sábado, 13 de dezembro de 2014

Santa Luzia, em 13 de dezembro, e a luz natalina

Santa Luzia (ou Lúcia) de Siracusa é invocada como a santa da luz (pois Luzia, versão popular de Lucia, deriva do vocábulo latino lux, lucis - luz).
É pelo facto de o seu nome estar ligado ao vocábulo lux é que a iconografia representa em Luzia o episódio da cegueira. Ora a luz é um elemento indissociavelmente unido não só ao sentido da vista, mas também à faculdade espiritual de captar a realidade sobrenatural. Por isso, o poeta italiano Dante Alighieri lhe atribui, na Divina Comédia, a função de graça iluminadora.
É, por isso e em razão do teor do martírio que lhe foi infligido, como se verá mais adiante, a padroeira dos oftalmologistas e daqueles que têm problemas de visão. Porém, o episódio da cura da prolongada e desgastante doença da mãe por Santa Águeda, de Catânia, torna-a também a protetora contra outras doenças, como as disenterias e todas as hemorragias.
A sua própria festividade é celebrada simbolicamente a 13 de dezembro (no âmbito das celebrações da luz, possivelmente porque, antes do estabelecimento do calendário gregoriano, ficava este dia perto do solstício de inverno), doze dias antes do Natal para indicar aos cristãos a necessidade da preparação espiritual e da sua correspondente iluminação  para essa importante solenidade, cuja data que se avizinha – o Natal de Cristo, a Luz das Nações (Is, 9,1; Lc 1,32).
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O culto de Santa Luzia estendeu-se, desde a antiguidade, a quase toda a Igreja, e o seu nome foi introduzido no Cânon Romano por São Gregório Magno (que pontificou entre 590 e 604) e consta da Ladainha de Todos os Santos. É assim um culto marcado pela antiguidade e pela universalidade. Só em Roma há pelo menos 20 igrejas com o seu nome.
Algumas citações se encontram na Suma Teológica de S. Tomás de Aquino. E entre os seus devotos contam-se Santa Catarina de Siena e São Leão Magno.
No Norte da Itália, na antiga Checoslováquia e também na Áustria, se comemora Santa Luzia como portadora de dons para as crianças. Na Dinamarca, Finlândia e Suécia, a festa de Santa Luzia é um acontecimento importante que se enquadra nas comemorações de Natal, mesmo para a Igreja Luterana.
Na Suécia organizam-se cortejos em torno de uma rapariga, preferencialmente loira e de cabelos compridos, que se veste de Santa Luzia e desfila pelas ruas com a sua comitiva ou visita escolas, hospitais, fábricas, etc, procurando transmitir alegria e tornar mais visível e mais forte o espírito natalício. O traje que enverga é uma túnica branca até aos pés com uma fita vermelha na cintura. E, na cabeça, leva uma coroa de verdura com velas acesas.
Quando o costume se estendeu a todo o país, no século passado, usavam-se velas verdadeiras, mas atualmente substituíram-se por velas a pilhas a fim de evitar acidentes.
É também costume associar à memória de Santa Luzia uns petiscos especiais: pãezinhos doces com açafrão a que se dá o nome de “Lussekatt”, ou seja, “gatos de Santa Luzia”.
Tradicionalmente era a filha mais nova que, no dia 13 de dezembro, se vestia de Santa Luzia para de manhã, junto com a mãe e os irmãos, acordar o pai e lhe oferecer café e “Lussekatt.
Os cientistas e os artistas que ganham o prémio Nobel vão a Estocolmo em dezembro para a cerimónia da entrega dos prémios. São acordados por um cortejo de Santa Luzia.
Em Portugal, tem igrejas em: Angra do Heroísmo e em São Roque do Pico (Região Autónoma dos Açores); no Funchal (Região Autónoma da Madeira); em Lisboa; em Forles (concelho de Sátão); em Sarzeda (concelho de Sernancelhe). Há ainda as freguesias de Santa Luzia nos concelhos de Ourique (no Alentejo), de Tavira (no Algarve), de Angra do Heroísmo e de São Roque do Pico (nos Açores) e do Funchal (na Madeira); o monte de Santa Luzia com o respetivo santuário (com a confraria de Santa Luzia) cuja titularidade é partilhada com o Sagrado Coração de Jesus; e os respetivos mirantes nos montes de Santa Luzia, em Viseu (com o Museu do Quartzo, naquela elevação partilhada pelas freguesias de Campo e Abraveses), e da Parede; vários lugares, bairros, ruas, hotéis, restaurantes e prédios, como em Rebordosa, Porto ou Viseu.
O Brasil, por seu turno, associa a Santa Luzia vários distritos, municípios, bairros, povoados e, pelo menos, um hospital – além de igrejas em Angra dos Reis e no Rio de Janeiro.
Na antiguidade cristã, juntamente com Santa Cecília, Santa Águeda e Santa Inês, a veneração a Santa Luzia foi das mais populares e, como aquelas, tinha ofício e missa próprios. Chegou a ter vinte templos em Roma dedicados ao seu culto.
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A santa, virgem e mártir nasceu em Siracusa, por volta do ano 283, e morreu martirizada sob o imperador Diocleciano, por volta do ano 304.
Recordo-me de que, num determinado ano, na festa de 13 de dezembro, um pregador quis apresentar ao seu auditório um pouco da biografia da homenageada. Então, dirigindo-se ao povo, começou por dizer que Santa Luzia foi virgem e mártir no tempo de Diocleciano. E, para dar informação sobre o perfil de Diocleciano, começou por dizer: “Diocleciano, como sabeis, era um grande, um grande… Diocleciano era um grande… era um grande, um grande… (e as pessoas riam-se, sei lá porquê!). E lá rematou da forma como lhe veio à mente, Diocleciano era um grande perseguidor dos cristãos”.
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Luzia nasceu na cidade italiana de Siracusa, de família rica e cristã e era tida como uma das donzelas mais belas daquela cidade da Sicília. O pai falecera quando ela tinha 5 anos e a mãe, Eutíquia, sofria de graves hemorragias internas.
Era uma rapariga de uma grande convicção cristã, que a fez consagrar-se secretamente em castidade, pobreza voluntária e obediência inteira ao Senhor Jesus, a quem ofereceu a sua virgindade perpétua.
Um dia, ela e a mãe, levadas pela aura de santidade de uma das virgens mais veneradas da época, peregrinaram à cidade de Catânia onde se encontrava o corpo da grande Santa Águeda, que morrera por não se converter aos ídolos. O Evangelho pregado na Santa Missa desse dia foi o da mulher que sofria de fluxo hemorrágico interno (cf Mt 9,20-22; Mc 5,25-34; Lc 8,43-48), à semelhança das hemorragias da mãe de Luzia. Luzia então pensou: “Se aquela mulher ao tocar nas vestes do Senhor ficou curada, será que Santa Águeda não pedirá ao Senhor que cure minha mãe da mesma forma que curou aquela mulher”?
Então pediu à mãe que esperasse que todos saíssem do Templo para elas irem rezar junto do corpo de Águeda. Durante esse meio tempo, Luzia dormiu e, em êxtase, teve uma visão em que alguns anjos rodeavam Santa Águeda e em que a mesma santa lhe disse: “Luzia minha irmã, porque me pedes a mim uma coisa que tu mesma podes conceder”? Luzia rapidamente saiu do êxtase e despertou do sonho. Foi procurar a mãe, a qual lhe disse que estava inteiramente curada. Luzia aproveitou o momento para revelar à mãe que tinha feito a Jesus o voto de virgindade, à semelhança de santa Águeda, e que pretendia distribuir todos os seus bens pelos pobres, para o que pedia à mãe que lhe entregasse o dote que lhe havia destinado para casamento. Eutíquia, a princípio, tentou que a filha esperasse pela morte da mãe para tomar conta de todo o vasto património, fazendo dele o que lhe aprouvesse. Mas, perante a insistência de Luzia, acabou por assentir, dizendo: “Luzia minha filha, tudo o que é meu e do teu falecido pai é teu, por isso faz o que queres”.  
Ao chegarem a casa, começaram a distribuir todos os seus bens pelos pobres. Um jovem muito rico e pagão, politeísta de nascença, que já era apaixonado por Luzia, foi questionar Eutíquia, mãe de Luzia, sobre o motivo de tanto esbanjamento de dinheiro. Em resposta, Eutíquia esclareceu: “Luzia é muito providente e achou bens muito mais valiosos do que esses. Por isso é que estamos a fazer isto”. O jovem não entendeu que ela falava dos “bens” do Paraíso Celeste, pelo que ficou no que lhe pareceu e voltou para casa. Com o passar dos dias, Luzia e a mãe davam mais e mais dinheiro aos necessitados, dilapidando assim a grande fortuna da família. Foi então que o jovem teve a certeza de que Luzia era cristã, resolvendo ir prontamente denunciá-la, como inimiga do culto oficial, a Pascasio, o prefeito de Siracusa, que, furioso com a grande fé cristã de Luzia, a mandou ao Imperador Diocleciano, que tentou persuadi-la a converter-se aos ídolos. Mas ela, destemidamente, confessou-se cristã e recusou sacrificar aos deuses do Império. Disse ter outro sacrifício, o que agradava ao único Deus verdadeiro: o da esmola para valer às necessidades das viúvas, dos órfãos e dos pobres em geral (cf Tg 1,27). Havia já três anos que estava a oferecer tal sacrifício e só lhe faltava o completo holocausto da sua vida.
Luzia mostrou-se repleta do Espírito Santo frente ao Imperador, o qual, vendo que nada a convertia, fez inúmeras coisas cruéis contra ela: mandou atirá-la para uma casa de prostituição, cheia de homens sedentos de um corpo virginal como o de Luzia, mas foi em vão: ninguém, nem mesmo as juntas de bois requisitadas (por isso, alguma iconografia representa a santa com os preditos bois), conseguiu arredar Luzia. Os soldados saíram envergonhados por não conseguirem tirá-la dali. Os seus pés estavam como que fincados no chão ou dele emergentes como raízes de plantas.
É de anotar que, ao tempo, as donzelas tinham mais medo de perder a virgindade do que cair numa cova cheia de leões. Por outro lado, os cristãos eram considerados ateus por não prestarem culto ao divino imperador e aos deuses da romanidade, mas, ao mesmo tempo, eram considerados idólatras por adorarem um ícone humano que não podia ter a categoria de Deus – o Cristo, cuja proveniência o Império tentava ignorar, apesar das informações das autoridades romanas na Judeia.
Como a tentativa acima referida não resultara, tentaram depois colocar fogo a toda a volta do corpo de Luzia, a qual, entretanto, fez a seguinte oração: “Ó Senhor Deus, Jesus Cristo meu Rei, não deixeis que estas chamas me façam mal algum”. E as chamas nada de mal fizeram contra ela, nem mesmo provocaram vermelhidão no seu corpo. Por isso, retiraram-na do meio do fogo.
Como Luzia não se convertia de modo nenhum aos falsos deuses, foi-lhe aplicado o castigo mais cruel depois da decapitação: um soldado, a mando do imperador, arrancou-lhe os olhos de sua face e entregou-os num prato a Luzia. Porém, ao entregar o prato com os olhos de Luzia, nasceram milagrosamente, no rosto da mesma donzela, dois lindos olhos, sãos, perfeitos e mais lindos do que os outros.
Vendo que nada a convencia a converter-se ao paganismo, deceparam-lhe a cabeça à espada enquanto Luzia clamava: “Adoro a um só Deus verdadeiro e a Ele prometi amor e fidelidade”. No mesmo instante, a sua cabeça rolou pelo chão. Era 13 de dezembro do ano 304.
O Seu coração ardia como um forno de Amor divino e foi esta força enorme que lhe assegurou a superação das angústias que vinham do humano. Luzia soube aceitar para si o sacrifício e a dor, na grande fé naquele Jesus que estava na sua alma. Aquele coração, livre de pulsar somente de amor, tinha-lhe logrado alcançar as virtudes naquele caminho feito com sucesso para vencer o humano. Elevando os nossos olhos a Santa Luzia, os devotos são inundados pela sua luz protetora e pelo aroma das suas virtudes e perdidos diante do seu sacrifício.
Os cristãos recolheram o seu corpo virginal e sepultaram-no nas catacumbas de Roma. A sua fama de santa espalhou-se por toda a Itália e pela Europa e, depois, por todo mundo, onde hoje é venerada e honrada como a “Santa da Visão”.
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É óbvio que muito do exposto emerge não da História, mas da lenda. Todavia a lenda não é coisa pouca quando se trata de pessoas e, sobretudo, quando a santidade delas nos referencia a melhoria da saúde. Que o diga este mortal que em 2002 sofreu uma crise de visão, que se julgava irreversível! Então, agradeci o facto da cura ao pessoal que me tratou com esmero e à intercessão de São Sebastião, aquele mártir romano cujos encómios me fora dado proclamar em tempos idos.
Mas Luzia é uma referência eloquente na devoção aos pobres a quem entregou todo o património material que possuía – sem se preocupar se o fazia por justiça, se por caridade. O importante era seguir o apelo de Cristo: “Se queres ser perfeito, vai vender tudo o que tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro nos céus; depois vem seguir-me.” (Mt 19,21; Mc 10,21; Lc 18,22).
Depois, continuam hoje, embora com outro rosto, os Dioclecianos, os Pascasios e os delatores, de quem nos devemos livrar!
Cf Conferência Episcopal Portuguesa (1998). Liturgia das Horas. Edição abreviada. Coimbra: Gráfica de Coimbra
Centro Bíblico dos Capuchinhos (1998). Nova Bíblia dos Capuchinhos. Lisboa/Fátima: Difusora Bíblica
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BAcia_de_Siracusa
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Luzia, ac 13-12-2014, ac 13-12-2014
Leite, J. & Coelho, A. (2005). Santos de cada dia. Volume de dezembro. Matosinhos: Quid Novi

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