quinta-feira, 4 de junho de 2020

BCE reforça programa de emergência de compra de ativos


Com base na análise da evolução da situação criada pela pandemia da Covid-19 na Zona Euro, o BCE (Banco Central Europeu), a entidade liderada por Christine Lagarde, carrega a “bazuca” contra a crise, ou seja, reforça o seu PEPP – Pandemic Emergency Purchase Programme (programa de emergência de compra de ativos públicos e privados) em 600 mil milhões de euros, alargando para 1.350 mil milhões de euros o poder de fogo da “bazuca” de 750 mil milhões de euros, designação dada vulgarmente a este mecanismo lançado a 18 de março com vista a combater os efeitos da pandemia da Covid-19. Além disso, estendeu o pacote até junho de 2021 (mais 6 meses).
O anúncio surgiu no seguimento da reunião do conselho de governadores da instituição que decorreu neste dia 4 de junho, onde foi também decidido não mexer nos juros de referência.
O reforço do PEPP ocorre quase três meses do respetivo lançamento pela entidade responsável pela política monetária da Zona Euro. Estes 600 mil milhões de euros adicionais, à semelhança dos 750 mil milhões do pacote inicial, poderão ser utilizados, até junho de 2021, isto é, 6 meses depois do termo do prazo inicial que terminava no final deste ano, para a aquisição de todas as categorias de títulos de dívida elegíveis ao abrigo do programa de compra de ativos do BCE.
Em comunicado, a instituição conduzida por Lagarde justifica:
Em resposta à revisão em baixa da inflação relacionada com a pandemia no horizonte de projeção, a expansão do PEPP irá facilitar ainda mais a posição de política monetária geral, suportando as condições de financiamento na economia real, em especial para os negócios e particulares”.
Por outro lado, o BCE manifesta a intenção de reinvestir os pagamentos dos juros com vencimento dos títulos adquiridos sobre o PEPP até final de 2022, sendo que “o roll-off do PEPP será gerido de modo a evitar interferência na orientação monetária apropriada”.
Relativamente aos restantes estímulos económicos, o banco central da Zona Euro não procedeu a qualquer alteração. Mantém-se em funcionamento o normal programa de compra de ativos, a um ritmo mensal de 20 mil milhões de euros, a que acresce o envelope temporário de 120 mil milhões a ser utilizado até ao final do ano. E, no atinente aos juros, o conselho de governadores do BCE manteve a taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento e as taxas de juro aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez e à facilidade permanente de depósito inalteradas em 0,00%, 0,25% e −0,50%, respetivamente.
O comunicado termina a reiterar que “Conselho do BCE continua pronto para ajustar todos os seus instrumentos, conforme apropriado, para garantir que a inflação avance em direção ao seu objetivo de maneira sustentada, em consonância com o seu compromisso com a simetria”.
Este posicionamento do Banco Central Europeu puxou ainda mais pelo otimismo dos mercados: As bolsas aceleram e os juros da dívida dos países do euro estão a afundar, sendo as taxas de Itália as que registam as quedas mais expressivas. Entre nós, a yield das obrigações do Tesouro também deslizam, embora se mantenha acima dos 0,5% a 10 anos.
Para lá do comunicado, este conjunto de deliberações, bem como as razões que o sustentam, foi explicitado na habitual conferência de imprensa que decorreu a partir das 13,30 horas de Lisboa.
Christine Lagarde, além de pormenorizar as razões que sustentam a recente deliberação do conselho de governadores, atualizou as projeções do BCE para a economia da Zona Euro.
Assim, o reforço do PEPP do BCE chega quando este tem previsões mais pessimistas.
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O Banco Central Europeu prevê uma contração de 8,7% em 2020 para a economia da Zona Euro, seguida duma recuperação de 5,2% em 2021 e de 3,3% em 2022 no cenário base. No cenário mais severo, o PIB pode cair até aos 12,6%, com uma recuperação de 3,3% em 2021 e de 3,8% em 2022. Será uma queda a “um ritmo sem precedentes”. 
É abissal a diferença entre estas previsões e as de março. Naquele mês, para o BCE, o PIB cresceria 0,8%. Agora, o PIB cairá 8,7% no cenário base. Em 2021, o PIB deve recuperar 5,2%, no cenário base, em comparação com um crescimento de 1,3% em março. Em 2022, o crescimento deverá ser de 3,3%, em comparação com os 1,4% de março.
É de registar a possibilidade dum cenário mais benigno em que o PIB da Zona Euro contrai 5,9%, seguindo-se um crescimento de 6,8% em 2021 e 2,2% em 2022. Nestes termos, a economia europeia recuperaria para perto do nível projetado em março. Porém, nos outros dois cenários, tanto no cenário base como no severo, o nível do PIB continuará bastante aquém do previsto anteriormente, dada a dimensão da crise pandémica. No caso do cenário severo, a diferença entre o antes e o depois da crise é de 9,5% no nível do PIB.
Para lá do PIB, o BCE prevê uma subida da taxa de desemprego para os 9,8% no cenário base (8,8% no benigno e no 11,3% no severo) em 2020. Ao invés das previsões da maioria das instituições, a entidade responsável pela definição e execução da política monetária da Zona Euro não vê melhoria imediata da taxa de desemprego em 2021, prevendo nova subida para os 10,1% em 2021 no cenário base. Em 2022, a taxa baixa para 9,1%, ainda longe dos níveis pré-Covid-19.
No âmbito da inflação, tanto no cenário base como no severo, o BCE prevê que a taxa fique nos 0,3% em 2020, acelerando para 0,8% em 2021 e 1,3% em 2022. Mesmo assim, está longe do objetivo definido pelo mandato do BCE: “perto, mas abaixo de 2%”. Anteriormente, o BCE esperava uma taxa de inflação de 1,1% em 2020, 1,4% em 2021 e 1,6% em 2022.
Segundo Lagarde, as previsões do BCE, em linha com as de outras instituições, antecipam que o PIB terá o seu ponto mais baixo em abril, começando a recuperação em maio à medida que a economia se abriu gradualmente. O 3.º trimestre será de clara recuperação ajudado pela política monetária e orçamental e a abertura da economia a nível mundial. Contudo, “a velocidade e escala da recuperação permanecem com grande incerteza”. Assim, assinalando que o conselho de governadores vê mais riscos descendentes que ascendentes, a presidente do BCE explicou:
Em geral, a dimensão da contração e da recuperação irá depender crucialmente da duração e da eficácia das medidas de contenção [da pandemia], do sucesso das políticas para mitigar o impacto adverso no rendimento e no emprego e até que ponto é que a capacidade da oferta e a procura interna são afetadas de forma permanente”.
Os valores oficiais divulgados nesse dia 4 de junho vão ao encontro do que Lagarde antecipou na semana passada: a recessão da Zona Euro estará entre 8% a 12% este ano – uma contração económica, num só ano, na Zona Euro, maior à da crise financeira de 2008/2009, podendo a quebra vir a ser o “dobro”.
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Segundo o ECO, a reação nas bolsas europeias foi rápida, mas os investidores mantêm-se com dúvidas por causa da dimensão que se prevê para a recessão económica.
O Stoxx 600 (índice que agrega as 600 principais cotadas europeias) arrancara com uma queda de 0,5%, para 367,06 pontos, mas após o anúncio do BCE esteve a ganhar por breves momentos e voltou a entrar em terreno negativo, agravando as perdas: -0,62% para os 366,63 pontos. O mesmo sucedeu no PSI-20 (apesar de não ter chegado a negociar em terreno positivo). Do outro lado do Atlântico, Wall Street iniciou a sessão pelas 14,30 horas (hora de Lisboa) sob pressão vendedora, após 4 sessões em alta. O S&P 500 perde 0,33% para 3.112,43 pontos, enquanto o Dow Jones e o Nasdaq cedem 0,11% e 0,15%, respetivamente.
Os investidores estão a “digerir” os dados revelados neste dia 4 pelo Departamento do Trabalho sobre número de norte-americanos que pediram apoio no desemprego, que caiu na última semana pela primeira vez desde meados de março. Os novos pedidos totalizaram os 1,87 milhões de euros na semana terminada a 30 de maio, abaixo dos 2,1 milhões da semana anterior. Os economistas agora sondados pela Reuters apontam para pedidos na ordem dos 1,8 milhões, um volume ainda muito grande.
No cenário europeu, apesar do alívio gerado pelo reforço da injeção do BCE, os investidores continuam preocupados com a dimensão incerta do impacto económico do novo coronavírus na economia europeia. Com efeito, o BCE atualizou as suas projeções para a economia do Euro, neste ano e nos próximos, apontando no sentido de forte recessão, tal como Lagarde vem a alertar, o que mantém os investidores reticentes na exposição a ativos de risco.
Os juros da dívida dos países do Euro estão a afundar, com os investidores a reagirem ao reforço da bazuca do BCE contra a crise provocada pela pandemia. A expectativa era a do reforço do programa de compra de ativos criado especificamente para combater a crise de Covid-19 em 500 mil milhões de euros, mas Lagarde surpreendeu: não foram 500 mil, mas 600 mil milhões de euros adicionais, elevando para 1.350 milhões a resposta do BCE ao vírus.
Este reforço, com a promessa de prolongar as compras até meados do próximo ano e de reinvestir os juros até ao final de 2022, teve forte impacto nos mercados de dívida do Euro.
Itália será o país mais beneficiado pelo anúncio feito por Lagarde. Tendo sido um dos mais penalizados pela pandemia, vê os juros da dívida a 10 anos afundarem 16 pontos para 1,39%, taxa que ainda se mantém acima da de 1,35% da Grécia, que cai 13 pontos.
Também Portugal está a ser beneficiado pelo reforço da “bazuca” do Euro, com a taxa a 10 anos a recuar 5 pontos para os 0,52%, mantendo-se aquém da taxa exigida pelos investidores para comprarem dívida espanhola. A yield espanhola está em 0,55% no prazo a dez anos.
A taxa das Bunds alemãs não mexe (continua em “terreno” negativo). Está a -0,36%A taxa a 10 anos, com uma quebra da redução do risco da generalidade dos países do Euro face à Alemanha.
Em suma, com este pacote de compra de ativos, o BCE consegue aliviar a pressão dos mercados sobre os títulos de dívida da generalidade dos países do Euro, quando o endividamento destes se agrava em resultado das medidas adotadas para responder à crise. O BCE garante, desta forma, que os países têm acesso ao mercado e a custos controlados. Uma boa postura!
2020.06.04 – Louro de Carvalho

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