Ante a falta
de acordo entre o Governo e os acionistas privados da TAP sobre os termos da
ajuda do Estado, a nacionalização é um cenário que volta a estar em cima da
mesa. É certo que decorrem
negociações, mas o Governo quer dispor de uma “intervenção assertiva”. E
o Ministro das Infraestruturas ainda vai submeter proposta ao sócio privado.
O Expresso avançou hoje, dia 30, que
a companhia será nacionalizada, depois de os acionistas privados terem inviabilizado
um acordo na noite do dia 29, relativo à ajuda pública até 1.200 milhões de
euros, ao recusarem as condições do Governo. E Pedro Nuno Santos, que tem a
tutela sobre a TAP, confirmou a informação pouco depois em audição parlamentar na
comissão de Economia e Obras Públicas. Na verdade, a proposta de ajuda estatal foi
chumbada no Conselho de Administração. “Era preciso ter maioria qualificada, ou oito
votos a favor. Os privados abstiveram-se e, por isso, foi chumbada” –
disse o Ministro. Não obstante, as
negociações prosseguem até 1 de julho. E, caso não haja acordo, a
nacionalização será a forma de o Estado intervir na TAP. Assim, como disse o Ministro
no Parlamento, “se [o
sócio privado] aceitar, aceita; se não aceitar, não aceita; e acabou”.
O caminho a seguir será o Estado aceitar a proposta duma saída acordada, negativa
para todos, “mas que garanta a paz à TAP e evite o litígio futuro”, como frisou
o governante.
Pedro Nuno
Santos assegurou que, se a proposta do Governo não for aceite, o Estado fará “uma intervenção mais
assertiva na empresa”, mas não explicitou que tipo de intervenção.
Assim, a nacionalização
é hipótese a ganhar força depois de ter sido dado como iminente um acordo entre
o Estado e os acionistas David Neeleman e Humberto Pedrosa, sobre as condições
que o Estado pretende impor à gestão. Ainda no dia 29, o empresário
americano-brasileiro se afirmava disponível para a entrada do Estado na
comissão executiva da empresa, o que o Governo não pretende. Contudo, o
principal obstáculo é de natureza financeira, sendo que os privados querem
converter em capital todos os empréstimos concedidos à TAP.
Os
acionistas estão reunidos em assembleia geral para aprovar as contas do ano
passado depois de a transportadora ter anunciado prejuízos de 395 milhões de
euros no 1.º trimestre, ainda sem o impacto mais negativo da pandemia, e poderão
subscrever o acordo.
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Na predita
audição parlamentar, perante questões do PSD sobre a ajuda do Estado, o
Ministro insistiu nas virtudes do plano criado e aprovado pela Comissão
Europeia, que inclui ajudas de 1.200 milhões de euros e um plano de
reestruturação, e disse que o debate mais difícil para quem crê na
nacionalização da TAP é saber se vale a pena. Respondendo ao BE, esclareceu que
não há um braço de ferro, mas “apenas da atitude intransigente e firme do
Estado, que é a de defender o povo português”, estando o Governo disponível para
salvar a TAP, mas sob “condições mínimas, equilibradas e razoáveis”. Na verdade,
a TAP é uma das maiores exportadoras nacionais, que traz metade dos turistas
que chegam a Portugal, ajuda a manter mais de 10 mil postos de trabalho e
compra 1.300 milhões de euros por ano a empresas nacionais. Por tudo isso, o
governante assenta em que “seria um desastre
para o país perder a TAP” e não é verdade que, no dia seguinte, seria
substituída “por outra companhia qualquer”. Depois, pelo PSD, aludiu a alegada
cláusula secreta do contrato de reprivatização da companhia que permitia a
David Neeleman ser indemnizado em caso de nacionalização. Com efeito, o
jornalista Pedro Santos Guerreiro evocou-a no Jornal das 8 da TVI24. Segundo tal cláusula, avançou o jornalista, “se
algum dia a TAP fosse nacionalizada, Neeleman receberia o valor dos empréstimos
que entretanto tivesse feito à TAP mais um valor a partir de uma avaliação
profissional a realizar”. Todavia, Nuno Santos rejeitou o secretismo de
qualquer cláusula, reiterando que a cláusula foi explicada e abordada num
relatório do Tribunal de Contas, de junho de 2018. E, comentando, as notícias
que estão a surgir, disse claramente:
“Nós ainda vamos submeter a proposta ao nosso sócio privado [a Atlantic
Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa] e esperamos que seja aceite”.
Para o
Ministro, as notícias da inevitabilidade da nacionalização da TAP correspondem
a “um jogo negocial feito na comunicação social” em que o Governo não entra e o
jogo não acabou. Porém, sobre as declarações de David Neeleman, que se disse pronto
a aceitar a presença dum representante do Estado na comissão executiva da TAP,
Pedro Nuno Santos ironizou:
“É até um bocado ridículo. Pedir 1.500 milhões de euros ao Estado e
depois vir dizer que até tem disponibilidade para aceitar um representante.”.
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Já a 20
de abril, Anabela Campos, no Expresso,
referia o estado das companhias aéreas que “estão a
viver a maior crise de sempre”, frisando que só sobreviverão com o apoio dos
Estados. E, sobre a TAP, onde o Estado detém 50% do capital, sobressaía, a par
do segredo sobre a solução, o discurso alinhado e concordante de três das mais
relevantes figuras do Governo, o Primeiro-Ministro, o ministro das Finanças e o
da Economia, a vincar “a relevância estratégica da TAP para o país, para a
economia portuguesa e para a ligação de Portugal à comunidade de língua
portuguesa”, deixando em aberto a hipótese da nacionalização.
No entanto, o Executivo fará tudo para evitar a nacionalização
porque dificultará a confiança no país da parte dos mercados, quando a economia
voltar à normalidade, e por ser entendida como gasto desnecessário de dinheiro
público pelo Governo. Isto não quer dizer que o Estado não aumente a sua
participação, o que acontece por ter de ser injetado dinheiro pelos acionistas,
o que os privados não podem ou não o querem fazer. Humberto Pedrosa mostrou-se
disponível para o aumento de capital, deixando claro que não tenciona deixar de
ser acionista da TAP, e admitia que a TAP precisava de 350 a 400 milhões de euros
até final do ano, defendendo como solução um empréstimo com garantia do Estado,
convertível em ações, e a entrada dum gestor indicado pelo Estado na comissão
executiva – o que o Governo põe em causa. Porém, Neeleman estará com pouca
margem de manobra, pois, em março, teve de vender 47% da sua participação na brasileira
“Azul”, para liquidar um crédito pessoal de 27 milhões de euros que tinha como
garantia parte das ações na Azul, passando a ficar só com 3,34% dos direitos de
voto.
O plano de resgate do setor aéreo (TAP, SATA, Groundforce,
Portway, euroAtlantic, Hifly Portugal, ANA, OGMA, e outros pequenos atores do
setor) parecia
demorar mais tempo que o previsto mercê da espera da luz verde de Centeno,
focado, enquanto presidente do Eurogrupo, no pacote de medidas de apoio aos
Estados membros, por causa da pandemia. Entretanto, a Comissão Europeia foi
célere na elaboração e aprovação do plano.
A TAP tinha em caixa cerca de 300 milhões de
euros no começo da crise, o que lhe permite esperar com alguma tranquilidade a
chegada do auxílio estatal. O processo de lay-off, em curso, permite-lhe baixar
os custos com pessoal mensalmente para 21 milhões de euros.
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É companhia de bandeira e estão muitos empregos
em causa, mas o afã da UE e do Governo não será para salvação da banca, à nossa
custa, no âmbito das aquisições de frota por leasing?
2020.06.30 – Louro de Carvalho