sexta-feira, 12 de junho de 2020

Da pertinência do Dia de Portugal celebrado em modo minimalista


A pandemia de Covid-19 exigiu que fosse assinalado em modo minimalista o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Porém, a postura quer do Cardeal Tolentino de Mendonça, presidente da Comissão da Celebração, quer do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, fizeram do evento um marco de reflexão.
Sublinho a excecional discrição do Chefe de Estado, que, podendo tê-lo feito, não usou dum discurso de fundo intelectual como que em réplica à genial reflexão (ou a lançar sombra sobre ela) produzida pelo 7.º convidado daquela hora. Ao invés, sublinhou a profundidade plasmada na intervenção do humanista, intelectual e poeta, que já referi noutro apontamento, e partiu para algumas interpelações que o momento impõe e deixou no ar, para que assentem, algumas iniciativas. Não, não vejo que a comunicação marcelista se tenha vestido de trajes eleitoralistas (a menos que tudo o que Marcelo diz ou faz seja eleitoralista) ou, como dizem alguns, que o que disse agora o devia ter dito em abril ou maio, vindo agora a tarde e a destempo. Ora, em abril e maio, o Presidente, salvaguardando algum excesso de palavras e intervenções assaz repetitivas e menos do seu mister, do meu ponto de vista, disse o que era possível dizer e o que devia ser dito em consonância, aliás, com o Primeiro-Ministro, responsável executivo pela condução do país.
Quanto às mensagens oficiais do Dia de Portugal, devo dizer que o secretário-geral adjunto do partido do Governo, frisando que as mensagens dos dois oradores “interpelam à solidariedade, à cooperação”, para olharmos o futuro com “confiança”, apontou o programa de estabilização económica e social apresentado pelo Governo e os demais planos de recuperação, que prevê que sejam aplicados em 2021, como instrumentos de aproveitamento desta fase de recuperação para nos transformarmos como cidadãos e como instituições e dotarmos o país de estrutura económica sustentável em articulação com a UE, que dita as regras, de acordo com o que pensa serem as necessidades dos Estados-membros, e supostamente dá os apoios.
Marcelo Rebelo de Sousa começou por corroborar as palavras de Tolentino de Mendonça, dizendo que “bem precisávamos de um homem de um humanismo e com tanta cultura para nos falar da importância dos outros e da sua redescoberta, com atenção nos mais pobres, nos mais frágeis e mais vulneráveis” e acentuando que “todas as vidas contam, todas as vidas importam”.
Depois, assumindo um tom mais duro, interpelou aqueles que, depois de terem dado o exemplo na cooperação política, estão agora tentados por “cálculos pessoais ou de grupo” a “fazer de conta que o essencial já está adquirido”. E, no que alguns veem uma crítica ao Executivo, questionou se “percebemos mesmo o que falhou na saúde, na segurança social, no privado” e se “percebemos mesmo o que temos de mudar”. E perguntou, nesta ordem de ideias, se nos contentamos com apenas escolhermos “remendar, retocar, regressar ao habitual, como se os portugueses se esquecessem do que vão ter de suportar”.
E prosseguiu sustentando que “Portugal não pode fingir que não existiu, que existe pandemia”, como “não podemos fingir que não existiu, que não existe brutal crise”, no que inegavelmente tem toda a razão. Ora, sendo 10 de Junho o momento para acordarmos para esta realidade, o Presidente vincou que não se pode omitir que “algo de muito grave ocorreu e esperar que as soluções de ontem sejam as soluções de amanhã”.
Dito isto, gizou o balanço da pandemia em “1500 mortos, mais de 300 mil desempregados, milhares e milhares de empresas paradas meses, setores totalmente paralisados”. E argumentou que “ou minimizamos o que vivemos”, comparado com outras pandemias, ou a pandemia nos obriga a “ter de sofrer de um lado e recriar de outro”. Com efeito, ora “desanimamos com os números da pandemia por sacrificar vidas e saúde”, ora “desesperamos com os números por alegadamente salvarem vidas, comprometendo o seu futuro”, o da economia.
E, invocando a história, frisou que “desperdiçámos a lição da pneumónica, a última grande pandemia, e da crise económica e social que se lhe seguiu”. Na verdade, a seguir à pandemia de 1918, houve, para lá da imensa crise económica, a instabilidade política na I República (“uma democracia em construção”) e golpes de Estado que, em 1926, levaram à ditadura e ao Estado Novo. E garantiu que, “cem anos depois, não cometeremos o mesmo erro”.
Não sei se o historiador concorda com o paralelo que o político fez com a pneumónica, dado que as circunstâncias do mundo, em termos políticos e científicos, são muitos diferentes, só as unindo a incerteza científica em torno da natureza do vírus. 
Por fim, o Presidente da República propôs uma celebração ecuménica, após a pandemia, para homenagear os mortos que sucumbiram mercê da pandemia e anunciou que, impossibilitado de condecorar todos os profissionais de saúde que combateram e combatem na linha da frente, homenageará a todos nas pessoas dos profissionais (médico, enfermeiro, técnico hospitalar e assistente operacional) que trataram o primeiro doente de Covid-19, os quais vai condecorar, dentro de dias, com a Ordem do Mérito Profissional, sentindo que “é justo que nos unamos para homenagear os heróis da saúde em Portugal”.
E não será excessivo frisar que o Cardeal Tolentino Mendonça, partindo da reflexão sobre as nossas raízes, tão inabaláveis como julgamos e tão vulneráveis como verificamos, centra a sua atenção no pacto comunitário com o acolhimento, a integração e a inclusão dos imigrantes e reforçando a componente da solidariedade intergeracional, com relevo para a necessidade de proteger os mais velhos (ostracizados na institucionalização) e os jovens adultos (que perdem sonhos), sendo a fraternidade e a compaixão o binómio que enforma a comunidade na tarefa comum que ela é chamada a desempenhar com o contributo de todos e de cada um. Por outro, lado quer a implantação da ecologia integral tanto nos areópagos nacionais e internacionais como nas atitudes de cada cidadão no quotidiano. Tudo isto comporta e convoca o amor ao país e aos concidadãos que o habitam, sobretudo na vertente do desconfinamento, fazendo a história do presente, firmada na crónica do passado e gizando o programa do futuro, como escrevia Garrett.  
Não quero ver Marcelo no 10 de Junho como exemplo de crítica a outras celebrações, como o 25 de Abril, na AR, e o 1.º de Maio, com a CGTP. Porém, quer-me parecer que a representação nos Jerónimos consubstanciada nos representantes dos órgãos de soberania mostrou à saciedade a preponderância do poder judiciário. E, se não era de deixar algum dos supremos tribunais para trás, podiam ter acompanhado Ferro Rodrigues os líderes dos grupos parlamentares e até os deputados únicos. Também foi pena não ter sido considerado o poder local e regional com o convite aos presidentes da ANMP da ANAFRE e das regiões autónomas. E, sendo as forças armadas incumbidas da defesa militar da República, não seria descabida a presença do CEMGFA, pois, apesar de o Presidente ser o comandante supremo, não tem comando efetivo.
Seja como for, o 10 de junho de 2020 fica a convocar à séria os portugueses para a mudança.
2020.06.12 – Louro de Carvalho     

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