O Ministro Nuno Crato declarou
hoje, dia 20 de dezembro, à Comunicação Social que a prestação da PACC (Prova
de Avaliação de Conhecimentos e Competências) no dia de ontem, por parte dos
candidatos à docência, mostra que ela já foi assumida pelos novos professores. Já
todos interiorizaram que a prova é necessária para o ingresso na carreira
docente.
Ora, eu isto não o sabia. E confesso
que não sei se Sua Excelência o MEC tem mesmo razão. Vejamos.
Quando os serviços começaram a
deixar passar para a opinião pública a data da prova, transpareceu desde logo a
indicação, quase por absurdo, de que a prestação seria a 20 de dezembro – em dia
de sábado em que apenas funcionam os serviços públicos marcados pela urgência e
pela inadiabilidade. A data, como se sabe, veio mais tarde a ser fixada para a
tarde de 19 de dezembro. Estamos a referir-nos apenas à primeira parte da prova,
a parte do tronco comum, já que as provas de especialidades terão início a 1 de
fevereiro.
Tanto quanto transpirou para a Comunicação
Social, os serviços também terão pensado em transferir o local da prestação das
PACC para estabelecimentos de ensino superior. Tal hipótese terá sido
abandonada ou pela indisponibilidade das instituições de ensino superior (de estranhar,
já que estas instituições se veem com dificuldades de ocupação, dada a
rarefação de frequência), que se veem desautorizadas no seu múnus de formação
inicial de professores ou pelo receio de viabilização da contestação
sustentável, em sede judicial, da prestação da PACC, dado que a legislação atinente
à matéria faz sempre referência a escolas e diretores de escola, o que parece não
contemplar as instituições de ensino superior.
Por outro lado, como é possível o
Ministro perder-se em declarações sobre a PACC como sobre as provas finais e
exames nacionais no ensino não superior quando sempre dizia que os exames
deveriam ser confiados a uma entidade independente externa ao MEC e até
transformou o GAVE em IAVE-IP? Mais: veio ontem a comparar a normalidade da PACC
com os exames ou as provas finais dos alunos, que também são avaliados num lapso
de tempo semelhante a este, vindo a passar quem sabe e a não passar quem não
sabe.
Ora todos sabemos que os exames/
provas finais dos alunos têm unicamente um peso de 30% sobre o total avaliativo
dos estudantes, a não ser no caso dos alunos autopropostos, os quais, se se
autopropuseram, se encontram formalmente desligados do regime de frequência
escolar no todo ou em parte. E não creio que o MEC ou o IAVE-IP tenha sobre a
mesa qualquer hipótese de conceder a habilitação profissional para a docência a
candidatos que não tenham já o diploma da formação inicial de professores,
neste momento o mestrado ou especialização em tudo equivalente. Demais, como é
que, além do IAVE-IP, se cria um JNP (Júri Nacional da Prova), à semelhança do
JNE (Júri Nacional de Exames) para o caso dos estudantes do ensino não
superior, que são em cada ano dezenas e dezenas de milhar de alunos, que se
traduzem em muitas centenas de milhar de provas, ao passo que, no caso de
candidatos à docência, no ano letivo anterior, pouco passou da dezena de milhar
o número de candidatos e, desta vez, foram somente 2811 os candidatos que se
inscreveram com êxito, tendo alguns faltado à prestação da prova?
***
Depois, como é que o Ministro pôde
afirmar que os candidatos à docência já assumiram a PACC como peça normal do
processo, quando a prestação da prova foi rodeada de medidas que estão muito
longe de poderem ser consideradas normais? Penso que ninguém pagará a Crato
para se posicionar como o então Ministro da Informação do Iraque, que dizia que
a situação estava perfeitamente controlada mesmo perante os bombardeamentos e o
avanço das tropas invasoras da força multinacional sobre Bagdade.
Em primeiro lugar, a marcação da
data da primeira parte da PACC acontece muito perto da mesma, não se conhecendo
as localidades da sua realização, incluindo a dúvida sobre se ela ocorreria em
estabelecimentos escolares ou em estabelecimentos do ensino superior. Depois,
os diretores de escola ou de agrupamento de escolas foram contactados no
sentido de prepararem o respetivo local bem como recrutar e reunir docentes para
a vigilância sob sigilo, que obviamente seria quebrado quando os candidatos
soubessem o local e a hora da prestação da PACC. Por outro lado, com uma antecedência
mais que suficiente, foi divulgada a informação de que as forças da ordem patrulhariam
as vias de acesso às escolas, manter-se-iam no seu perímetro envolvente e interviriam
logo que solicitadas pelos diretores.
Quanto à vigilância policial, até
constou que os seus corpos de intervenção estariam de prevenção. Tal informação
veio a ser “desmentida” do dia 18 para o dia 19 de dezembro em termos sem qualquer
diferença substancial, ainda que ela exista do ponto de vista técnico-formal. O
CI ou as forças de intervenção rápida imediata não estariam de prevenção;
estavam, no entanto, “muito atentos” a qualquer alteração da ordem pública. Tanta
coisa para apenas 2811 candidatos no máximo!
Já não falo da concentração de
diretores numa localidade do centro do país para receberem instruções como se
uma questão tão transcendente se tratasse (quando hoje abundam os meios de explicitação
de normas e procedimentos) ou da forte vigilância inspetiva.
***
Se a postura do MEC revela uma
mescla de temor e prepotência, o dispositivo policial, ao menos no aspeto
psicossocial, foi notoriamente desproporcionado para a ação que estava em causa.
Entretanto, também não posso deixar de frisar a existência de uma espécie de
suplício de Tântalo da parte dos sindicatos representativos dos docentes. Dado o
número reduzidos de candidatos em causa, a matéria das provas não podia ter sido
objeto de uma greve, sob pena da sua banalização, nulidade de efeito e esvaziamento
como arma de reivindicação laboral. A prova deve ser contestada junto do MEC,
do CES, junto dos grupos parlamentares ou em ações de rua.
Era desproporcionado marcar uma
greve em que os grevistas, à partida, seriam em número excessivamente diminuto:
uma dezena de docentes em cerca 80 estabelecimentos de ensino. Isto não se faz.
Isto nada tem a ver com uma greve a avaliações ou a uma greve por regiões em
que o jogo com vários dias pode mobilizar o geral do corpo docente. Nunca se mandam
para a boca do lobo uma ou dias mansas ovelhas! Mesmo que teoricamente seja aceitável
(por que o é efetivamente) o slogan “Do
Crato tudo espero, mas de um colega… Não vigies!”, ele torna-se perverso na
prática e cria situações de animosidade indesejáveis e sem efeito tangível, a
não ser no clima que o MEC parece querer que reine na escola.
***
Eu já não acredito que não seja necessário
intervir na formação inicial de professores e nas condições de acesso à mesma. Primeiro,
não pode generalizar-se a ideia de que quem não consegue média para entrar em determinados
cursos vá para educador ou para professor, devendo, ao invés, ser definidos
alguns pressupostos e pré-requisitos. Depois, não se podem tolerar sintomas de crassa
iliteracia em indivíduos que saiam das fornadas da formação de professores,
como não se pode aceitar a falta de perfil ético e deontológico. E sobretudo
não é aceitável que um profissional fadado para educar para a cidadania, autonomia
e responsabilidade, não tenha conhecimento dos seus direitos/deveres legais,
estatutários e regulamentares, não exiba um perfil de forte autonomia científica
e técnica, ou venha a ceder à tentação de inevitavelmente ter de se arrodilhar
em torno de diretores ou de qualquer detentor de poder, o que não se torna
incompatível com a obrigação da cortesia, da cooperação e da obediência – esta quando
e só quando efetivamente necessária.
Por outro lado, o Estado tem
várias hipóteses de opção de sistemas de formação de docentes. Se pretende
oferecer uma formação especializada em relação da matéria, mas sem desembocar
no ensino, então promova a formação académica a nível de mestrado nas instituições
do ensino superior e, a seguir, forneça aos interessados a formação pedagógica
em regime de estágio e exame de estado (já foi assim); se quer ministrar uma formação
inicial de formação de professores (teórica e prática) completa no seio das
academias, com estágio a sério e integrado, então respeite em absoluto o pressuposto
de que essa formação deverá ser certificada pela respetiva academia – e, se a
academia não serve, não poderá ser autorizada a ministrar esses cursos. Não pode
argumentar-se com a história de advogados, médicos engenheiros ou arquitetos,
já que as academias não lançam para o mercado esses profissionais, mas
licenciados ou mestres nessas áreas. Em certo sentido, poderia excecionar-se a
medicina, já que o hospital universitário está quase umbilicalmente conexo com
a respetiva faculdade ou escola.
E, se o MEC ainda julga
necessário sujeitar os profissionais em carreira a provas com vista a promoção
(que não a mera progressão), que o estabeleça para futuro e só para futuro,
deixando que sejam respeitados os direitos adquiridos e as expectativas que legitimamente
foram criadas. Deve deixar-se de eufemismos irritantes, de atitudes persecutórias
e de atropelo à paz e tranquilidade dos docentes formados até à entrada em
funções deste governo.
Julgo que é mister do governo
governar e não entreter-se a criar problemas aos seus colaboradores,
preservando a autoridade do Estado e não arrastando consigo para o desprestígio
toda uma plêiade de servidores públicos qualificados.
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