O Primeiro-Ministro, na sua
mensagem de Natal, declarou que este é o primeiro Natal sem nuvens negras no
horizonte desde 2011.
Ao ouvir esta afirmação ainda
coloquei a mim mesmo a hipótese de Sua Excelência estar a referir-se ao aspeto
atmosférico. Com efeito, este ano o Natal foi frio, mas seco e com sol, pelo
menos em muitos lugares do território nacional. Porém, continuando a ouvi-lo,
apercebi-me de que o país acabara de sair de forma limpa de um programa de
resgate, ou seja, chegáramos ao termo de um período de recomposição da vida
nacional em todos os setores, embora à custa de graves sacrifícios da parte de
toda a gente. Mas, a partir do próximo dia 1 de janeiro, todos os medos se
dissiparão, o país (em que o salário mínimo nacional foi
aumentado e o serviço nacional de saúde está fortificado) ficará melhor, regressará o
investimento público e privado, aumentaram os postos de trabalho, os
funcionários públicos e os pensionistas verão melhorado o seu poder de compra e
todos beneficiarão da descida do imposto sobre o rendimento.
Confesso que gostava a sério de
acreditar nisso. Todavia parece-me que a graça da fé política neste discurso
primoministerial ainda não me tocou nas cordas do meu canto de louvor ao
Governo e ao seus propagandistas, de que destaco o jornalista José Gomes Ferreira
e o indefetível Miguel Ángel Belloso, diretor da revista espanhola Actualidad Económica e que tem página
semanal no DN português a defender explicitamente as teses liberais, neoliberais
e do capitalismo empresarial contra todos os ataques da esquerda, por mais
moderada que seja, e os argumentos papais.
Já não vou perder-me numa análise
política, social e económica da situação que tantos têm feito e a cuja reflexão
também eu próprio também tenho dedicado algumas mal organizadas linhas.
Todavia, algumas coisas devem ser
sublinhadas. O investimento (público e privado) timidamente agendado não pode
ser muito significativo, dado que o crescimento económico previsto em sede
orçamental cifrado em 1,5% não merece o crédito das instâncias internacionais
nem de muitas das portuguesas, a não ser que tenhamos em conta que o PIB, o
fator de referência, tem diminuído ao longo do tempo. E dizer que o crescimento
da economia é superior ao da média da zona Euro pouco adianta, já que esse
eurocrescimento anda pela cifra percentual de 0% (bastando
ao nosso, para ser superior, que o excedesse em 0,001%). Por seu turno, a relação
emprego/desemprego deve ter em conta, em termos de balanço credível, vários
fatores, como: a emigração (nos últimos três anos, saíram do
país perto de três centenas e meia de milhar de pessoas); a tímida adição de postos de
trabalho, alguns em regime de estágio e outros com a marca da precariedade, com
o rol de desempregados existentes (devendo incluir-se
nesse rol todos aqueles ativos que não têm real emprego em Portugal e não
apenas aqueles que contam para as estatísticas); e a estabilidade e a razoabilidade das condições
do trabalho.
Os funcionários públicos vão ter
a reposição dos cortes salariais determinados para 2011 e anos seguintes em 20%,
e muitos dos pensionistas verão abolida a CES, mas não será reposto o espectro
dos escalões do IRS nem ficará abolida a respetiva sobretaxa, ao passo que os
preços dos produtos essenciais continuam a aumentar convenientemente e a
fiscalidade verde, que se aplica a vários setores da atividade e da produção,
vai afetar, na prática, direta ou indiretamente todos os consumidores – dados
que esbaterão, para não dizer anular, algum diminuto desagravo em IRS ou o
ligeiro aumento do salário mínimo nacional a que se procedeu no último
trimestre de 2014 e que a troika vem criticando com a dureza habitual. Quanto
ao SNS, é melhor nem falar: basta dizer que as urgências do Hospital
Amadora-Sintra, na época natalina tiveram uma espera de 24 horas, porque muitos
médicos, que tinham excedido as horas extraordinárias, não puderam integrar as
listas de escala de urgência e os centros de saúde estavam fechados.
***
Todavia, o Primeiro-Ministro tem
alguma razão nalguns aspetos, que se discriminam a seguir, a mero título de
exemplo.
A verdura de esperança vê ironicamente
aí pelas mãos da fiscalidade verde (boa para a natureza, nefasta para o cidadão),
pelos pés da primavera, que não se fará esperar demasiado, pelas políticas do
BCE, pela baixa de custo do petróleo e pela desvalorização do euro.
Há, ainda – e mais importante – muitas
mais fontes de esperança: as iniciativas da sociedade civil. O país não desiste
de multiplicar os esforços de solidariedade junto de quem mais precisa.
Há dias, referi as ações
corporizadas em torno dos padres Dâmaso, Torres e outros no quadro da pastoral
penitenciária. O Bispo do Porto envolveu-se na celebração do Natal com as
pessoas “sós”, numa paróquia da periferia da cidade, e na celebração do mesmo
Natal, noutro momento, com os sem-abrigo, numa paróquia do centro, e protesta
querer um Natal nos termos seguintes:
“Queremos
ser casas e igrejas de portas abertas onde todos possam entrar e celebrar
Natal. Queremos sentar os pobres à nossa mesa de Natal, mas precisamos, também
nós, de nos sentarmos à mesa dos pobres e com eles partilharmos a vida,
afirmarmos a nossa presença solidária e testemunhamos a beleza da fé para que
não haja espaços vazios que ninguém ocupe, caminhos que ninguém percorra,
pessoas que ninguém conheça, visite ou ame.” (da Mensagem de Natal,
em 21 de dezembro).
E, neste aspeto, fico-me por aqui,
mas não sem dizer que esta dinâmica natalina do antístite portuense é apanágio
da ação de muitos - crentes e não crentes – no solo português e levada a cabo durante
o ano todo. É pena não ter o país um anuário atualizado de todo o bem que se
faz por este luso mundo de Cristo.
***
Por outro lado, o mundo inteiro
tem à sua frente o sinal do Papa Francisco, eloquente nos seus muitos gestos de
solidariedade, de que já destacámos o envio do esmoler a uma das prisões de alta
segurança para a celebração da Eucaristia e a entrega de prendas.
Talvez seja oportuno e benéfico
meditar sobre alguns pontos da sua mensagem de Natal prévia à bênção Urbi et Orbi, de que se respiga o
seguinte:
Jesus,
o Filho de Deus, a salvação para cada pessoa e para cada povo, nasceu para nós,
de uma virgem, em Belém, cumprindo as profecias. E são as pessoas humildes, esperançadas
na bondade de Deus, que O acolhem e reconhecem. Foi, pois, iluminados pelo Espírito
Santo, que os pastores acorreram à gruta e adoraram o Menino, que Simeão e Ana
acolheram no Templo como o Messias: “Meus olhos viram a salvação que ofereceste
a todos os povos” (Lc 2,30-31).
Ao
Salvador do mundo se roga pelos que no Iraque e na Síria sofrem há tanto tempo os
efeitos da guerra e pelos membros de outros grupos étnicos e religiosos que são
brutalmente perseguidos. Para eles se deseja a esperança do Natal, bem como para
“os inúmeros desalojados, deslocados e refugiados, crianças, adultos e idosos”,
daquela Região e do mundo inteiro.
O
papa aposta em que a indiferença perante quem sofre se mude em interesse,
proximidade e ação solidária e solicita “a quantos têm responsabilidades
políticas que se empenhem, através do diálogo, a superar os contrastes e
construir uma convivência fraterna duradoura”.
Francisco
recorda “as inúmeras crianças vítimas de violência, feitas objeto de comércio
ilícito e tráfico de pessoas, ou forçadas a tornar-se soldados; as crianças,
tantas crianças vítimas de abuso”; as “famílias das crianças” que recentemente “foram
assassinadas no Paquistão”; e “os que sofrem pelas doenças, especialmente as
vítimas da epidemia de ébola, sobretudo na Libéria, Serra Leoa e Guiné”.
O
Papa pensa em “todas as crianças assassinadas e maltratadas hoje, sejam aquelas
que o são antes de verem a luz, privadas do amor generoso dos seus pais e
sepultadas no egoísmo duma cultura que não ama a vida; sejam as crianças
desalojadas devido às guerras e perseguições, abusadas e exploradas sob os
nossos olhos e o nosso silêncio cúmplice; sejam ainda as crianças massacradas
nos bombardeamentos, inclusive na região onde o Filho de Deus nasceu”.
É
preciso e urgente que “o Espírito Santo ilumine os nossos corações, para
podermos reconhecer no Menino Jesus, nascido em Belém da Virgem Maria, a
salvação oferecida por Deus a cada um de nós, a todo o ser humano e a todos os
povos da terra”.
E
o Pontífice insiste em pretender que “o poder de Cristo, que é libertação e
serviço, se faça sentir a tantos corações que sofrem guerras, perseguições, escravidão”;
que esse poder, com a colaboração do homem, “tire, com a sua mansidão, a dureza
dos corações de tantos homens e mulheres imersos no mundanismo e na
indiferença, na globalização da indiferença”; e que, por graça divina, “a sua
força redentora transforme as armas em arados, a destruição em criatividade, o
ódio em amor e ternura.
Assim
– crê o Papa – poderemos dizer com alegria: Os
nossos olhos viram a vossa salvação.
***
Efetivamente, o Reino de Deus é mais
largo que o país, mais amplo que o mundo. E a esperança semeada por Cristo e
assumida pelos crentes é mais forte que o desgoverno de quem manda, mais eficaz
do que a certeza da planificação meticulosa que gaste mais dinheiro na
elaboração de projetos que no seu desenvolvimento. Mas a esperança manifesta-se
na atitude, na oração e na ação.
Rico e santo Natal!
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