Com base na análise da evolução da situação
criada pela pandemia da Covid-19 na Zona Euro, o BCE (Banco
Central Europeu), a entidade liderada por Christine Lagarde, carrega a “bazuca” contra a crise, ou seja, reforça o seu PEPP – Pandemic Emergency Purchase Programme (programa
de emergência de compra de ativos públicos e privados) em 600 mil milhões de euros, alargando para 1.350 mil milhões de euros o poder de
fogo da “bazuca” de 750 mil milhões de euros, designação dada vulgarmente a
este mecanismo lançado a 18 de março com vista a combater os efeitos da pandemia da Covid-19. Além
disso, estendeu o pacote até junho de
2021 (mais 6 meses).
O anúncio surgiu no seguimento da reunião do conselho de governadores da
instituição que decorreu neste dia 4 de junho, onde foi também decidido não
mexer nos juros de referência.
O reforço do PEPP ocorre quase três meses do respetivo lançamento pela
entidade responsável pela política monetária da Zona Euro. Estes 600 mil milhões de euros adicionais, à semelhança dos 750 mil
milhões do pacote inicial, poderão ser utilizados, até junho de 2021, isto
é, 6 meses depois do termo do prazo inicial que terminava no final deste ano,
para a aquisição de todas as categorias de títulos de dívida elegíveis ao
abrigo do programa de compra de ativos do BCE.
Em comunicado, a instituição conduzida por Lagarde justifica:
“Em resposta à revisão em baixa da inflação
relacionada com a pandemia no horizonte de projeção, a expansão do PEPP irá facilitar ainda mais a posição de política
monetária geral, suportando as condições de financiamento na economia
real, em especial para os negócios e particulares”.
Por outro lado, o BCE manifesta a intenção de reinvestir
os pagamentos dos juros com vencimento dos títulos
adquiridos sobre o PEPP até final de 2022, sendo que “o roll-off do PEPP será gerido de modo a evitar
interferência na orientação monetária apropriada”.
Relativamente aos restantes estímulos económicos, o
banco central da Zona Euro não procedeu a qualquer alteração. Mantém-se em funcionamento o normal programa de
compra de ativos, a um ritmo mensal de 20 mil milhões de euros, a que acresce o
envelope temporário de 120 mil milhões a ser utilizado até ao final do ano. E,
no atinente aos juros, o conselho de governadores do BCE manteve a taxa de
juro aplicável às operações principais de refinanciamento e as taxas de juro
aplicáveis à facilidade permanente de cedência de liquidez e à
facilidade permanente de depósito inalteradas em 0,00%, 0,25% e −0,50%,
respetivamente.
O comunicado termina a reiterar que “o Conselho do BCE continua pronto para ajustar todos os seus
instrumentos, conforme apropriado, para garantir que a inflação avance
em direção ao seu objetivo de maneira sustentada, em consonância com o seu
compromisso com a simetria”.
Este posicionamento do Banco Central Europeu puxou ainda mais pelo
otimismo dos mercados: As bolsas aceleram e os juros da dívida dos países do
euro estão a afundar, sendo as taxas de Itália as que registam as quedas mais
expressivas. Entre nós, a yield das
obrigações do Tesouro também deslizam, embora se mantenha acima dos 0,5% a 10
anos.
Para lá do comunicado, este conjunto de deliberações, bem como as razões
que o sustentam, foi explicitado na habitual conferência de imprensa que
decorreu a partir das 13,30 horas de Lisboa.
Christine Lagarde, além de pormenorizar as razões que sustentam a recente
deliberação do conselho de governadores, atualizou as projeções do BCE para a
economia da Zona Euro.
Assim, o reforço do PEPP do BCE chega quando este tem previsões mais
pessimistas.
***
O Banco Central Europeu prevê uma contração de 8,7% em 2020 para a economia
da Zona Euro, seguida duma recuperação de 5,2% em 2021 e de 3,3% em 2022 no
cenário base. No cenário mais severo, o PIB pode cair até
aos 12,6%, com uma recuperação de 3,3% em 2021 e de 3,8% em 2022. Será uma queda a “um ritmo sem precedentes”.
É abissal a diferença entre estas previsões e as de
março. Naquele mês, para o BCE, o PIB
cresceria 0,8%. Agora, o PIB cairá 8,7% no cenário base. Em 2021, o PIB deve recuperar 5,2%, no cenário base, em
comparação com um crescimento de 1,3% em março. Em 2022, o crescimento deverá
ser de 3,3%, em comparação com os 1,4% de março.
É de registar a possibilidade dum cenário mais benigno em que o PIB da Zona
Euro contrai 5,9%, seguindo-se um crescimento de 6,8% em 2021 e 2,2% em 2022.
Nestes termos, a economia europeia recuperaria para perto do nível projetado em
março. Porém, nos outros dois cenários, tanto no cenário base como no severo, o nível do PIB continuará
bastante aquém do previsto anteriormente, dada a dimensão da crise pandémica.
No caso do cenário severo, a diferença entre o antes e o depois da crise é de
9,5% no nível do PIB.
Para lá do PIB, o BCE prevê uma subida da taxa de
desemprego para os 9,8% no cenário base (8,8% no benigno e no 11,3% no severo) em 2020. Ao invés das previsões da maioria das
instituições, a entidade responsável pela definição e execução da política monetária
da Zona Euro não vê melhoria imediata da taxa de desemprego em 2021, prevendo nova
subida para os 10,1% em 2021 no cenário base. Em 2022, a taxa baixa para 9,1%,
ainda longe dos níveis pré-Covid-19.
No âmbito da inflação, tanto no cenário base como no severo, o BCE prevê
que a taxa fique nos 0,3% em 2020, acelerando para 0,8% em 2021 e 1,3% em 2022.
Mesmo assim, está longe do objetivo definido pelo mandato do BCE: “perto, mas
abaixo de 2%”. Anteriormente, o BCE esperava uma taxa de inflação de 1,1% em
2020, 1,4% em 2021 e 1,6% em 2022.
Segundo Lagarde, as previsões do BCE, em linha com as de outras instituições,
antecipam que o PIB terá o seu ponto mais baixo em abril, começando a
recuperação em maio à medida que a economia se abriu gradualmente. O 3.º
trimestre será de clara recuperação ajudado pela política monetária e
orçamental e a abertura da economia a nível mundial. Contudo, “a velocidade e escala da recuperação permanecem com grande
incerteza”. Assim, assinalando que o conselho de governadores vê mais
riscos descendentes que ascendentes, a presidente do BCE explicou:
“Em geral, a dimensão da contração e da
recuperação irá depender crucialmente da duração e da eficácia das medidas de
contenção [da pandemia], do sucesso das políticas para mitigar o impacto
adverso no rendimento e no emprego e até que ponto é que a
capacidade da oferta e a procura interna são afetadas de forma permanente”.
Os valores oficiais divulgados nesse dia 4 de junho vão ao encontro do
que Lagarde antecipou na semana passada: a recessão da Zona Euro estará
entre 8% a 12% este ano – uma contração económica, num só ano, na Zona Euro,
maior à da crise financeira de 2008/2009, podendo a quebra vir a ser o “dobro”.
***
Segundo
o ECO, a reação nas bolsas europeias
foi rápida, mas os investidores mantêm-se com dúvidas por causa da
dimensão que se prevê para a recessão económica.
O
Stoxx 600 (índice que
agrega as 600 principais cotadas europeias) arrancara com uma queda de 0,5%, para 367,06 pontos, mas
após o anúncio do BCE esteve a ganhar por breves momentos e voltou a entrar em
terreno negativo, agravando as perdas: -0,62% para os 366,63 pontos. O mesmo sucedeu no PSI-20 (apesar de não ter chegado a negociar
em terreno positivo). Do
outro lado do Atlântico, Wall Street iniciou a sessão pelas 14,30 horas (hora de Lisboa) sob pressão vendedora, após 4
sessões em alta. O S&P 500 perde 0,33% para 3.112,43 pontos, enquanto o Dow Jones e o Nasdaq cedem 0,11% e 0,15%, respetivamente.
Os investidores estão a “digerir” os dados revelados neste
dia 4 pelo Departamento do Trabalho sobre número de norte-americanos que pediram
apoio no desemprego, que caiu na última semana pela primeira vez desde meados de março. Os
novos pedidos totalizaram os 1,87 milhões de euros na semana terminada a 30 de
maio, abaixo dos 2,1 milhões da semana anterior. Os economistas agora sondados
pela Reuters apontam para pedidos na ordem dos 1,8 milhões, um volume ainda
muito grande.
No
cenário europeu, apesar do alívio gerado pelo reforço da injeção do BCE, os
investidores continuam preocupados com a dimensão incerta do impacto económico
do novo coronavírus na economia europeia. Com efeito, o BCE atualizou as suas
projeções para a economia do Euro, neste ano e nos próximos, apontando no
sentido de forte recessão, tal como Lagarde vem a alertar, o que mantém os
investidores reticentes na exposição a ativos de risco.
Os
juros da dívida dos países do Euro estão a afundar, com os investidores a
reagirem ao reforço da bazuca do BCE contra a crise provocada pela
pandemia. A expectativa era a do reforço do programa de compra de ativos
criado especificamente para combater a crise de Covid-19 em 500 mil milhões de
euros, mas Lagarde surpreendeu: não foram 500 mil, mas 600 mil milhões de
euros adicionais, elevando para 1.350 milhões a resposta do BCE ao vírus.
Este
reforço, com a promessa de prolongar as compras até meados do próximo ano e de
reinvestir os juros até ao final de 2022, teve forte impacto nos mercados de
dívida do Euro.
Itália
será o país mais beneficiado pelo anúncio feito por Lagarde. Tendo sido um dos mais
penalizados pela pandemia, vê os juros da dívida a 10 anos afundarem 16 pontos
para 1,39%, taxa que ainda se mantém acima da de 1,35% da Grécia, que cai 13
pontos.
Também
Portugal está a ser beneficiado pelo reforço da “bazuca” do Euro, com a taxa a 10 anos a recuar 5 pontos para os
0,52%, mantendo-se aquém da taxa exigida pelos investidores para comprarem
dívida espanhola. A yield espanhola está em 0,55% no prazo a dez anos.
A taxa
das Bunds alemãs não mexe (continua em “terreno” negativo). Está a -0,36%A taxa a 10 anos, com uma
quebra da redução do risco da generalidade dos países do Euro face à Alemanha.
Em
suma, com este pacote de compra de ativos, o BCE consegue aliviar a pressão dos
mercados sobre os títulos de dívida da generalidade dos países do Euro, quando
o endividamento destes se agrava em resultado das medidas adotadas para
responder à crise. O BCE garante, desta forma, que os países têm acesso ao mercado e a
custos controlados. Uma boa postura!
2020.06.04 –
Louro de Carvalho
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