No passado dia 6 de dezembro, no auditório
da Tuna de Mozelos, decorreu a festa de Natal das crianças que frequentam o
centro infantil da MACUR, de Rio Meão, instituição que persegue objetivos e
desenvolve atividades condicentes com as de movimento de assistência, cultura,
urbanismo e recreio.
A festa constou de esmerado
espetáculo cénico infantil, lúdica e ternurentamente animado por um empenhado
grupo de adultos, e desenvolveu-se num contexto de alegria, prendas natalícias
e também o adequado complexo de comes e bebes – cenário em que não faltou a usual
árvore de Natal e o tradicional presépio.
É óbvio que esteve presente com o
uniforme conhecido o simpático Pai Natal, aqui também em modo feminino, por mais
que tentasse disfarçar – a versão secular e ecuménica de São Nicolau, o bispo
amigo dos desafortunados e em especial das crianças. Conta-se que o cidadão Nicolau
de Patara, filho e órfão de pais abastados, no regresso da Terra Santa, decidiu
desfazer-se de todos os seus bens em prol dos pobres, entregando-se à
penitência e à oração na cidade de Myra, de que se tornou bispo por disposição da
Providência Divina.
Por ocasião do Natal, as crianças
pobres recebiam em casa as prendas, em dinheiro ou em géneros, alegadamente de
fonte anónima, sabendo muitos que se tratava do bispo Nicolau, aquele que
acorria em ajuda nas provações vividas por quem quer que fosse. Depois que se
finou neste mundo, as crianças protegidas de Nicolau, o pai dos pobres,
continuaram a receber as costumeiras lembranças natalinas, ficando os anónimos sucessores
do bispo das crianças epitetados com a significativa denominação de Papá de
Natal, graças à beneficência e à quadra temporal. Aquelas crianças ficaram órfãs,
mas não deserdadas.
***
Porém, tendo já feito reflexão
sobre São Nicolau de Patara, de Myra ou de Bari, voltei à ascese e mística do
bispo tão firme como generoso por causa da festa, das prendas e do espetáculo,
por uma razão especial. É que apareceu pela primeira vez em cena a nossa Rafaela.
E, como o espetáculo estava subordinado ao tema aglutinador da alimentação
saudável, a menina lá surgiu em palco caraterizada de laranja, bem viva, bonitinha
e redondinha – a sugerir os benefícios da laranja para a saúde (correção da
acidez no sangue, controlo da pressão sanguínea, combate ao colesterol,
melhoria das condições de digestão e de funcionamento intestinal, reforço das
defesas do organismo e prevenção/combate de gripes e resfriados). Apesar das
duas teimosas lágrimas gordinhas, a Rafaela estava muito gira. Custou-lhe a
agarrar a prenda, mas não deixou de ser engraçada e muito. Depois, a festa
trouxe muitos aplausos dela e dos meninos e para ela e para os meninos.
Como é natural, a Rafaela é a
alegria pressurosa da mãe Eugénia e do pai Ricardo, que dela cuidam com o maior
desvelo e sentido de carinho e responsabilidade. E é indubitavelmente o encanto
e o mimo dos avós, em cujo elenco me apraz incluir, por todos os motivos, entre
os quais sobressai o facto de ela gostar muito de nós. E, sim, é neste presente
balançado entre o cuidado e o encantamento, a responsabilidade educativa e o
ludismo próprio destas idades que está a assomar o futuro de crescimento,
estabilidade e concretização do desígnio e do sonho. Para frente, Rafinha! Também
os tombos fortalecem e ajustam a personalidade. O que interessa é caminhar,
crescer e ser. Só quero que nunca deixes de gostar da casa da avozinha bem como
da minha mão amiga. Xau, miau, sim, Nina!
***
Mas falar de Rafaela quase
postula um excursus pelo nome que
remonta ao contexto hebraico, mormente o da Bíblia do Antigo Testamento.
O nome “Rafaela” começou a ser usado
no feminino por contágio com o nome masculino “Rafael”, sendo neste que devemos
atentar para chegarmos à etimologia do onomástico. No entanto, Ana Belo, no seu
Mil e tal nomes próprios (1997:
Arte Plural, edições, pg 207),
afirma tratar-se de “um lindo nome, muito usado em Espanha e Itália” e que, segundo
a mesma autora, “felizmente, vai crescendo entre nós”.
No hebraico, tínhamos a palavra Refa’ el, que significa “Deus cura” ou “remédio
de Deus”. Este vocábulo era então um composto de rafo (cuida, cura, trata) e el
(Deus). Com efeito, no Livro de Tobias, vem relatado o modo como o anjo Rafael
curou a cegueira do pai de Tobite, Tobias (cf Tb 11,1-15) – com o fel de um peixe, que
Tobias apanhou e esventrou. Ao mesmo tempo, com o coração do mesmo peixe, expulsou
de casa de Tobias qualquer espírito mau, nomeadamente o demónio Asmodeu, que
matara os sucessivos maridos que desposaram Sara. Pôde assim Tobias vir a
desposar, sem qualquer perigo de vida, a sobreviva Sara, que ele pretendia. E o
anjo identifica-se: “Eu sou Rafael, um dos sete espíritos (anjos) que apresentam
as orações dos justos e têm lugar diante da majestade do Senhor” (Tb
12,15). Ora, é
porque serve o Senhor que o anjo tem competência para desempenhar missões da
parte de Deus junto dos homens.
Na personalidade de Rafael, Ana Belo (id
et ib) salienta os atributos
de “ambicioso e lutador”, realizando-se em setores de atividade em que “possa
dar o melhor de si mesmo”. Procura, apesar de tudo, não assumir “compromissos”
desnecessários. Mostra-se “perseverante e muito exigente”, pelo que “leva sempre
bastante tempo a atingir o seu objetivo”. A sua desconfiança no amor resulta do
sentimento de medo de ser abandonado, situação que “o seu orgulho não toleraria”.
É por ser “um animal de hábitos” que habitualmente “está em segurança”.
As personalidades com o nome de
Rafael são muito consideradas entre nós. Note-se que a nau de Vasco da Gama no caminho
da Índia (1497)
era a São Rafael, o protetor do
viajante Tobias. Também um dos maiores pintores do Renascimento Italiano se
chamou Raffaello Sànzio (1483-1520). A Espanha conta com o poeta Rafael Alberti (1902-1999). E Portugal conta entre os seus
melhores ceramistas Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), também desenhador. (cf
Orlando Neves, dicionário de nomes próprios, 2002:Notícias Editorial, pg 223).
De Rafaela, a autora acima referenciada diz que é “tenaz e teimosa”. Mas
“apresenta-se como uma visionária”. Pode mesmo “exercer as mais árduas profissões
sem receio do fracasso”. Pelos vistos, dando-se “mal com a solidão”, ultrapassa-a,
adorando “seduzir pelo prazer da vitória”, porém, “quando tocada, é uma apaixonada intensa e constante”.
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O hagiológio cristão conta com
uma santa Rafaela, que bem pode considerar-se o anjo tutelar das meninas que
dão pelo nome de Rafaela.
Rafaela
Maria Porras y Ayllón nasceu no município de Pedro Abad, província de Córdova,
em Espanha, a 1 de março de 1850. Dos pais recebeu uma educação cristã,
especialmente eficaz porque baseada no exemplo. Rafaela tinha 4 anos quando o
pai, Presidente da Câmara de Pedro Abad, resolveu fazer da sua vida uma entrega
pessoal ao serviço dos pobres até ao extremo ponto de morrer contagiado pela
cólera, pelos vistos, como o rei Dom Pedro V, de Portugal.
A
educação materna, mistura de ternura solícita e de exigência suave, fez
amadurecer naquela menina os melhores traços do seu caráter. Chegada à
adolescência, a criança precocemente reflexiva, doce e tenaz passou a
mostrar-se senhora de si, mas sempre disposta a ceder nos seus gostos
perante os gostos dos outros.
Desde
muito jovem decidiu entregar-se completamente a Jesus Cristo. Prova da sua
vontade irrevogável foi o voto de castidade que fez aos quinze anos. A morte da
mãe – quando ela contava dezanove anos – foi outro momento forte na trajetória
da sua entrega a Deus. Daí em diante, dedicou-se completamente aos mais
carenciados e não havia na povoação necessidade ou dor que ela não
consolasse.
Em
tudo isto acompanhava-a a sua irmã Dolores, que iria ser também sua inseparável
companheira na fundação do Instituto das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Por caminhos inesperados, as duas irmãs viram-se convertidas
em cofundadoras. A 14 de abril de 1877 estabelecia-se em Madrid a primeira
comunidade de Escravas, com a aprovação de Leão XIII. Num ambiente de profunda
fraternidade, viviam dedicadas ao culto da Eucaristia e à educação cristã de
raparigas, principalmente as pobres.
Tendo liderado o Instituto durante dezasseis anos, Rafaela teve
de enfrentar a prova mais dolorosa. Por mercê de vários equívocos que surgiram
(alguns da parte de sua irmã de sangue e de religião), as suas mais diretas
colaboradoras começaram a desconfiar dos seus atos, a pôr em dúvida as suas
qualidades e inclusive a sua lucidez. Porém ela, seguindo docilmente o conselho
de pessoas sábias, abdicou do múnus de Superiora Geral, a favor da sua irmã.
Sem amarguras, críticas e ressentimentos, vendo a mão invisível de Deus que,
com amor infinito, modelava o barro da sua vida, aceitou para o resto dos seus
dias – aos quarenta e três anos de idade – o sacrifício do “não fazer”.
No
dia 6 de janeiro de 1925, no silêncio e na paz de espírito, entregou a alma ao
Deus de toda a bondade e entrou na alegria do seu Senhor. Foi beatificada pelo
Papa Pio XII, a 18 de maio de 1952, e canonizada pelo Papa Paulo VI, a 23 de
janeiro de 1977.
A
festa de Santa Rafaela Maria do Santíssimo Sacramento, denominação
por que é mais conhecida, graças à sua enorme e intensa devoção
eucarística, celebra-se
a 18 de maio, data da sua beatificação.
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Por
tudo isto, não há de faltar à Rafaela, a nossa Rafinha, nem o cuidado de
família e dos amigos nem a proteção do Alto, se houver por bem acolhê-la,
sobretudo quando for grande.
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