E o Governo da República, a quem
compete gerir os negócios do Estado, sob o alto patrocínio do Presidente da República
e sob as leis e fiscalização do Parlamento, bem “merece” uma boa prenda de Ano
Novo.
Quem se lançou no autoelogio governamental
hoje, dia 30 de dezembro, exatamente na véspera do fim do ano, foi o Secretário
de Estado dos Transportes. E fê-lo dizendo que este governo tinha um bom
currículo – isto a propósito do modo como superintendeu na questão da TAP no
âmbito da greve pré-avisada e desconvocada ou na greve pré-avisada e mantida,
sobre a qual impendeu uma requisição civil integralmente observada. Daqui
resultou a recuperação de sensivelmente metade das reservas que haviam sido desmarcadas
(não se podendo, apesar de tudo, ignorar os prejuízos causados pela turbulência)
e um diploma legal de privatização da empresa sob um caderno de encargos absolutamente
favorável aos interesses do Estado. Será que desta vez surgirá na pantalha
político-económica uma privatização que simultaneamente liberte o Estado de
encargos, produza um encaixe significativo de verba para o erário público, saneie
e redimensione a empresa e garanta os interesses da República? Se sim, é caso para
nos questionarmos sobre o motivo por que tal não aconteceu das outras vezes. As
outras empresas que foram objeto de privatização não eram significativas ou os
investidores /compradores não tiveram a paciência de aturar o governo? Ou será
que agora são as eleições que merecem um caderno de encargos cuidadoso e os investidores,
entretanto, esperarão por melhores dias? A declaração de hoje do Ministro da
Economia de que só lhe compete avaliar comportamentos e não dirigir a economia,
porque não é ministro de um governo socialista deixou-me com a pulga detrás da orelha.
***
Mas vamos ao caso das prendas,
tanto do ano que está a findar como do novo ano. Quem recebeu hoje uma valiosa prenda
para o ano de 2015 foi exatamente o Governo e, através dele, todo o povo
português: Sua Excelência o Presidente da República promulgou hoje o a Lei do Orçamento
do Estado para 2015. E adivinha-se que, a seu tempo lá mais para diante, terá de
promulgar um retificativo. Para já, ao arrepio do que pensa a Comissão Europeia
e toda a troika, as previsões orçamentais são muito simpáticas para os
portugueses, que são de acrescentar à saída limpa do programa de ajustamento em
17 de maio passado, tão benéfica do ponto de vista psicoeuropeu e deixando-nos
a marcar passo sob a vigilância “distante” da troika a assomar de seis em seis
meses, com as reformas estruturais por fazer.
A
pari, os
empresários receberam a prenda da baixa do IRC, as famílias receberão “folga”
em IRS e os pensionistas que estavam sujeitos à CES irão sentir, a maior parte
deles, a sua queda. A educação ganhou e intensificou um maior grau de nomadismo
do corpo docente e logrou a aplicação ao sistema de colocações de uma fórmula matemática
errada. A economia ganhou ao Estado os CTT pela via da privatização através da
venda/compra de ações bolsistas. E a RTP foi presenteada com a criação de um
conselho geral independente, que propôs a exoneração do conselho de
administração da empresa por ter grelhado mal o projeto editorial e ter
adquirido os direitos de transmissão da Liga dos Campeões (futebol). A Assembleia
Geral (o Estado é o único) acionista resolverá a seu tempo, em conformidade.
Por outro lado, o Estado
justiçoso favoreceu o clima de confiança no sistema de justiça: criou a maior
confusão de sempre em processos judiciais através do CITIUS (mais depressa, que se tornou mais devagar); tornou a
justiça mais próxima e mais especializada fechando tribunais e multiplicando as
secções de competência genérica; condenou ex-governantes, ex-políticos,
sucateiros e, pelos vistos, um inocente; prendeu altos escalões da
administração central, incluindo serviços de informação e segurança; inquire judicial
e parlamentarmente os donos disto e daquilo tudo (de um banco fez dois: um bom,
que vai se vendido, e um mau, que vai ficar para memória futura); e deteve um
ex-primeiro-ministro. Entretanto, do negócio dos submarinos e das
contrapartidas não se fala mais, pois, os processos foram arquivados sem que
houvesse qualquer acusação formal, embora os dinheiros tenham desaparecido, mas
sem deixarem rasto. Quer dizer, em gente que está em funções governativas não se
mexe. Quando muito, depois.
***
Perante mostras tão generosas da liberalidade
do Estado (mesmo que o estado de coisas seja atabalhoado e caótico), o povo,
através dos seus legítimos representantes, não deixou de compensar o Estado com
uma prenda de Ano Novo. Refiro-me, como era de esperar, às alterações
legislativas sobre a fiscalidade verde.
Depois de acurado estudo (como é
habitual num governo que não erra, porque a encomenda dos estudos já leva as conclusões
à cabeça), o Governo propôs, a Assembleia da República discutiu e aprovou nova
lei sobre a fiscalidade verde (ou seja, amiga do ambiente), que o Presidente da
República promulgará, o chefe do Governo referendará, o Diário da República publicará
e de que o competente membro do Governo regulamentará, através de portaria,
algumas matérias.
Assim, é agravado o ISV (imposto
sobre veículos) em função das emissões de CO2 e revisto o limite de
CO2 dos táxis em função do benefício em sede de ISV. Por outro lado,
é criado um regime de incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em
fim de vida, concretizado na redução do ISV (para beneficiar, tem de comprar). Em
média, o ISV aumenta 3%.
Por seu turno, os produtos
petrolíferos e energéticos sujeitos ao respetivo imposto sofrem um acréscimo de
tributação que consiste na aplicação de uma taxa de carbono, que se traduz num aumento
de 1,5 cêntimos por litro. Também o Orçamento do Estado introduziu a contribuição
rodoviária que agravará os preços em 25 cêntimos por litro. Estes dois itens
fiscais, só por si, já aumentam os combustíveis em cerca de 4 cêntimos por
litro – o que é suficiente para anular o efeito impactal da recente queda do
preço do petróleo. E não se pense que estas medidas fiscais atingem unicamente os
proprietários dos veículos e as empresas. Inevitavelmente, elas refletem-se também
nos preços a praticar nos transportes públicos e nos preços ao consumidor. Enfim,
podem atingir indiretamente toda a gente
A este respeito, a CCP, a Antram,
a Anarec, o ACAP e a Antrop, tendo em conta que as aludidas medidas fiscais desmentem
a tese governamental da neutralidade fiscal, pediram ao Governo, em comunicado
conjunto, um adiamento da entrada em vigor da lei da fiscalidade verde, propondo
um regresso à negociação e apelaram à suspensão da reforma, “até que seja
acompanhada de medidas adicionais que salvaguardem o princípio da neutralidade
fiscal”.
Em relação aos plásticos, é de
referir que nasce uma contribuição sobre os sacos de plástico leves adquiridos
pelos estabelecimentos de comércio a retalho para distribuição ao consumidor final.
A taxa será de 10 cêntimos com IVA. Aqui, a APED (Associação Portuguesa das Empresas
de Distribuição) entende que “tributar os sacos de plástico leves levará à maior
utilização de sacos pretos e verdes [do lixo], bem mais poluentes”. É a velha
amizade ao ambiente!
Quanto à tributação dos plásticos
leves, ela não se aplicará de imediato. Após a publicação da lei, haverá uma
portaria regulamentadora da matéria, que estabelecerá um prazo de transição por
30 dias, para que os comerciantes disponham de tempo para esvaziar os stocks
dos sacos que não estão abrangidos pela taxa.
***
Como se vê, a prenda do povo ao Estado,
não é nada consensual. E seria tão bom que o Estado a merecesse. Bastava-lhe
gerir melhor e aplicar melhor os nossos dinheiros, ter força negocial com a Europa,
a CPLP e o resto do mundo, reforçar o sistema educativo, o serviço nacional de
saúde, a sustentabilidade da segurança social e a administração a sério da
justiça. Enfim, governar sem hipocrisias e decididamente em prol do bem comum.
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