sábado, 20 de dezembro de 2014

Eu não sabia que eles tinham assumido...

O Ministro Nuno Crato declarou hoje, dia 20 de dezembro, à Comunicação Social que a prestação da PACC (Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências) no dia de ontem, por parte dos candidatos à docência, mostra que ela já foi assumida pelos novos professores. Já todos interiorizaram que a prova é necessária para o ingresso na carreira docente.
Ora, eu isto não o sabia. E confesso que não sei se Sua Excelência o MEC tem mesmo razão. Vejamos.
Quando os serviços começaram a deixar passar para a opinião pública a data da prova, transpareceu desde logo a indicação, quase por absurdo, de que a prestação seria a 20 de dezembro – em dia de sábado em que apenas funcionam os serviços públicos marcados pela urgência e pela inadiabilidade. A data, como se sabe, veio mais tarde a ser fixada para a tarde de 19 de dezembro. Estamos a referir-nos apenas à primeira parte da prova, a parte do tronco comum, já que as provas de especialidades terão início a 1 de fevereiro.
Tanto quanto transpirou para a Comunicação Social, os serviços também terão pensado em transferir o local da prestação das PACC para estabelecimentos de ensino superior. Tal hipótese terá sido abandonada ou pela indisponibilidade das instituições de ensino superior (de estranhar, já que estas instituições se veem com dificuldades de ocupação, dada a rarefação de frequência), que se veem desautorizadas no seu múnus de formação inicial de professores ou pelo receio de viabilização da contestação sustentável, em sede judicial, da prestação da PACC, dado que a legislação atinente à matéria faz sempre referência a escolas e diretores de escola, o que parece não contemplar as instituições de ensino superior.
Por outro lado, como é possível o Ministro perder-se em declarações sobre a PACC como sobre as provas finais e exames nacionais no ensino não superior quando sempre dizia que os exames deveriam ser confiados a uma entidade independente externa ao MEC e até transformou o GAVE em IAVE-IP? Mais: veio ontem a comparar a normalidade da PACC com os exames ou as provas finais dos alunos, que também são avaliados num lapso de tempo semelhante a este, vindo a passar quem sabe e a não passar quem não sabe.
Ora todos sabemos que os exames/ provas finais dos alunos têm unicamente um peso de 30% sobre o total avaliativo dos estudantes, a não ser no caso dos alunos autopropostos, os quais, se se autopropuseram, se encontram formalmente desligados do regime de frequência escolar no todo ou em parte. E não creio que o MEC ou o IAVE-IP tenha sobre a mesa qualquer hipótese de conceder a habilitação profissional para a docência a candidatos que não tenham já o diploma da formação inicial de professores, neste momento o mestrado ou especialização em tudo equivalente. Demais, como é que, além do IAVE-IP, se cria um JNP (Júri Nacional da Prova), à semelhança do JNE (Júri Nacional de Exames) para o caso dos estudantes do ensino não superior, que são em cada ano dezenas e dezenas de milhar de alunos, que se traduzem em muitas centenas de milhar de provas, ao passo que, no caso de candidatos à docência, no ano letivo anterior, pouco passou da dezena de milhar o número de candidatos e, desta vez, foram somente 2811 os candidatos que se inscreveram com êxito, tendo alguns faltado à prestação da prova?
***
Depois, como é que o Ministro pôde afirmar que os candidatos à docência já assumiram a PACC como peça normal do processo, quando a prestação da prova foi rodeada de medidas que estão muito longe de poderem ser consideradas normais? Penso que ninguém pagará a Crato para se posicionar como o então Ministro da Informação do Iraque, que dizia que a situação estava perfeitamente controlada mesmo perante os bombardeamentos e o avanço das tropas invasoras da força multinacional sobre Bagdade.
Em primeiro lugar, a marcação da data da primeira parte da PACC acontece muito perto da mesma, não se conhecendo as localidades da sua realização, incluindo a dúvida sobre se ela ocorreria em estabelecimentos escolares ou em estabelecimentos do ensino superior. Depois, os diretores de escola ou de agrupamento de escolas foram contactados no sentido de prepararem o respetivo local bem como recrutar e reunir docentes para a vigilância sob sigilo, que obviamente seria quebrado quando os candidatos soubessem o local e a hora da prestação da PACC. Por outro lado, com uma antecedência mais que suficiente, foi divulgada a informação de que as forças da ordem patrulhariam as vias de acesso às escolas, manter-se-iam no seu perímetro envolvente e interviriam logo que solicitadas pelos diretores.
Quanto à vigilância policial, até constou que os seus corpos de intervenção estariam de prevenção. Tal informação veio a ser “desmentida” do dia 18 para o dia 19 de dezembro em termos sem qualquer diferença substancial, ainda que ela exista do ponto de vista técnico-formal. O CI ou as forças de intervenção rápida imediata não estariam de prevenção; estavam, no entanto, “muito atentos” a qualquer alteração da ordem pública. Tanta coisa para apenas 2811 candidatos no máximo!
Já não falo da concentração de diretores numa localidade do centro do país para receberem instruções como se uma questão tão transcendente se tratasse (quando hoje abundam os meios de explicitação de normas e procedimentos) ou da forte vigilância inspetiva.
***
Se a postura do MEC revela uma mescla de temor e prepotência, o dispositivo policial, ao menos no aspeto psicossocial, foi notoriamente desproporcionado para a ação que estava em causa. Entretanto, também não posso deixar de frisar a existência de uma espécie de suplício de Tântalo da parte dos sindicatos representativos dos docentes. Dado o número reduzidos de candidatos em causa, a matéria das provas não podia ter sido objeto de uma greve, sob pena da sua banalização, nulidade de efeito e esvaziamento como arma de reivindicação laboral. A prova deve ser contestada junto do MEC, do CES, junto dos grupos parlamentares ou em ações de rua.
Era desproporcionado marcar uma greve em que os grevistas, à partida, seriam em número excessivamente diminuto: uma dezena de docentes em cerca 80 estabelecimentos de ensino. Isto não se faz. Isto nada tem a ver com uma greve a avaliações ou a uma greve por regiões em que o jogo com vários dias pode mobilizar o geral do corpo docente. Nunca se mandam para a boca do lobo uma ou dias mansas ovelhas! Mesmo que teoricamente seja aceitável (por que o é efetivamente) o slogan “Do Crato tudo espero, mas de um colega… Não vigies!”, ele torna-se perverso na prática e cria situações de animosidade indesejáveis e sem efeito tangível, a não ser no clima que o MEC parece querer que reine na escola.
***
Eu já não acredito que não seja necessário intervir na formação inicial de professores e nas condições de acesso à mesma. Primeiro, não pode generalizar-se a ideia de que quem não consegue média para entrar em determinados cursos vá para educador ou para professor, devendo, ao invés, ser definidos alguns pressupostos e pré-requisitos. Depois, não se podem tolerar sintomas de crassa iliteracia em indivíduos que saiam das fornadas da formação de professores, como não se pode aceitar a falta de perfil ético e deontológico. E sobretudo não é aceitável que um profissional fadado para educar para a cidadania, autonomia e responsabilidade, não tenha conhecimento dos seus direitos/deveres legais, estatutários e regulamentares, não exiba um perfil de forte autonomia científica e técnica, ou venha a ceder à tentação de inevitavelmente ter de se arrodilhar em torno de diretores ou de qualquer detentor de poder, o que não se torna incompatível com a obrigação da cortesia, da cooperação e da obediência – esta quando e só quando efetivamente necessária.
Por outro lado, o Estado tem várias hipóteses de opção de sistemas de formação de docentes. Se pretende oferecer uma formação especializada em relação da matéria, mas sem desembocar no ensino, então promova a formação académica a nível de mestrado nas instituições do ensino superior e, a seguir, forneça aos interessados a formação pedagógica em regime de estágio e exame de estado (já foi assim); se quer ministrar uma formação inicial de formação de professores (teórica e prática) completa no seio das academias, com estágio a sério e integrado, então respeite em absoluto o pressuposto de que essa formação deverá ser certificada pela respetiva academia – e, se a academia não serve, não poderá ser autorizada a ministrar esses cursos. Não pode argumentar-se com a história de advogados, médicos engenheiros ou arquitetos, já que as academias não lançam para o mercado esses profissionais, mas licenciados ou mestres nessas áreas. Em certo sentido, poderia excecionar-se a medicina, já que o hospital universitário está quase umbilicalmente conexo com a respetiva faculdade ou escola.
E, se o MEC ainda julga necessário sujeitar os profissionais em carreira a provas com vista a promoção (que não a mera progressão), que o estabeleça para futuro e só para futuro, deixando que sejam respeitados os direitos adquiridos e as expectativas que legitimamente foram criadas. Deve deixar-se de eufemismos irritantes, de atitudes persecutórias e de atropelo à paz e tranquilidade dos docentes formados até à entrada em funções deste governo.

Julgo que é mister do governo governar e não entreter-se a criar problemas aos seus colaboradores, preservando a autoridade do Estado e não arrastando consigo para o desprestígio toda uma plêiade de servidores públicos qualificados.

Sem comentários:

Enviar um comentário