sábado, 6 de dezembro de 2014

Santos com o nome de Martinho

É conforme à tradição católica e ao calendário litúrgico celebrar a 11 de novembro de cada ano a memória de S. Martinho, a que exteriormente o povo junta o convívio com o magusto de castanhas e o vinho novo ou a jeropiga. É o calor da fogueira, a índole estaladiça das castanhas e a alegria do fruto da videira e do trabalho do homem, que se deseja aliado com o fervor religioso e o sentido de Igreja como comunidade de irmãos.
Este santo de nome Martinho é apenas um dos quatro que o calendário litúrgico da Igreja Latina celebra. Este é S. Martinho de Tours, que nasceu na Sabaria, da Panónia (correspondente à atual Hungria), no ano de 316 (três anos após o  Édito de Milão promulgado por Constantino I no ano de 313, que havia concedido aos cristãos liberdade de culto), e faleceu, no ano de 397, em Condate, na Gália (correspondente à atual França).
Viveu no século IV, período de importantes transformações, em que Martinho teve um importante papel ao ter sido, primeiro, um convertido ao cristianismo e, depois, um dos impulsionadores do incremento da cristianização da Europa, cujo processo avançou significativamente neste século.
Nascido de pais pagãos, foi discípulo de Santo Hilário de Poitiers (um Padres Ocidentais da Igreja), que se distinguiu na Teologia, e sob cuja direção, depois de batizado, aos 22 anos de idade, e de renunciar à carreira militar, encetara e o fez servir na Gália, fundou um mosteiro em Lingugué (França). Foi depois ordenado sacerdote e, mais tarde, eleito bispo de Tours, tendo fundado outros mosteiros e cuidando da formação do clero e da evangelização dos pobres.
Conta-se que, um dia, um mendigo tiritante de frio lhe pedia esmola e, como não tinha mais nada, o cavaleiro cortou o seu próprio manto com a espada, dando metade ao pedinte. Durante a noite, o próprio Jesus  lhe terá aparecido em sonho, usando o pedaço de manta que dera ao mendigo e agradecendo a Martinho tê-lo aquecido no frio. Aí, decidiu que doravante deixaria as fileiras militares para se dedicar à religião e ao apostolado. 
Também foi coevo de Agostinho de Hipona (354-430), outro eminente doutor da Igreja. Embora Martinho fosse um homem culto, foi na ação prática (caridade, ensino, fundação e construção de igrejas, de mosteiros e de escolas) que se distinguiu. A sua ação pedagógica e missionária foi relevante na cristianização da Gália (é mesmo apelidado de apóstolo da Gália ou de “Pai das Gálias”), mas também numa área cultural e geográfica bem mais vasta, replicada em outras províncias ocidentais do Império Romano. Toda a sua ação é tão importante que, a longo prazo, deixou um legado cultural e religioso que perdurou para cá da queda do Império Romano do Ocidente (em 476) e que se tornou parte integrante da civilização europeia. Encarado como um dos fundadores do monaquismo ocidental, foi reverenciado ainda em vida, mercê da sua vida exemplar. Tornou-se o primeiro santo não mártir a receber culto oficial da Igreja e tornou-se um dos santos mais populares da Europa medieval.
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Outro santo com o nome de Martinho é o Papa Martinho I, que nasceu, no ano de 590, em Todi (Úmbria), na Itália e integrou o clero romano. Foi eleito para Cátedra de Pedro em 5 de julho do ano de 649.
Foi durante o seu papado que se celebrou pela primeira vez a festa da “Virgem Imaculada”, a 25 de março (hoje, a solenidade da Anunciação do Senhor).
Em 649, ano em que foi eleito bispo de Roma, convocou um concílio em Latrão, no qual se definiu a doutrina católica sobre a vontade e a natureza de Cristo, condenando os monotelitas, que só admitiam em Cristo a existência da vontade divina, portanto, sem vontade humana, ficando assente que Jesus era verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Condenou e removeu os escritos dos imperadores bizantinos Heráclio (a Ecthesis, que significa explicação) e Constante II, que, no ano de 653, enviou o exarca Olímpio para o aprisionar e levar para Constantinopla. Porém, como Olímpio morreu antes da execução da ordem imperial, o imperador nomeou novo exarca, Teodoro Calíope, que aprisionou o papa e efetivamente o levou para Constantinopla, onde sofreu juízo infame, sendo condenado à morte. Forçado a renunciar ao sumo pontificado, teve a pena capital suspensa, sendo encarcerado e submetido a maus tratos. Foi, por fim, desterrado, primeiro para a ilha de Naxos e, depois, para Quersoneso (Ucrânia/Crimeia) e declarado herege, ou seja, inimigo da Igreja e do Estado.
Passou mais de três anos, dos seus seis anos de pontificado, no exílio e na prisão. Morreu a 12 de novembro de 656 em Quersoneso.
A maior parte das relíquias deste santo dos séculos VI e VII repousam na basílica de San Martino ao Monti, em Roma. E a sua memória litúrgica celebra-se a 13 de abril.
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Martinho de Dume é outro dos santos com o nome de Martinho. Martinho de Dume ou Martinho de Braga (nascido na Panónia, entre os anos 510 e 515, e falecido em Braga, em 579 ou 580) ficou também conhecido como Martinho Dumiense, Martinho Bracarense ou Martinho da Panónia.
Em terras do Oriente, estudou grego e ciências eclesiásticas. De volta ao Ocidente, dirigiu-se para Roma e para a Gália, para continuar os estudos e onde visitou o túmulo do seu conterrâneo Martinho de Tours. Chegou, por fim, à Galiza por volta do ano 550 com a missão de evangelizar o Noroeste da Península. Foi o “apóstolo dos Suevos”, povos pagãos que abraçaram o cristianismo com a conversão de Teodomiro, em 559 ou 560. Porém, eles tinham incorrido na heresia ariana, pelo que o esforço de Martinho se focou na sua passagem para o catolicismo.
Fundou um mosteiro em Dume, aldeia das proximidades de Bracara Augusta, donde começou a fazer irradiar a sua pregação. Criou a Diocese de Dume (caso único na história da Igreja – confinada ao referido Mosteiro de Dume a que presidia), de que foi primeiro bispo, em 556.  Mais tarde, por vacatura da sé bracarense, em 569, foi eleito arcebispo metropolita de Braga, capital do Reino Suevo. Terá ele mesmo fundado a igreja e o mosteiro de S. Martinho de Tours, em Cedofeita, no Porto, cidade que era um importante posto militar e administrativo.
Reuniu o Concílio de Braga, em 563, que estabeleceu a proibição da execução de muitos dos hinos e cantos de caráter popular, introduzidos nas missas e noutras celebrações. Ao longo dos anos, a música litúrgica foi sendo fixada no Cantochão ou Canto Gregoriano, mas o povo, apoiado num substrato musical ancestral, apoderara-se de alguns destes cânticos da Igreja e popularizou-os, dando-lhes o seu próprio cunho.
Além de batalhador pela ortodoxia contra os arianos, foi também um fecundo escritor. Entre as principais obras, citam-se os escritos canónicos e litúrgicos. Destacou-se também como tradutor (designadamente, dos pensamentos dos padres egípcios).
É também uma figura de capital relevância na história da cultura e língua portuguesas; com efeito, julgando indigna de cristãos a denominação clássica dos dias da semana pelas expressões latinas pagãs – Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, foi o primeiro a usar a terminologia eclesiástica para os designar (Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies), donde os modernos dias em Português (segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira. Sexta-feira, sábado e domingo), caso único nas línguas novilatinas, dado ter sido a única a substituir inteiramente a terminologia pagã pela terminologia cristã. Note-se, ademais, como razoavelmente a palavra domingo (dia do Senhor) aparece no feminino nalguns textos, devido à oscilação de género (masculino e feminino) da palavra dies.
Esta reforma da designação dos dias da semana explica o facto de os mais antigos documentos redigidos em português, fortemente influenciados por este latim eclesiástico, não terem qualquer vestígio da velha designação romana dos dias da semana, indício da forte ação desenvolvida por Martinho e seus sucessores. Porém, não logrou êxito na tentativa de substituir os nomes dos planetas, pelo que ainda hoje os chamamos pelos seus nomes clássicos pagãos.
Morreu no dia 20 de março de 579 e foi sepultado na catedral de Dume. Para si mesmo compôs o seguinte epitáfio: Nascido na Panónia, atravessando vastos mares, impelido por sinais divinos para o seio da Galiza, sagrado bispo nesta tua igreja, ó Martinho confessor, nela instituí o culto e a celebração da missa. Tendo-te seguido, ó patrono, eu, o teu servo Martinho, igual em nome que não em mérito, repouso agora aqui na paz de Cristo.
Luís Ribeiro Soares publicou uma monografia sob o título A Linhagem Cultural de São Martinho de Dume, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto como tese de doutoramento, que o júri, na sua maioria nada preparado nos domínios da patrística e incapaz de apreciar a inovação trazida aos estudos martinianos por esta tese, reprovou o candidato, situação para a qual também terá contribuído o posicionamento crítico do autor perante o establishment universitário.
A memória litúrgica deste santo do século VI celebra-se a 5 de dezembro, juntamente com mais dois santos bracarenses Frutuoso e Geraldo.
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Finalmente, Martinho de Porres, ou Martinho de Lima, (nascido em Lima, a 9 de dezembro de 1579;  e falecido em Lima, a 3 de novembro de 1639) foi um religioso e santo peruano.
Era filho de João de Porres, nobre espanhol pertencente à Ordem de Alcântara e de Ana Velásquez, negra alforriada. Ainda na infância foi levado pelo pai, bem como a sua irmã Joana, para Guayaquil, onde o progenitor ocupava cargo relevante na administração local. Quatro anos depois, como João foi nomeado governador do Panamá, enviou o filho à mãe, em Lima (no Peru), deixando a filha ao cuidado de outros parentes.
Martinho tornou-se aprendiz de Mateo Pastor, que exercia o ofício de cirurgião, dentista e barbeiro. Foi com ele que o jovem mestiço aprendeu os rudimentos de medicina, que depois lhe iriam ser tão úteis no convento.
Resolveu dedicar-se à vida religiosa, com a idade de 15 anos, tentando entrar num convento da Ordem Dominicana, o que não foi fácil dada a sua condição de pobre e mestiço. Foi no convento de Nossa Senhora do Rosário que Martinho quis entrar na qualidade de doado, isto é, quase escravo, aceitando servir, não como frade, mas como irmão cooperador, o lugar mais baixo na hierarquia da Ordem. Comprometeu-se a servir toda a vida sem nenhum vínculo com a comunidade e com o único benefício de envergar o hábito religioso.
Após o primeiro ano de prova, recebeu o hábito de cooperador, o que não agradou ao orgulho do pai, de quem levava o apelido. João pediu aos superiores dominicanos que recebessem Martinho, de tão ilustre estirpe pelo lado paterno, ao menos na qualidade de irmão leigo. Ora, as constituições da época não permitiam receber na Ordem pessoas de cor. O Superior quis que fosse o próprio Martinho a decidir, o qual declarou: “Eu estou contente neste estado e é meu desejo imitar o mais possível a Nosso Senhor, que se fez servo por nós”. Encarregado da enfermaria do convento, auxiliava quantos se lhe dirigiam, fossem seus irmãos da comunidade, fossem pessoas da cidade. Além de cuidar da enfermaria, varria o convento, cuidava da rouparia, cortava o cabelo dos duzentos frades e era o sineiro, dispensando ainda de seis a oito horas por dia à oração.
Quando Lima foi atingida por avassaladora epidemia, sessenta religiosos, no convento do Rosário, ficaram enfermos e muitos estavam numa secção fechada do convento. Martinho teria passado a portas fechadas para tratar deles, comportamento que encontraria resistência. Além disso, levava doentes para o convento, até que o Superior Provincial, alarmado por causa do contágio, o proibiu de o continuar a fazer. Entretanto, a sua irmã, que morava no país, ofereceu a casa para alojar todos aqueles que a residência do religioso não pudesse. Um dia, encontrou na rua um pobre índio, sangrando até à morte devido a uma punhalada, e levou-o para a sua própria cela. O Superior, ao saber disto, repreendeu-o por desobediência, mas ficou extremamente edificado com a resposta de Martinho, que pedia perdão pelo seu erro e solicitava ao Superior que o instruísse. Confessou não saber que o preceito da obediência se sobrepunha ao da caridade. Perante atitude tão humilde como sábia, o Superior deu-lhe toda a liberdade para seguir posteriormente as suas inspirações no exercício da misericórdia.
Ele próprio cultivava, na horta que possuía, as plantas que utilizava para as suas mezinhas.
De passagem por Lima, o Bispo de La Paz achou-se doente, pelo que mandou que chamassem Frei Martinho para que o curasse. O simples contacto da mão do frade doado em seu peito livrou-o da grave moléstia que o levaria ao túmulo.
Para lá daquelas inúmeras atividades, Martinho ainda saía do convento a pedir esmolas para os mais necessitados. Com o corpo gasto pelo trabalho excessivo e acurado, jejum contínuo e penitência, faleceu em 1639, aos 60 anos de idade.
Precioso amigo e colaborador de Santa Rosa de Lima e de Juan Macias, igualmente da Ordem de São Domingos, Martinho de Porres, o santo, dos séculos XVI e XVII, patrono dos mestiços católicos, foi beatificado em 1837 pelo Papa Gregório XVI e canonizado pelo Papa João XXIII em 1962. A sua memória litúrgica celebra-se a 3 de novembro. 

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