No quadro temporal da liturgia natalícia, logo no dia 26, celebra a
Igreja Católica a festa de santo Estêvão, o protomártir, um dos primeiros
diáconos dos primórdios da vida da Igreja.
“Estêvão” significa coroa de louros ou, por metonímia, o “coroado de louros”, o “que
tem uma coroa de louros”, “o vitorioso”. A coroa é uma caraterística que simboliza
o transcendente, o divino e o único de uma realização. Personifica a dignidade,
o poder, a realeza e as atitudes estimuladas e dirigidas pelas forças
superiores. Coroa de louros era a insígnia ou adorno com que se aclamavam os
chefes militares vitoriosos, os quais no tempo do Império Romano passavam com
os seus sequazes pelo arco de triunfo, enquanto os vencidos passavam sob o jugo
e eram votados à escravidão.
O nome de Estêvão tem origem no grego Stéphanos e chega-nos através do
latim Stephanus, e quer dizer literalmente “coroa”. Estefânio
(talvez proveniente do adjetivo stephánios, no grego tardio) é a forma
mais antiga e Estefânia, o nome no feminino.
Estêvão é nome de uma personalidade bíblica
mencionada no Novo Testamento, no livro dos Atos apóstolos, como um dos sete
primeiros diáconos. Segundo este livro do Novo Testamento, como o número dos
discípulos ia aumentando, houve reclamações da parte dos cristãos provindos do
helenismo contra os provenientes do judaísmo, porque as suas viúvas eram
esquecidas no serviço diário. Os Doze apóstolos entenderam que não podiam
deixar a pregação para se entregarem ao serviço das mesas. Por isso,
solicitaram aos irmãos que escolhessem de entre si sete homens de boa
reputação, cheios do Espírito e de Sabedoria. Agradada da proposta, a
assembleia escolheu sete homens para a diaconia das mesas, e o primeiro dos que
vêm nomeados é Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo (cf At 6,1-5).
Entretanto, cheio de graça e de força,
este diácono operava extraordinários milagres e prodígios, o que levou alguns
membros da sinagoga – que, na discussão com ele, não resistiam à sabedoria e ao
Espírito com que falava – a subornar uns homens com vista à acusação de
blasfémia e consequente condenação à morte por apedrejamento (cf At 6,8-15).
Já depois de preso, proferiu um longo
discurso de edificação bíblica e apostólica (cf At 7,1-53), o que não impediu o martírio (antes o acirrou). Porém, a sua postura foi de obediência, visão dos céus abertos e de
súplica de entrega a Deus, Senhor Jesus,
recebe o meu espírito, e propiciatória, Senhor,
não lhes atribuas este pecado. (vd At 7,53-60).
Tornou-se assim o primeiro mártir
cristão, tendo este facto granjeado enorme popularidade ao longo a história,
sobretudo nos primeiros séculos.
Surge, séculos mais tarde, na Inglaterra
numa época anterior à conquista normanda, nas formas Stephanus e Stefanus,
tornando-se muito comum como um nome cristão. Ainda é muito popular nos Estados
Unidos e na Europa, principalmente na Grécia e na França, onde é utilizado para
designar pessoas de ambos os sexos. Em Portugal, foi encontrado em obras do
século XIII.
Estêvão foi nome de vários reis na Inglaterra
(por exemplo, Stephen de Blois foi
rei de Inglaterra no século XII), Sérvia (dez reis Stjepan; Stjepan Nemanja
unificou-a), Hungria (cinco reis Istvan)
e Polónia, além que ter sido adotado por dez papas. O mais conhecido da realeza
foi o rei Estêvão da Inglaterra, nascido na França, acima mencionado, cujo
reinado está compreendido entre os anos de 1135 e 1154.
São também conhecidos: Stefan Zweig (1881-1942), escritor
austríaco; Stefan Wyszynski (1901-1981), arcebispo primaz da Polónia; Stéphane Mallarmé (1842-1898), poeta
francês; princesa Stephanie do
Mónaco, contemporânea e mulher mediática; e os contemporâneos Stéphane
Grapelli (jazzman) e Stephen
King (o prolixo escritor especializado em terror).
Em Portugal,
tivemos a rainha Dona Estefânia (1837-1859), consorte de D. Pedro V,
falecida antes do marido; Estêvão Afonso (século XV), navegador; Estêvão
Afonso (século XVI), navegador, filho de Vasco da Gama; e Estêvão Amarante
(1889-1951), ator.
Em Português,
diz-se Estêvão ou Estevão (formas populares) e Estefânio
ou Estéfano e Estefânia; em Espanhol, Estefânio,
Esteban; em Francês, Stephane, Stephanie, Stephana, Étienne;
em Inglês, Stephanie, Steffany; em Italiano, Stefano; e em
Alemão, Stefan.
***
Ana Belo, no seu Mil e Tal Nomes Próprios – a magia dos nomes
(Arte
Plural Edições: 1997),
diz-nos que Estêvão é dotado de alma sensível e fértil de criador, que
necessita, para se realizar, de encontrar estabilidade na vida afetiva.
Curioso, alimenta a imaginação interessando-se por uma infinidade de coisas. Se
dispuser de trabalho que lhe mobilize o interesse e o satisfaça, torna-se um
excelente profissional.
Porém, de Estefânio salienta o
facto de não fazer concessões a não ser que delas tire vantagem. Classifica-o
de “diplomata e articulador emérito”, que logra facilmente grande destaque
social. Fortemente influenciado pela família e marcado pela desconfiança nos
novos conhecimentos e relações, sente dificuldade em conseguir uma união feliz.
Estefânia, por seu turno, aparece
como uma mulher inteligente, dotada de forte imaginação e de grande sentido
estético, mas que tende a deixar-se levar pelos sonhos. Recalca o amor e a
paixão, podendo explodir em violência e arrebatamento. Tem o perfil da mulher
sentimental simultaneamente tortuosa e sedutora.
É bom e oportuno que aqueles que
ostentam os nomes de Estêvão ou de Estefânio ou a sua versão feminina
verifiquem a veridicidade das referências de Ana Belo.
***
Colocando de parte o percurso
linguístico-histórico do nome “Estêvão” e voltando ao domínio da
espiritualidade estefânica – consubstanciada no serviço material das mesas em
espírito evangélico, no testemunho apostólico por palavras, atitude, milagres e
prodígios (graças à liberalidade divina), na contemplação do Filho de Deus e
seus anjos no céu aberto, na serenidade do martírio, na oração de abandono nas
mãos de Deus e na prece propiciatória pelos pecados de outrem – podemos atender
àquilo que o Papa Francisco discorreu hoje sobre o martírio de Estêvão
previamente à recitação do Angelus.
“Escolhido por ordem dos
apóstolos, juntamente com mais seis homens para a diaconia da caridade, ou seja,
para a assistência aos pobres, aos órfãos e viúvas na comunidade jerosolimita,
torna-se o primeiro mártir dos novos tempos”. O Papa alarga o âmbito da assistência, já que
o Livro dos Atos apenas menciona explicitamente as reclamações a propósito das
viúvas. Mas, com toda a razão, uma vez que o mesmo Livro refere que os
discípulos proviam às necessidades de todos, de modo que entre eles não havia
necessitados (cf At 2,45; 4,34-35). E Tiago, na sua carta, diz que a verdadeira
religião consiste em “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e não
se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 27).
Com o martírio, o santo “honra a
chegada ao mundo do Rei dos reis, dá dele testemunho e oferece como dádiva a
sua própria vida, no mesmo espírito com que servia os mais necessitados”, o que
me faz lembrar o aforismo talis vita
finis ita (tal vida, tal fim) e ao Papa o ensinamento para
nós “de como viver em plenitude o mistério do Natal”.
O martírio de Estêvão constitui
um momento de realização da promessa de Cristo, quando enviou os discípulos em
missão: “Sereis odiados por todos por causa do meu nome, mas quem perseverar
até ao fim será salvo” (Mt 10,22).
Segundo Francisco, estas palavras
do Senhor, longe de perturbarem a celebração natalícia, despojam-na daquele
“revestimento doce-falso” que “não lhe pertence”. Por outro lado, sublinhou
que, nas provações aceites por causa da fé, “a violência é vencida pelo amor, a
morte pela vida”.
E para o verdadeiro acolhimento
de Jesus na vida e para continuar nela a alegria da noite santa de Natal, o
evangelho indica o caminho, o de dar testemunho de Jesus na humidade, no
serviço silencioso, sem medo de andar contra a corrente e de sofrer como pessoa
até à perda da própria vida. É certo que nem todos os cristãos são chamados ao
martírio pelo derramamento de sangue, mas a cada cristão é solicitada, em todas
as circunstâncias, a coerência com a fé que professa. Não podemos dizer-nos
cristãos e viver como pagãos. Porém, a coerência é uma graça que hoje deve ser
implorada.
E, se é exigente o caminho de
seguimento do Evangelho, também é fascinante; e quem o trilha na fidelidade e
na coragem receberá o dom prometido pelo Senhor aos homens e mulheres de boa
vontade. Mais: a paz cantada pelos anjos na noite de Natal é dada por Deus a
ponto de serenar a consciência daqueles que, através das provações da vida,
acolhem a Palavra e se empenham em observá-la até ao fim.
Finalmente, o Papa Francisco convidou hoje os
católicos a rezar “especialmente” por quantos são “discriminados, perseguidos e
mortos” pelo “seu testemunho de Cristo”. E declarou que “gostaria de dizer a
cada um deles: se usais esta cruz com amor, entrastes no mistério do Natal,
estais no coração de Cristo e da Igreja”. Frisou, ainda, o pedido de que,
graças ao sacrifício destes mártires de hoje – e são muitíssimos – se reforce por
toda a parte o empenho por reconhecer e assegurar em concreto a liberdade religiosa,
que é um direito inalienável de cada pessoa humana.
***
Que o Martírio de Estêvão se torne
então penhor da liberdade de expressão, que a ele foi negada, e garantia da liberdade
religiosa, hoje tão espezinhada. Depois, seremos todos juntos, lá no Paraíso,
uma assembleia de santos livres e de adoradores voluntários.
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