhecida a
necessidade de colocar as forças armadas, a nível multinacional, a colaborar em
ações humanitárias e da promoção e manutenção da paz.
Com o fim da guerra colonial e a
descolonização que se lhe seguiu, o povo que apoiou, elogiou as nossas forcas
armadas que deram azo à era democrática – talvez pelo excesso de oficiais e
sargentos que sobreviveram na instituição militar a seguir ao fim do Império ou
pelos excessos revolucionários de alguns – deixou aninhar um certo desdém pelas
forças armadas, invocando a sua não necessidade e não utilidade pelo facto de o
país ser de diminuta dimensão e por não haver necessidade de aguentar uma
forças armadas maximalistas em tempo de paz. E o poder político de um país
pequeno preparou a opinião pública para o efeito e, a seu tempo, decretou a
extinção do serviço militar obrigatório, ficando a “defesa militar” entregue a
voluntários – e mesmo alguns quartéis passaram a ser guardados por seguranças
civis. E as forças armadas, que regressaram a quartéis em 1982, acabaram por
ser reduzidas à sua expressão mais simples e o desinvestimento nelas tornou-se
pouco mais que residual. O próprio político que hoje se intitula
constitucionalmente de comandante supremo das forças armadas, quando ocupava o
cargo de chefe do governo fez aprovar a chamada lei dos coronéis, que
incentivou a passagem à reforma de muitos dos oficiais superiores. Apesar do
veto político que o então Presidente Mário Soares lançou sobre ela, a lei foi
confirmada no Parlamento e Mário Soares teve de a promulgar. Como alguns se
recordam, alguns militares na reforma formam reconvidados a trabalhar nos
serviços do Ministério da Defesa Nacional porque os civis lá colocados não davam
conta do recado, já que o número dos reformados militares foi maior do que
aquele que era expectável.
***
Ora bem: com a entrada na CEE,
ora União Europeia, a fronteira marítima portuguesa representa uma das mais consideráveis
fronteiras da União, o que implica um esforço comum de defesa do território
europeu, por este lado, para lá da defesa do território nacional. Por outro
lado, Portugal integra a NATO, a qual precisa de ter no país dispositivo
bastante de defesa e segurança; e faz parte integrante da ONU, pelo que deve
encarregar-se das missões que o executivo da organização lhe confiar. Mas
Portugal, por motivos históricos e por razões de afeto lusófono, é o país que
diz querer ajudar, ao menos em termos de formação, os países de expressão
portuguesa em África e na Ásia (Timor-Leste). E ainda, segundo Brandão
Ferreira, tenente-coronel piloto-aviador (vd O Diabo de hoje, dia 16),
temos o projeto de alargamento da Plataforma Continental Portuguesa, que, “a
ser decidido favoravelmente pela ONU, constituiria o ganho geopolítico mais
significativo desde 1543, pico da expansão portuguesa com a nossa chegada ao
Japão”.
Enquanto o referido militar
alerta para o facto de a decisão em favor de Portugal não ser o jogo de favas
contadas, pelo que o seu texto constitui uma forte interpelação ao Ministro da
Defesa Nacional, o programa “Prós e Contras” da RTP1, de ontem, dava o alargamento
da Plataforma Continental Portuguesa como um dado adquirido. Até se considerava
a Região Autónoma dos Açores, que de região de fronteira de Portugal e da União
Europeia (o cabo da Roca não será mais o ponto mais ocidental
da Europa, mas apenas o ponto mais ocidental da Europa Continental, porque a
zona mais ocidental da Europa é a ilha mais ocidental do arquipélago dos Açores) passará a ter uma centralidade
atlântica, vindo a abandonar a sua tão propalada condição periférica.
***
Há uns anos a esta parte, eu
pensava que o facto de Portugal ter uma fronteira marítima extensa tornava imperioso
cuidar racionalmente da sua defesa e segurança (aliás, distinguir em demasia defesa
e segurança não é bom augúrio de cura das pessoas e do território). Se calhar,
adquirir submarinos, caça bombardeiros, patrulhadores oceânicos e outros meios
de vigilância e defesa das águas territoriais portuguesas e do luso continente
será mesmo necessário. E, em vez de se fazer uma oposição à aquisição de meios
de defesa e segurança, deveria pensar-se antes na forma de promover, manter e
reforçar a suficiência de meios.
Mas eu também pensava – e
continuo a pensar – que, provavelmente, dado que Portugal integra a UE e a NATO,
assim como lhe são confiadas missões humanitárias e de promoção e manutenção
paz, deveríamos motivar os outros países membros das organizações que o país integra
a contribuir com os meios adequados para a defesa e segurança do território que
a História nos confiou. Se integramos a UE e a NATO, estas deveriam, por sua
vez, contribuir para a consecução de meios de defesa e segurança, também daqui
deste lado do Atlântico. E o país, em vez de mandar emigrar os portugueses para
qualquer lado, deveria promover a ocupação do território terrestre e marítimo
por portugueses e por parceiros de outros países que possam cooperar na
segurança do Velho Continente do lado ocidental e do Atlântico cujo centro
norte parece ser o arquipélago dos Açores em ligação com as Canárias e Cabo
Verde. Não se defende o país esvaziando-o de pessoas e outros recursos. Tive o ensejo
de bradar publicamente, em 28 de novembro de 1993 em terras do Interior,
perante o então Secretário de Estado da Defesa Nacional, que “território que
não tenha pessoas nem está defendido nem em segurança”. Mais afirmei que as pessoas
para proverem à defesa e segurança do território que ocupam devem ter uma formação
sólida; e essa formação começa na escola.
E, se a diplomacia portuguesa
conseguir lograr que a vizinha Espanha, parceira histórica de Portugal na
partilha do mundo, modere as suas tentações hegemónicas nesta área regional, o
homem português terá de assumir o protagonismo que a geografia e a
geoestratégia lhe impõem.
E, se o discurso miserabilista
der lugar à efetiva concretização do desígnio de universalidade que o português
herdou dos seus egrégios avós para poder desempenhar o seu papel construtivo
neste erário cosmo-geográfico ao serviço do homem e da paz rumo a um futuro de progresso,
paz, coesão e solidariedade?!
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