quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

São Francisco de Xavier, rosa do Oriente

Nado de família aristocrática navarra, Francisco, o filho mais novo de Juan de Jasso (conselheiro da corte real de João III, de Navarra) e de Maria de Azpilicueta y Xavier, a herdeira de duas nobres famílias navarras, nasceu no castelo de Xavier a 7 de abril de 1506, recebendo com o Batismo o apelido “de Xavier”, da mãe, em conformidade com a tradição basca.
Quando, em 1512, tropas de Castela e de Aragão, sob o comando do 2.º Duque de Alba, Fadrique Álvarez de Toledo, atacam Navarra, a família está na resistência ao invasor, o qual verá a consolidação da conquista em 1515, quando Francisco tem apenas oito anos. E, ao dar-se, em 1516, a tentativa de reconquista franco-navarra, em que participam os irmãos de Francisco, a muralha, os portões e duas torres do castelo são destruídos; o fosso é tapado; a altura da torre de menagem fica reduzida a metade; e as propriedades da família são confiscadas. É poupada unicamente a estrita residência de família no castelo. E é uma amnistia que livra da prisão e da morte a que tinham sido condenados os irmãos de Francisco.
Entretanto, ficou órfão de pai. E a mãe, querendo que o filho estudasse, procura enviá-lo para a universidade. Porém, apesar da boa fama das universidades de Salamanca e de Alcalá, a progenitora rejeita-as enquanto escolas do invasor, pelo que, aos 14 anos, o menino foi enviado para o Colégio de Santa Bárbara, de Paris, dirigido por Diogo de Gouveia, português. Aí, o jovem se preparou para prestar provas de admissão à universidade, completando estudos em filosofia, literatura e humanidades, logrando, ainda, o domínio do francês, italiano e alemão. Enquanto vive em Paris, primeiro como aluno e depois como professor de filosofia no Colégio de Beauvais, obteve tão grande sucesso entre os colegas como rapaz bem constituído, muito inteligente, de espírito vivo e conversa fácil, que veio a consagrar-se como campeão do salto em altura numa competição entre estudantes na ilha do Sena.
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O repto de Cristo “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a alma?” (Mc 8,36) veiculado por Inácio de Loyola, leva Francisco de Xavier a aderir ao projeto da criação duma companhia de apóstolos para a defesa e propagação do cristianismo no mundo. Inicialmente, a relação entre Inácio e Francisco era conflituosa dado que os dois tinham objetivos opostos. Mas Francisco aceita participar nos exercícios espirituais orientados pelo loyolano e, depois, torna-se um dos cofundadores da novel Companhia de Jesus. E, a 15 de agosto de 1534, juntam-se-lhes os companheiros Pedro Fabro, Alfonso Salmerón, Diego Laynez, Nicolau Bobedilla e Simão Rodrigues, para emissão dos votos de pobreza e castidade e de obediência ao Papa, na capela de Saint-Denis, de Montmartre, em Paris. Disponibilizaram-se para o envio aos lugares onde houver maior necessidade, em termos de conversão, de ensino e de caridade.
Enquanto esperam a provação papal, que surgirá em 1541, partem para Veneza, onde Francisco é ordenado sacerdote a 24 de Junho de 1537. Apesar de o seu fito ser a Terra Santa, não chegaram a pisar aquele território por via da guerra entre venezianos e turcos, pelo que partem para Roma onde Francisco serve por breve lapso de tempo.
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É em Roma que Francisco, abalado pela conquista de Navarra pelo Reino de Castela, descobre o caminho de prática da vocação missionária. O rei português Dom João III, que já implorara reiteradamente ao Papa o envio de missionários para evangelizar os territórios descobertos pelos portugueses, foi aconselhado pelo já mencionado Diogo de Gouveia a convidar para o reino de Portugal os jovens cultos e inteligentes da novel Companhia de Jesus. Por consequência, Francisco, que chegara a Portugal em 1540, parte para a Índia a 7 de abril do ano de 1541, com mais dois jesuítas Paulo Camarate e Francisco de Mansila, a bordo da nau Santiago, da frota de Martim Afonso de Sousa, novo governador da Índia, tendo aportado, em Goa, a 6 de maio do ano seguinte. Entretanto, Xavier aproveitou o tempo da relativamente longa estadia na ilha de Moçambique e, depois, em Melinde, para se dedicar ao auxílio e tratamento de doentes e conversão de alguns africanos.
Pelas cartas a Inácio de Loyola, sabe-se que Francisco ficara entusiasmado, de início, com a quantidade de indianos que falavam português e com a quantidade de igrejas e de convertidos. Entretanto, com o melhor conhecimento da cidade, apercebe-se da continuação da prática de cultos hindus da parte de muitos dos convertidos e também do mau exemplo que davam muitos portugueses, defendendo as virtudes cristãs mas não as praticando. Estrategicamente, decidiu dedicar-se, primeiro, a reencaminhar os portugueses para a fé cristã e, depois, ao trabalho de conversão dos que não a tinham. Quando iniciou as conversões, começou pelas crianças para, a seguir, atingir os adultos. O tempo sobejante servia para visita às prisões, tratamento dos doentes, no Hospital Real, e dos leprosos, no Hospital de S. Lázaro, e redação dum catecismo, que foi traduzido para várias línguas asiáticas.
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Parte, a 20 de setembro de 1543, em missionação à “Costa de Pescaria”, na costa sueste da Índia, a norte do Cabo Comorim, território dos paravás. O facto de a prática da pesca ser muito popular na região e Francisco não a rejeitar – como era timbre do hinduísmo, que reprova o abate animal – os residentes mostraram-se muito recetivos à religião cristã. O missionário até usava um peixe como um dos símbolos de Cristo, cujos primeiros apóstolos eram pescadores de peixes e se transmutaram em “pescadores de homens” (cf Mt 4,19; Mc 1,17; Lc 5,10).
Vivendo numa gruta em Manapad, nas rochas da beira-mar, catequizava as crianças paravás intensivamente durante três meses em 1544. Depois, concentrou-se na conversão do rei de Travancore  e na visita ao Ceilão (o Sri Lanka, que o Papa Francisco tenciona visitar em janeiro próximo). Insatisfeito com os resultados da sua atividade, partiu mais para oriente em 1545, planeando a viagem a Maçácar, na ilha de Celebes (Indonésia). De regresso a Goa, Francisco levou consigo alguns paravás, que estudaram no seminário e se fizeram missionários também.
Contudo, o primeiro jesuíta na Índia cometeu alguns erros que levaram a que missionação não lograsse todo o êxito almejado, pois, não respeitando a religião hindu, não tentou a transição gradual para o Cristianismo, caindo na tentação de apostar na conversão rápida e brusca. Também não tentou atingir os pobres através da conversão das classes altas; procurou, antes, converter logo os pobres, à semelhança de Cristo (Mas Cristo era Cristo!).
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Entretanto, aportou na também praça portuguesa de Malaca, em outubro. Como era forçado a esperar três meses por barco para Maçácar, preferiu partir, a 1 de janeiro de 1546, para as ilhas de Amboina, onde permaneceu até meados de junho. Depois, visitou outras das ilhas Molucas, incluindo Ternate e Morotai (destino da tripulação de Fernão de Magalhães na viagem de circum-navegação, tendo aquele capitão-mor sido morto numa das Filipinas). A seguir à Páscoa de 1546, regressou às ilhas de Amboina e, depois, a Malaca. Apesar de certa frustração causada pelas elites goesas, o trabalho de Francisco inaugurou mudanças permanentes na Índia e ilhas que configuram a Indonésia Oriental, o que o consagrou-se como o “Apóstolo das Índias” quando, entre 1546 e 1547, trabalhou nas Molucas, gizando os alicerces de uma missão permanente e onde batizou milhares de pessoas. E o seu trabalho foi continuado por outros, de modo a, na década de 1590, já haver ali cerca de 60.000 católicos.
De Xavier, em dezembro de 1547, conhece, em Malaca, o herói pícaro português e futuro narrador de viagens e peripécias, Fernão Mendes Pinto (leia-se a sua Peregrinação), que, regressando do Japão, trazia consigo um nobre de nome Angiró, natural de Cagoxima, que ouvira falar de Francisco em 1545 e viajara para Malaca com o fito de o conhecer. O prófugo, que fora acusado de assassínio, abriu o coração ao missionário, confessando-lhe a vida que levara e dando-lhe a conhecer os costumes e cultura da sua terra natal. Batizado por Francisco, o neófito adota o nome de Paulo de Santa Fé. E, como era samurai, tornar-se-ia um valioso mediador e tradutor para a missão no Japão, cada vez mais viabilizada. Desde logo, à curiosidade de Francisco respondeu que os japoneses não de tornariam cristãos de imediato, mas que lhe fariam muitas perguntas, sobretudo para saberem se a sua vida correspondia ao seu ensinamento. De facto, como refere Mendes Pinto, muitos portugueses professavam, em terras do Oriente, a sã doutrina, mas viviam em contradição com ela.
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De volta à Índia em janeiro de 1548, passa quinze meses ocupado em várias viagens no território e na tomada de medidas administrativas. Por via do teor de vida pouco cristão da parte de muitos portugueses, impeditivo do trabalho missionário, viajou para sudeste. Partindo de Goa a 15 de abril de 1549, fez escala em Malaca e visitou Cantão, na China, acompanhado por Angiró, pelo P.e Cosme de Torres, pelo irmão João Fernandes e por outros dois japoneses que estudaram em Goa e serviriam de intérpretes. Levou ainda inúmeros presentes para o “rei do Japão”, pois, devia apresentar-se ante ele como representante da cristandade.
Atingido o Japão a 27 de julho de 1549, só a 15 de agosto é que lograram aportar em Cagoxima, o principal porto de Satsuma, na ilha de Kiushu. Recebido amistosamente, ficou aboletado pela família de Angiró até outubro de 1550. Tendo residido, entre outubro e dezembro desse ano, em Yamaguchi, partiu, em vésperas de Natal, para Quioto, mas não obteve autorização para visitar o imperador. Voltando a Yamaguchi em março de 1551, o Daimio daquela província autorizou-o a pregar. Todavia, pela falta de fluência na língua nipónica, limitou-se à leitura em voz alta da tradução do catecismo feita com Angiró. Porém, o impacto de Francisco no Japão foi enorme. Sendo o primeiro jesuíta a ir lá em missão, usou pinturas da Virgem Maria e da Virgem com Jesus, que levara consigo, como auxiliar da explicação do Cristianismo aos japoneses, ultrapassando a dificultosa barreira de comunicação linguística.
Por que muitos professavam o budismo, os japoneses não se revelaram facilmente convertíveis. Francisco teve dificuldade, por exemplo, em explicar-lhes o conceito de Deus Criador, até porque arriscava deixar-lhes a ideia de que Ele seria responsável pelo mal e pelo pecado. No entanto, de Xavier foi bem acolhido pelos monges de Shingon, por ter usado a palavra “Dainichi” para descrever o Deus dos cristãos. Mas, quando passou a usar a palavra “Deusu”, da palavra latina e portuguesa “Deus”, os monges aperceberam-se de que pregava uma religião rival. Não obstante, Francisco respeitou o povo de acolhimento, aprendendo Japonês, abstendo-se de carne e peixe e cumprimentando os senhores com vénias profundas. Chegou a vestir-se, em algumas circunstâncias com trajes japoneses. Com o tempo, a sua missão no Japão foi tida como muito frutuosa, tendo mesmo logrado erigir congregações em Hirado, Yamaguchi e Bungo. Continuando a trabalhar por mais dois anos no Japão até à chegada dos jesuítas que lhe vieram a suceder, cujo estabelecimento supervisionou, escreveu um livro em japonês sobre a criação do mundo e a vida de Cristo.
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Na viagem de regresso à Índia, uma tempestade leva-o a parar numa ilha perto de Cantão, onde encontra Diogo Pereira, rico mercador e velho amigo de Cochim, que lhe mostra carta de portugueses prisioneiros em Cantão, pedindo um embaixador português que intercedesse por si junto do Imperador. Para mais tarde em Malaca, a 27 de dezembro de 1551, e está de volta a Goa em janeiro de 1552. E é a 17 de abril que parte com Diogo Pereira, a bordo da nau Santa Cruz, rumo à China. Apresentam-se ele como representante da cristandade e Diogo como embaixador do Rei de Portugal. Mas apercebe-se do esquecimento das certidões que o confirmavam como representante da Igreja Católica na Ásia. Encontra-se novamente em Malaca, onde é confrontado pelo Capitão Álvaro de Ataíde de Gama, agora total detentor do controlo porto, que se recusa a reconhecê-lo como representante da Igreja Católica e exige a Pereira a resignação ao título de embaixador. O Capitão nomeia nova tripulação para a nau, ordenando que os presentes destinados ao Imperador ficassem em Malaca. Mais uma vez em Goa, Francisco ocupa-se do envio para várias regiões dos grupos de jesuítas recém-chegados à Índia, com o fito de fundarem missões, da direção do Colégio de S. Paulo em Goa, que formava catequistas e padres asiáticos, e da tradução de livros religiosos para as línguas nativas.
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Apesar da sua gigantesca atividade, Francisco acalentava o sonho de missionar na China, onde era vedada a entrada de estrangeiros. Convicto de que lograria infiltrar-se e cativar chineses para o Cristianismo, parte a 14 de abril de 1552. Desembarcou na ilha de  Sanchoão, à vista do Continente gigante, e, quando se encontrava em negociação com um mercador chinês que prometera levá-lo consigo, foi atacado por violentas febres. Morre a “Rosa do Oriente” (bela designação de Manuel Arouca), a 3 de dezembro de 1552, em humilde esteira de vimes, abraçado ao crucifixo que o amigo loyolano, um dia, lhe oferecera.
Foi primeiro sepultado em Sanchoão, mas, em fevereiro de 1553, os restos mortais, encontrados incorruptos, foram trasladados para a Igreja de S. Paulo, em Malaca. Em abril de 1553, Diogo Pereira vem de Goa, para onde leva, a 11 de dezembro daquele ano, o corpo de Francisco, que está hoje na Basílica do Bom Jesus de Goa, onde foi colocado numa caixa de vidro e prata, a 2 de dezembro de 1637, e se tornou motivo de peregrinação e culto. Um osso do úmero direito do Santo foi levado para Macau, onde é mantido num relicário de prata, na Igreja de São José.

Francisco de Xavier, qual rosa olorosa e santificante, foi beatificado por Paulo V, a 25 de outubro de 1619, e canonizado pelo Papa Gregório XV, a 12 de março de 1622, em simultâneo com Inácio de Loyola. É o santo patrono dos missionários. O seu dia festivo é o 3 de dezembro. Figura no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa e como orago de muitas igrejas e instituições.

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