Após 5 anos
como Secretário de Estado do Orçamento, João Leão, de 46 anos, doutorado em Economia pelo Massachusetts Institute of
Technology (MIT) e que integrou a equipa
económica de António Costa em 2015, no grupo de economistas que preparou o
cenário macroeconómico e acompanhou o programa eleitoral do PS, ascendeu a
Ministro de Estado e das Finanças.
Em Goa, capital da antiga colónia portuguesa, ainda há alunos do seu avô e
quem tenha estudado com o pai, garantindo que a notícia, dada a sua origem
goesa, encheu a comunidade de satisfação.
O “Heraldo”, o mais antigo jornal
de Goa, destaca na 1.ª página de 11 de junho a origem goesa de João Leão,
“filho de Cláudio Fernandes (...), que
emigrou para Portugal e vive em Lisboa”, e neto do professor Leão, que deu
aulas no liceu em Pangim, sendo o terceiro ministro de origem goesa, “além de Costa,
Primeiro-Ministro e de Nelson de Souza, Ministro do Planeamento.
E Aurobindo Xavier, presidente da Sociedade Lusófona de Goa, que foi aluno
do avô de João Leão no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, em Pangim, entre
1952 e 1960, no Estado Português da Índia, frisou que “são ministros importantes: o das Finanças, do
Planeamento, e o ministro mais importante de todos, o Primeiro-Ministro” e,
apontando que o que tem costela mais goesa é o Nelson, que nasceu em Goa, mas
que o pai do João Leão é goês, disse que “as pessoas ficam sempre
satisfeitas quando os seus conterrâneos – e o João Leão é indiretamente meu
conterrâneo também – se tornam conhecidos”.
A notícia da nomeação de Leão para suceder a Centeno,
a partir do dia 15, espalhou-se rapidamente tanto entre os goeses radicados em
Lisboa como na antiga colónia, garantiu Aurobindo Xavier, sublinhando que,
entre a elite católica de Goa, as famílias se conhecem.
Eduardo Fonseca, médico em Pangim, com 77 anos, foi colega do pai de João
Leão e aluno do avô no 7.º ano do liceu, que concluiu em 1961, meses antes da
invasão da União Indiana, em dezembro desse ano. E o médico, que também foi
aluno do avô do Ministro das Finanças disse à Lusa que “era brilhante” e que “depois seguiu para Portugal”.
Segundo o médico, João Leão ainda tem familiares em Goa, incluindo o tio
paterno Álvaro Leão Fernandes, que participou num livro sobre a história de
Pangim publicado em 2017, em edição bilingue (“My
Unforgettable Panjim” / “Meu Pangim Inesquecível”).
O Ministro das Finanças entrou já para a “Galeria de Goeses Ilustres”, uma
página na rede social Facebook, e vai ser objeto de saudações oficiais no
município de Sarzora, donde o avô era originário antes de se mudar para Pangim.
E, segundo o “Navhind Times”, jornal de língua
inglesa em Goa, Sabita Mascarenhas, responsável do conselho municipal da
localidade, com dois mil habitantes, apresentou uma moção de congratulação no
dia 15 de junho, coincidindo com a tomada de posse do ministro, resolução
enviada a João Leão por correio eletrónico.
O Governo de Costa (ele próprio filho de pai goês e
o primeiro chefe de Governo europeu de origem indiana) conta com outro ministro de
origem goesa, o Ministro do Planeamento Ângelo Nelson de Souza, que nasceu em
Goa em 1954 e veio para Portugal com a família aos 7 anos.
***
O “artífice das cativações” terá de equilibrar as
contas sem recorrer à austeridade, como tem defendido António Costa. Esta
semana foi ao Parlamento
defender o Orçamento Suplementar gizado para secundar a retoma da economia
nacional pós-crise pandémica, um dos muitos desafios que se
colocam agora ao governante, que se estreia com o défice a disparar, a
dívida pública a subir, a nomeação do próximo governador do Banco de Portugal (BdP) no horizonte, a questão da TAP, o problema do Novo
Banco e a valorização salarial dos trabalhadores da Administração Pública. Como
sublinhou o Primeiro-Ministro, é uma “passagem de
testemunho tranquila”, não representando qualquer “alteração política”,
até porque o sucessor do “Ronaldo das Finanças” foi “responsável pela
política orçamental” nos últimos anos.
João Leão sucede agora ao popular Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, único Ministro das Finanças
português a conseguir um excedente orçamental em
democracia, o segundo a ficar mais tempo no cargo
e que esteve na short list para diretor-geral do FMI (Fundo
Monetário Internacional), após a
saída de Christine Lagarde para o BCE (Banco Central Europeu), mas tendo perdido para Kristalina Georgieva. E Leão
chega à liderança do Ministério com uma bagagem fortemente
académica, mas com uma projeção política e internacional
significativamente inferior à de Centeno. Ocupava o cargo de Secretário de
Estado do Orçamento num Ministério em que o protagonismo cabia ao “CR7 das
Finanças”. A exceção foi nas últimas legislativas, quando Leão entrou na guerra de números com o socialdemocrata Joaquim
Miranda Sarmento, batalha que acabou por ficar nas mãos de Centeno.
Um dia depois de tomar posse, Leão esteve na Comissão de
Orçamento e Finanças em audição que versa o Orçamento Suplementar
para este ano, apresentado por Centeno na Assembleia da República, mas que terá
de ser defendido pelo novo responsável pela pasta das Finanças. Como frisou o
Chefe do Governo, Leão tem sido o responsável pela política orçamental do país nos
últimos anos, mas esta é a primeira vez em que dará a cara pela defesa das
escolhas tomadas e propostas apresentadas em relação às contas públicas, num período especialmente delicado em virtude da pandemia de
coronavírus. Além disso, Leão tem de gerir este Orçamento – e apresentar
e gerir os futuros (o OE para 2021 será entregue em outubro) – sem contar à partida com a mão
amiga de nenhum grupo parlamentar. Por exemplo, o Bloco de Esquerda
admitiu viabilizar o Orçamento Suplementar, mas mediante o cumprimento de
algumas exigências. E o PCP considerou que este é um plano orçamental
“limitado”, mas que acolhe algumas das suas ideias.
O mandato de Carlos Costa como governador do BdP termina em
julho, cabendo ao Governo (em especial ao Ministro das Finanças) a nomeação do sucessor. Um dos nomes indicados é o de Centeno, que abandonou o Executivo a tempo
de, eventualmente, assumir a posição em causa no regulador da banca. Aliás, a demissão de Centeno ocorre com um timing “estranho” como salientou o PAN, partido
cujo projeto de lei para travar a passagem direta de
Centeno das Finanças para o BdP foi aprovada, na generalidade, no Parlamento.
Segundo o diploma, Centeno teria de cumprir um período de nojo de 5 anos, não
podendo suceder a Carlos Costa.
Porém, o projeto do PAN não tem data para ser votado na especialidade e ser
submetido a votação final global, pelo que não é possível adiantar se
chegará a tempo de impedir a ida do ex-Ministro para o BdP. A
decisão está, pois, nas mãos de Leão, ainda que o parecer não vinculativo do
Parlamento sobre o nome escolhido tenha algum peso político na escolha final.
Após ter atingido o primeiro excedente orçamental em democracia, o
Executivo de Costa prevê para o corrente ano um défice de 6,3%, previsto
no Orçamento Suplementar apresentado na Assembleia da República e que representa
uma revisão de 6,5 pontos percentuais em relação à meta traçada pelo Governo no
OE 2020. Com efeito, prevê-se uma diminuição da receita do Estado
em 5%, o que equivale a menos 4,4 mil milhões de euros a entrar nos cofres
do Estado em 2020; e haverá mais 4,3 mil milhões de euros em
despesa face ao que estava no OE 2020. E, para 2021, Leão terá um
desafio acrescido. O Governo espera que o défice orçamental fique, nesse
ano, abaixo dos 3% do PIB, com base na esperança de uma recuperação significativa da economia, com um crescimento
do PIB de 4,3% e no pressuposto de que a ajuda europeia ajudará Portugal
a recuperar o equilíbrio das contas.
De acordo com o Orçamento Suplementar, a dívida pública deverá atingir,
este ano, o valor mais elevado de sempre, apontando-se para um rácio
de 134,4% do PIB. Prevê-se um aumento de 16,7 pontos percentuais de
dívida pública em percentagem do PIB, passando de 117,7% para um valor de
134,4% do PIB, como anunciou Centeno. Este salto explica-se
pelas necessidades de financiamento do país (garantidas,
em parte, pela “bazuca” do BCE) e pelo
tombo da economia, isto é, o PIB deverá afundar 6,9%, o
que prejudica o rácio em causa. Por isso, o Ministro terá nas mãos o desafio de
reduzir
a dívida pública, indicador que Centeno considerou “tão
importante para a sustentabilidade das finanças públicas e para as finanças em
geral”. Terá, pois, de fazer esse esforço e convencer as agências de rating a
não atirarem Portugal para a categoria de lixo.
A este propósito, é de assinalar que a Fitch se mostra otimista
quanto ao compromisso de Portugal com uma trajetória de redução de
endividamento a partir do próximo ano e quanto à escolha de João Leão para o
cargo em causa.
Um outro desafio que se coloca ao “artífice das cativações” (expressão
que atribuiu Centeno a Leão há um ano) é equilibrar as contas sem recorrer a cortes, pois Costa deixou
claro que seguir a via da austeridade “seria aprofundar a crise” e que essa “não
deixou saudades a ninguém”.
Nestes 4 anos, o papel do ora Ministro das Finanças no “congelamento” de verbas autorizadas pelo OE, mas
cuja utilização dependia da “luz verde” do Governo foi de tal ordem que Mário
Centeno usou a expressão referida para o apresentar na convenção nacional do
PS. Agora, que não se fala de cativar, mas em reforçar a despesa pública e
aumentar o investimento com vista à recuperação da economia, Leão tem de
encontrar alternativa para o equilíbrio das contas.
Passados 10 anos sem aumentos, os funcionários públicos receberam,
este ano, um reforço salarial de 0,3% (ou 10 euros, nas remunerações mais
baixas), o que chocou os sindicatos. Em
resposta, o Ministério da Administração Pública prometeu um
aumento de, pelo menos, 1% para 2021 e, a partir daí, reforços
remuneratórios em linha com a inflação. Isso mesmo explicara aos
jornalistas o então secretário de Estado do Orçamento. E, enquanto Ministro
das Finanças, terá de avaliar se será ou não possível concretizar tal promessa.
A Frente Comum deixou claro que não aceitará que o Governo volte
atrás e prometeu considerar todas as formas de luta como resposta,
incluindo greves. A FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública) sublinha que os congelamentos não podem ser
considerados uma opção pelo Executivo. E a Ministra da Administração
Pública, Alexandra Leitão, não rejeitou a possibilidade de as carreiras serem
congeladas.
Com os apoios já pedidos pelo Novo Banco (NB) desde 2017, estão disponíveis, neste momento, cerca
de 900 milhões de euros ao abrigo do
mecanismo de capital contingente. A concretizar-se a
entrega a curto prazo, o cheque só será entregue em maio
de 2021, mas os resultados relativos ao semestre em curso darão indicação do
valor que será pedido. Com o impacto da pandemia na economia portuguesa e
mundial (que poderá ter resultado nomeadamente num aumento do
incumprimento nos créditos e em novas perdas para o NB), é previsível que esse montante venha a ver
elevado e até mesmo próximo do máximo já referido.
É de notar que, no momento em que a avaliação desse novo cheque será feita,
a auditoria ao NB que gerou a recente polémica entre António Costa e Centeno já
estará concluída, podendo o Ministro munir-se de outros
argumentos para questionar ou até rejeitar o pagamento em 2021.
O Governo reservou, para emprestar à TAP, 946 milhões de
euros no Orçamento Suplementar, embora admita que a ajuda possa
atingir os 1,2 mil milhões. Esta injeção de liquidez tornou-se urgente face ao
impacto da pandemia na aviação civil, em todo o mundo, com grande parte dos
voos suspensos, nos últimos meses. Por seu turno, a Comissão Europeia deu “luz
verde” ao predito empréstimo no dia 10, faltando agora alguns passos
para se efetivar essa injeção, como a aceitação por parte do acionista privado
das condições impostas pelo Estado. O Executivo ainda não revelou as condições, mas sabe-se que uma delas deverá ser o reforço do controlo do
Estado na gestão desta transportadora aérea. E Bruxelas obriga a que a
companhia apresente, no prazo máximo de 6 meses, um plano de restruturação que
pode passar pela injeção de mais dinheiro pelos acionistas (público e
privados), matéria que está sob a alçada
do Ministério das Infraestruturas e da Habitação, mas que também passará
a estar na de João Leão.
***
Pelo que
refere o JN de hoje, dia 17, a
continuidade está mesmo no horizonte, pois o Governo, pela voz do Ministro das Finanças,
admite que o Estado possa injetar no NB mais dinheiro que o previsto,
intervindo como acionista (resta
saber quanto injetará o acionista de 75%), se se verificar o caso de situação extrema. Quanto
aos outros desafios, pode haver milagre, mas penso que estaremos ante a
pretensão de meter o Rossio na Betesga.
2020.06.17 –
Louro de Carvalho
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