terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Uma prenda de Ano Novo para o Estado

E o Governo da República, a quem compete gerir os negócios do Estado, sob o alto patrocínio do Presidente da República e sob as leis e fiscalização do Parlamento, bem “merece” uma boa prenda de Ano Novo.
Quem se lançou no autoelogio governamental hoje, dia 30 de dezembro, exatamente na véspera do fim do ano, foi o Secretário de Estado dos Transportes. E fê-lo dizendo que este governo tinha um bom currículo – isto a propósito do modo como superintendeu na questão da TAP no âmbito da greve pré-avisada e desconvocada ou na greve pré-avisada e mantida, sobre a qual impendeu uma requisição civil integralmente observada. Daqui resultou a recuperação de sensivelmente metade das reservas que haviam sido desmarcadas (não se podendo, apesar de tudo, ignorar os prejuízos causados pela turbulência) e um diploma legal de privatização da empresa sob um caderno de encargos absolutamente favorável aos interesses do Estado. Será que desta vez surgirá na pantalha político-económica uma privatização que simultaneamente liberte o Estado de encargos, produza um encaixe significativo de verba para o erário público, saneie e redimensione a empresa e garanta os interesses da República? Se sim, é caso para nos questionarmos sobre o motivo por que tal não aconteceu das outras vezes. As outras empresas que foram objeto de privatização não eram significativas ou os investidores /compradores não tiveram a paciência de aturar o governo? Ou será que agora são as eleições que merecem um caderno de encargos cuidadoso e os investidores, entretanto, esperarão por melhores dias? A declaração de hoje do Ministro da Economia de que só lhe compete avaliar comportamentos e não dirigir a economia, porque não é ministro de um governo socialista deixou-me com a pulga detrás da orelha.
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Mas vamos ao caso das prendas, tanto do ano que está a findar como do novo ano. Quem recebeu hoje uma valiosa prenda para o ano de 2015 foi exatamente o Governo e, através dele, todo o povo português: Sua Excelência o Presidente da República promulgou hoje o a Lei do Orçamento do Estado para 2015. E adivinha-se que, a seu tempo lá mais para diante, terá de promulgar um retificativo. Para já, ao arrepio do que pensa a Comissão Europeia e toda a troika, as previsões orçamentais são muito simpáticas para os portugueses, que são de acrescentar à saída limpa do programa de ajustamento em 17 de maio passado, tão benéfica do ponto de vista psicoeuropeu e deixando-nos a marcar passo sob a vigilância “distante” da troika a assomar de seis em seis meses, com as reformas estruturais por fazer.
A pari, os empresários receberam a prenda da baixa do IRC, as famílias receberão “folga” em IRS e os pensionistas que estavam sujeitos à CES irão sentir, a maior parte deles, a sua queda. A educação ganhou e intensificou um maior grau de nomadismo do corpo docente e logrou a aplicação ao sistema de colocações de uma fórmula matemática errada. A economia ganhou ao Estado os CTT pela via da privatização através da venda/compra de ações bolsistas. E a RTP foi presenteada com a criação de um conselho geral independente, que propôs a exoneração do conselho de administração da empresa por ter grelhado mal o projeto editorial e ter adquirido os direitos de transmissão da Liga dos Campeões (futebol). A Assembleia Geral (o Estado é o único) acionista resolverá a seu tempo, em conformidade.
Por outro lado, o Estado justiçoso favoreceu o clima de confiança no sistema de justiça: criou a maior confusão de sempre em processos judiciais através do CITIUS (mais depressa, que se tornou mais devagar); tornou a justiça mais próxima e mais especializada fechando tribunais e multiplicando as secções de competência genérica; condenou ex-governantes, ex-políticos, sucateiros e, pelos vistos, um inocente; prendeu altos escalões da administração central, incluindo serviços de informação e segurança; inquire judicial e parlamentarmente os donos disto e daquilo tudo (de um banco fez dois: um bom, que vai se vendido, e um mau, que vai ficar para memória futura); e deteve um ex-primeiro-ministro. Entretanto, do negócio dos submarinos e das contrapartidas não se fala mais, pois, os processos foram arquivados sem que houvesse qualquer acusação formal, embora os dinheiros tenham desaparecido, mas sem deixarem rasto. Quer dizer, em gente que está em funções governativas não se mexe. Quando muito, depois.
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Perante mostras tão generosas da liberalidade do Estado (mesmo que o estado de coisas seja atabalhoado e caótico), o povo, através dos seus legítimos representantes, não deixou de compensar o Estado com uma prenda de Ano Novo. Refiro-me, como era de esperar, às alterações legislativas sobre a fiscalidade verde.
Depois de acurado estudo (como é habitual num governo que não erra, porque a encomenda dos estudos já leva as conclusões à cabeça), o Governo propôs, a Assembleia da República discutiu e aprovou nova lei sobre a fiscalidade verde (ou seja, amiga do ambiente), que o Presidente da República promulgará, o chefe do Governo referendará, o Diário da República publicará e de que o competente membro do Governo regulamentará, através de portaria, algumas matérias.
Assim, é agravado o ISV (imposto sobre veículos) em função das emissões de CO2 e revisto o limite de CO2 dos táxis em função do benefício em sede de ISV. Por outro lado, é criado um regime de incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida, concretizado na redução do ISV (para beneficiar, tem de comprar). Em média, o ISV aumenta 3%.
Por seu turno, os produtos petrolíferos e energéticos sujeitos ao respetivo imposto sofrem um acréscimo de tributação que consiste na aplicação de uma taxa de carbono, que se traduz num aumento de 1,5 cêntimos por litro. Também o Orçamento do Estado introduziu a contribuição rodoviária que agravará os preços em 25 cêntimos por litro. Estes dois itens fiscais, só por si, já aumentam os combustíveis em cerca de 4 cêntimos por litro – o que é suficiente para anular o efeito impactal da recente queda do preço do petróleo. E não se pense que estas medidas fiscais atingem unicamente os proprietários dos veículos e as empresas. Inevitavelmente, elas refletem-se também nos preços a praticar nos transportes públicos e nos preços ao consumidor. Enfim, podem atingir indiretamente toda a gente
A este respeito, a CCP, a Antram, a Anarec, o ACAP e a Antrop, tendo em conta que as aludidas medidas fiscais desmentem a tese governamental da neutralidade fiscal, pediram ao Governo, em comunicado conjunto, um adiamento da entrada em vigor da lei da fiscalidade verde, propondo um regresso à negociação e apelaram à suspensão da reforma, “até que seja acompanhada de medidas adicionais que salvaguardem o princípio da neutralidade fiscal”.
Em relação aos plásticos, é de referir que nasce uma contribuição sobre os sacos de plástico leves adquiridos pelos estabelecimentos de comércio a retalho para distribuição ao consumidor final. A taxa será de 10 cêntimos com IVA. Aqui, a APED (Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição) entende que “tributar os sacos de plástico leves levará à maior utilização de sacos pretos e verdes [do lixo], bem mais poluentes”. É a velha amizade ao ambiente!
Quanto à tributação dos plásticos leves, ela não se aplicará de imediato. Após a publicação da lei, haverá uma portaria regulamentadora da matéria, que estabelecerá um prazo de transição por 30 dias, para que os comerciantes disponham de tempo para esvaziar os stocks dos sacos que não estão abrangidos pela taxa.
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Como se vê, a prenda do povo ao Estado, não é nada consensual. E seria tão bom que o Estado a merecesse. Bastava-lhe gerir melhor e aplicar melhor os nossos dinheiros, ter força negocial com a Europa, a CPLP e o resto do mundo, reforçar o sistema educativo, o serviço nacional de saúde, a sustentabilidade da segurança social e a administração a sério da justiça. Enfim, governar sem hipocrisias e decididamente em prol do bem comum.

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