Depois que a reforma do
calendário litúrgico a retirou do catálogo universal das celebrações da Igreja
Católica Latina, a festividade de São Nicolau fica reservada para a memória
celebrativa ad libitum das comunidades
que o têm como padroeiro, quer se trate de países quer se trate de paróquias,
igrejas e outras instituições e comunidades. Todavia, continua o santo, de
finais do século III e primeira metade do século IV, umbilicalmente ligado à
quadra natalícia, sobretudo no que ela representa de ternura, partilha e
solidariedade.
Promove ondas significativas de encanto,
partilha, solidariedade e festa especialmente através da sua versão secular (ou
laica) da cativante figura do Pai Natal, que hoje poucos ligam à figura de São
Nicolau, mormente aqueles e aquelas que encaram as prendas natalícias como um
objeto mercantilista e consumista ou uma forma de obrigação social e familiar.
Ora, se as prendas constituírem
um meio e reforço da relação familiar e das relações de amizade não interesseira
e, sobretudo, se contribuírem para a realização da justiça distributiva e
social em favor dos mais carenciados, esquecidos, marginalizados e abandonados,
fazendo jus à plena manifestação da caridade de Cristo, então estamos no rumo
natalino e, por isso, na rota de São Nicolau, de modo que, em torno do presépio,
todos tenham vez e voz.
A sincatábase divina (a vinda complacente e pressurosa de Deus à
Terra) incarnada na figura de Jesus Cristo não terá outro sentido que não seja,
pela força anímica do Espírito Santo, a construção da fraternidade genuína,
colocando os homens desavindos e dispersos no caminho da unidade em Cristo, que
levará inevitavelmente a Deus, Pai de toda a consolação e fonte do amor e da
vida.
***
São Nicolau de
Myra (região de Lícia, na Turquia), apelidado de taumaturgo físico
e espiritual, também conhecido como São Nicolau de Bari, é o padroeiro da Rússia, Grécia e
Noruega. É o patrono dos guardas noturnos na Arménia e dos coroinhas na cidade de Bari, na Itália,
onde estarão guardados os seus restos. É, ainda, considerado padroeiro dos
estudantes, barqueiros, pescadores, descarregadores de lenha, marítimos,
tanoeiros, cervejeiros, viajantes e peregrinos. Invoca-o, ainda, quem perde
injustamente uma causa e quem se queixa contra os ladrões.
O culto de São Nicolau está radicado nos
países da Europa Central, conhecendo-se também em Guimarães (Portugal) um
significativo sinal da sua implantação na Península Ibérica.
Assim, é que, em Portugal, é padroeiro
das paróquias de: Pinela e Salsas (do concelho de Bragança); Cabeceiras de
Basto (do concelho de Cabeceiras de Basto); Amendoeira e Cortiços (do concelho
de Macedo de Cavaleiros); São Nicolau (do concelho de Marco de Canaveses); São
Nicolau (do concelho de Mesão Frio); Saldanha (do concelho de Mogadouro);
Matela (do concelho de Penalva do Castelo); Sete Cidades (do concelho de Ponta
Delgada); São Nicolau (do concelho do Porto); Pena Lobo (do concelho de Sabugal);
Santa Maria da Feira (do concelho de Santa Maria da Feira); São Nicolau (do
concelho de Santarém); Carrazedo de Montenegro, Lebução e Vales (do concelho de
Valpaços); Mazarefes (do concelho de Viana do Castelo); e Candedo (do concelho
de Vinhais). É ainda padroeiro da paróquia de São Nicolau (do concelho de
Lisboa), em parceria com São Julião.
É comummente aceite que São Nicolau,
bispo de Myra, é proveniente de Patara (cidade portuária muito movimentada), na Ásia Menor (Turquia), onde teria nascido, de
pais muito abastados, na segunda metade do século III (provavelmente a 15 de
março de 270) e falecido no dia 6 de dezembro de 342, em Myra, também da
Turquia.
Quando
os pais de Nicolau morreram, o tio aconselhou-o a viajar até à Terra Santa.
Durante a viagem, deu-se uma violenta tempestade que acalmou logo que Nicolau
começou a rezar (foi por isso que se terá tornado também o padroeiro dos
marinheiros e dos mercadores). Ao voltar daquela viagem, optou por ir morar para
Myra (sudoeste da Ásia menor) e doar todos os seus bens, vivendo na situação de
absoluta pobreza voluntária.
Quando
o bispo de Myra da altura morreu, os anciãos da cidade não sabiam quem eleger
como seu sucessor, pelo que remeteram a decisão para a vontade de Deus. Na
noite seguinte, o ancião mais velho sonhara com Deus a determinar que o
primeiro homem a entrar na igreja no dia seguinte seria o novo bispo de Myra. Ora,
Nicolau costumava levantar-se cedo para ir rezar ao templo. Foi então assim
que, sendo o primeiro homem a entrar na igreja no referido dia, se tornou bispo
de Myra.
Sob o império de Diocleciano,
Nicolau foi encarcerado por se recusar a negar a fé em Jesus Cristo. Com a
subida ao poder de Constantino I, Nicolau volta a enfrentar oposição, mas, desta
vez da própria Igreja. Conta mesmo que num debate com outros líderes
eclesiásticos, Nicolau se levantara e esbofeteara um dos antagonistas, o que o
impedira de permanecer como um líder eclesiástico. O bispo de Myra, porém, não
se dá por vencido e permanece atuante, prestando auxílio a crianças e outros
necessitados.
Foram-lhe mesmo atribuídos vários milagres, facto de que proveio a sua
popularidade em toda a Europa e a sua designação como protetor dos marinheiros
e comerciantes, santo casamenteiro e, principalmente, amigo das crianças. Temos
dele um grande número de relatos e histórias, sendo, no entanto, difícil
distinguir as autênticas das abundantes lendas que germinaram sobre em torno deste
santo muito popular, cuja imagem foi um tanto tardiamente relacionada com o
Natal e transformada no seu ícone na figura veneranda do “Pai Natal”, um
velhinho corado de barba branca, trazendo nas costas um saco cheio de
presentes. Inclusivamente ainda é referido como Santa Claus ou St. Nicholas na maior
parte dos países da anglofonia.
Tido como acolhedor para com os pobres e
principalmente para com as crianças carentes, é o primeiro santo da Igreja de
que há memória a preocupar-se sistematicamente com a educação e a moral tanto
das crianças como das suas mães.
Algumas Igrejas Ortodoxas, como a Igreja
Ortodoxa Russa, honram-no com a celebração litúrgica do último domingo do
ano no calendário juliano. Os cristãos católicos e ortodoxos dos ritos copta e
bizantino dão-lhe peculiar relevo e a celebração da sua vida e ação pastoral
tem grande destaque. O calendário romano e o bizantino celebram o seu dia a 6
de dezembro. A sua devoção difundiu-se na Europa quando as suas relíquias, alegadamente
roubadas de Myra por 62 soldados de Bari, e trazidas a salvo subtraídas aos
invasores turcos, foram colocadas com grandes honras na catedral de Bari a 9 de
maio de 1087. As relíquias eram precedidas pela fama do suposto taumaturgo e
pelas cromáticas lendas que circundavam a sua personalidade.
Conta-se que terá conseguido converter
hereges salteadores que, ao saquearem a sua igreja, lá encontraram hóstias
consagradas e, ao tocá-las, elas viraram a pão comum. Da mais famosa destas
lendas consta que uma família de um comerciante falido, portanto, agora muito pobre, não tinha como custear o
“dote” para casar as suas três filhas. O pai, desesperado, estava tentado a entregá-las
à prostituição. Nicolau, ao ter conhecimento dessa realidade, passou junto da casa
do comerciante e lançou um saco de ouro e prata pela janela aberta, que caiu
junto da lareira, perto de umas meias que estavam a secar. Assim, o comerciante
pôde preparar o enxoval da filha mais velha e dá-la em casamento. Nicolau coisa
similar para com as outras duas filhas do comerciante, à medida que estas
atingiam a maturidade.
É também atribuído a São Nicolau o dom
de ter ressuscitado algumas crianças na sua região (Myra), hoje a localidade de
Demre, na Turquia. Muitas são as histórias sobre supostas aparições suas, sendo
a mais famosa a do Natal de 1583, na vizinha Espanha, quando, atendendo as
orações de umas senhoras, teria provido a que nenhum pobre deixasse de receber
o seu pão bento. Os pobres, ao ser-lhes perguntado quem lhes teria dado
alimento em meio de um “tão rigoroso e pesado inverno”, terão respondido que
foram socorridos por “um senhor de feições muito serenas e mãos firmes”.
São estas lendas religiosas e a sua
iconização como Pai Natal que o tornaram muito conhecido, mas são também a
razão de não termos uma visão clara sobre a vida do mesmo.
***
São Nicolau é igualmente padroeiro dos
estudantes. E é nessa condição que é cultuado sobretudo em Guimarães. Pelo
menos desde 1664 (ano da construção da Capela de São Nicolau) que existe
memória da realização das festas em sua honra, pelos estudantes daquela cidade,
também chamados “nicolinos” – estudantes que pouco mais tarde, em 1691,
constituíram a Irmandade de São Nicolau, tendo sido aprovados os seus estatutos
naquele ano.
Em honra de São Nicolau, padroeiro dos
estudantes, realizam-se em Guimarães as Festas Nicolinas, uma das mais antigas
celebrações académicas do Mundo, que têm habitualmente início no dia 29 de novembro
e têm como seu dia mais importante, precisamente o dia 6 de dezembro (dia tradicionalmente
dedicado a São Nicolau, por ser o dia do seu falecimento), em que se realizam “As
Maçãzinhas”, número nicolino claramente inspirado na lenda de São Nicolau que
salvou as filhas do mencionado comerciante.
***
O
imaginário popular considera, hoje em dia, o Pai Natal (figura laica e
ecuménica de São Nicolau) como o homem velhinho e simpático, de aspeto anafado,
barba branca e vestido de vermelho, que, vindo do Norte gelado, conduz um trenó
puxado por renas, carregado de prendas, e que voa, através dos céus, na véspera
de Natal, para distribuir as prendinhas de natal. O Pai Natal passa pela casa
de cada uma das crianças bem comportadas (sobretudo das que lhe tiverem escrito
a respetiva carta), entrando pela chaminé e depositando os presentes nas
árvores de Natal ou nas meias ou sapatinhos pendurados na chaminé da lareira.
Este imaginário teve origem num poema intitulado “Um relato da visita de São Nicolau”, de Clement Clark More, ministro
episcopaliano, que o escreveu para as suas filhas e que foi publicado pela
senhora Harriet Butler, que tomou conhecimento do poema através dos filhos de
More e o levou ao editor do Jornal Troy Sentinel, em Nova Iorque, publicando-o
no Natal de 1823, sem fazer menção do autor. Só em 1844 é que Clement C. More
reclamou a autoria do poema.
***
Espera-se que a onda consumista e
mercantilista, que tenta asfixiar o Natal, ceda à genuinidade da quadra
natalina, gerando a familiaridade fraterna e solidária, que não deixe ninguém de
lado.
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