Vinte e cinco anos depois da
queda do muro de Berlim, cai o “segundo muro”, o que opunha diplomática e
comercialmente a relação Cuba/Estados Unidos. Interpretando a vontade
maioritária das populações americana, cubana e hispano-americana, o Presidente
Barack Obama bradou que “todos somos americanos”, à semelhança de Helmut Khol,
que, em coerência com o seu labor pelo fortalecimento do projeto de união europeia,
apostou na realidade de que só havia uma Alemanha.
Também agora o presidente
norte-americano, mesmo com a ira do Congresso, decidiu fazer o que pode:
promover a libertação mútua de presos cubanos nos EUA e de presos norte-americanos
em Cuba e levar a cabo a nomeação recíproca de embaixadores. A seguir, a
decisão política do Congresso há de viabilizar as relações comerciais, pondo-se
fim ao embargo diplomático e económico vigente desde 1961 (mais de meio
século). O próprio presidente cubano Raul Castro elogiou a simpatia da
iniciativa do presidente Obama e não se esqueceu de salientar a vontade do povo
cubano.
Em 1989, a opinião pública
mundial e, em especial, a opinião pública europeia ficaram moduladas pelos
reflexos das lutas do sindicato polaco “Solidariedade”, pelas intuições
reformistas de Gorbatchev consignadas tanto no campo político, representadas pelo projeto Glasnost, como no campo económico, através da Perestroica, e pela força anímica do Papa João Paulo II – o
que levou ao desabar do império soviético e ao fim guerra fria, embora com os
riscos hoje por demais conhecidos e sentidos. Agora, o descalabro mundial do
sistema financeiro, de efeitos ainda não previsíveis de todo, o pulular dos
conflitos regionais e o amadurecimento de algumas democracias latino-americanas
lançaram o ceticismo, para não dizer o descrédito, sobre o capitalismo
internacional (gerador do fosso cada vez maior entre os poucos muitíssimo ricos
e os muitíssimos muitíssimo pobres, com uma classe média, de permeio, em crise
sistémica e pandémica) e sobre o capitalismo de Estado (inoperante ou
assimilável economicamente ao capitalismo liberalista. Veja-se o caso da China
com a compra da EDP). Ademais, trata-se do fortalecimento do continente
americano e da unidade atlântica.
Depois das contundentes críticas
de Bento XVI à economia de mercado absoluta e ao presidencialismo político-económico
de alguns países, como o caso de Angola, surge a figura simpática e contundente
do Papa argentino. E, sim, depois dum considerável tempo em que representantes
das duas partes entabularam negociações e até se encontraram no Vaticano,
surgiu a decisão histórica tomada pelos governos dos
Estados Unidos da América e de Cuba de estabelecerem relações diplomáticas, com
o escopo de britar, em prol dos cidadãos dos dois países, as dificuldades que marcaram
esta sua história mais que semissecular.
A própria Santa Sé declarou a verdade da sua intervenção diplomática, através
dos seus especialistas na matéria, nas negociações entre os dois países com vista
ao encontro de “soluções aceitáveis para ambas as partes”.
Assim, um comunicado da
Secretaria de Estado do Vaticano informou que o Papa Francisco, nesta quarta-feira,
dia 17, “saúda vivamente” e “expressa os seus
parabéns” pela “histórica decisão”
dos dois países de restabelecerem relações diplomáticas “pelo interesse dos
respetivos cidadãos”, superando as “dificuldades que marcaram a sua história
recente”. O mesmo documento revela que o Pontífice escrevera a Raul de Castro e
a Barack Obama, “convidando-os a resolver questões humanitárias de interesse
comum, como a situação de alguns detidos, para dar início a uma nova fase das
relações entre as partes”. Foi também verdade que a Santa Sé acolheu, em
outubro próximo passado, no Vaticano, delegações dos dois países,
disponibilizando os seus bons ofícios para facilitar e agilizar “o diálogo
construtivo sobre temas delicados”. Trata-se de um encontro de que resultaram “soluções
satisfatórias para ambas as partes”.
A Santa Sé revela garante
que se mantém no propósito de “continuar a apoiar as iniciativas” que os
Estados Unidos da América e Cuba levem a cabo para promover e assegurar “as
suas relações bilaterais e favorecer o bem-estar dos respetivos cidadãos”.
O Presidente cubano, do seu lado do seu lado, que falou aos meios de comunicação ao mesmo tempo que o Presidente dos
EUA discursava na Casa Branca, afirmou, na sua intervenção, ter falado com
Barack Obama por telefone na terça-feira, dia 16. Raul
Castro teceu, pois, rasgados encómios ao papel do Papa Francisco e do Vaticano,
que acolheram o encontro conclusivo de 18 meses de conversações desenvolvidas e
mantidas em absoluto segredo.
Não há dúvida de que, segundo
a Casa Branca, a permuta, ou melhor o regresso de prisioneiros à sua nação, marcou
uma “mudança histórica” nas relações diplomáticas e económicas entre as duas
nações, que passa ainda, para já, pela minoração das sanções económicas impostas
unilateralmente pelos Estados Unidos da América – o dito embargo.
Segundo declarou em conferência de imprensa o presidente norte-americano,
Barack Obama, o Vaticano e o próprio Papa Francisco intervieram diretamente
neste processo, solicitando às duas partes que restabelecessem o diálogo e
promovessem as mudanças necessárias.
“Sua Santidade, o Papa
Francisco, dirigiu-me um apelo pessoal, bem como ao presidente de Cuba, Raul
Castro, pedindo-nos que resolvêssemos o caso de Alan [Gross, preso há cinco
anos em Cuba] e que tivéssemos em consideração os interesses de Cuba na
libertação de três agentes cubanos que estão presos nos Estados Unidos há mais
de 15 anos”, revelou Obama.
De acordo com as
informações avançadas pela CNN, a libertação de Alan Gross, de 65 anos, por
motivos “humanitários” pressupõe também a libertação por parte dos EUA dos três
agentes cubanos, Gerardo Hernandez, Luis Medina e Antonio Guerrero. Os outros dois “heróis”, como são
conhecidos em Cuba, já foram libertados depois de terem cumprido a sua pena.
Gross foi detido em
dezembro de 2009 e condenado a 15 anos de prisão por importar tecnologia
proibida para a ilha e tentar estabelecer um serviço de Internet para os judeus cubanos.
Os
cinco cubanos foram detidos por espiar os grupos de exilados na Florida, sendo
considerados heróis na ilha. Gerardo Hernandez foi condenado ainda por
conspiração no abate de dois aviões civis norte-americanos, em 1996, que faziam
voos não autorizados no espaço aéreo cubano, tendo morrido quatro cubano-americanos.
Além destas pessoas, Cuba
libertou ainda um responsável dos serviços secretos norte-americanos, preso há
vários anos.
***
Na referida conferência de imprensa, Barack Obama adverte
os que se opõem ao fim do embargo a Cuba de que não faz qualquer sentido
continuar a fazer a mesma coisa durante cinco décadas esperando resultados
diferentes.
O Presidente Obama começou a aludida conferência na Casa Branca anunciando: “Hoje os EUA vão mudar a
sua relação com o povo de Cuba”, declarando que se trata da
mudança mais significativa nas políticas entre os dois países em mais de 50
anos. Ademais, informou que secretário de Estado John Kerry vai entabular de imediato diálogo com
Cuba para restabelecer
as relações entre os dois países e que os Estados Unidos vão voltar a ter a embaixada em Havana.
Quanto ao embargo que os
EUA mantêm a Cuba desde há 53 nos, Obama não acredita que este, embora “bem
intencionado”, tenha cumprido o seu propósito. Porém, o Presidente evidencia a
sua perplexidade já que, para levantar o embargo, precisará do apoio do poder
legislativo, nomeadamente do Congresso, que neste momento é controlado pelos
Republicanos, a força política oposta ao Presidente.
Por outro lado, Barack
Obama acredita e espera que uma presença americana mais forte potenciará uma
transformação profunda na sociedade cubana, uma vez que, segundo as suas palavras,
o país aprendeu, com uma dureza inigualável, que “uma transformação duradoura
num país é mais provável se o povo não for sujeito a caos”.
Por isso, além de a
conferência de imprensa ter constituído uma boa ocasião para o Presidente agradecer
ao Papa Francisco pela sua mediação no processo de libertação de Alan Gross da
prisão cubana, ela estriba-se em duas ideias fundamentais ou pressupostos:
todos, EUA e Cuba, são americanos; e os EUA podem ajudar cubanos a “entrar no
século XXI”.
Assim, em relação ao segundo
pressuposto, os Estados Unidos vão trabalhar ainda para aumentar o fluxo de
viagens e de imigração entre os dois países, visto que, acentua Barack Obama, “ninguém representa melhor os valores americanos do
que os seus cidadãos”, na crença e na esperança de que o
intercâmbio cultural possa promover mudanças na sociedade cubana. Por seu
turno, as trocas financeiras também
vão aumentar, dado que os EUA farão subir o limite de
transferências monetárias para Cuba, medida possível a partir da utilização dos
fundos respeitantes às transferências com fins de caridade.
Na ótica do Presidente,
era a prisão do americano Alan Gross que o impedia de avançar com estas
alterações, que vinham sendo planeadas há vários anos. Com a sua libertação, o
país pode trabalhar para mudar a natureza da sua relação conturbada com Cuba.
Se bem que os dois países
vão discordar frequentemente tanto no atinente à política externa como no
atinente à política interna, o presidente dos EUA assume-o, esclarecendo: “Quando discordarmos, expressaremos as nossas
diferenças diretamente”. E tem uma forte e firme convicção: “Podemos ajudar o povo cubano a ajudar-se a si
próprio à medida que entra no século XXI”.
Já quanto ao primeiro pressuposto, “Todos somos americanos”, Barack Obama,
ao agradecer ao Papa, também o inclui, por via da Argentina, naquela asserção.
E, mesmo com a perceção assumida de que a mudança será difícil, estabelece o enunciado histórico de que “hoje a América escolhe
largar as amarras do passado, pelo povo cubano, pelo povo americano”.
***
Oxalá que a
irreversibilidade deste gesto histórico logre um lugar ao sol na História para
a gesta de Raul, Barack e Francisco.
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