E a responsável por
esta hipótese prevista nas cláusulas contratuais da venda Novo Banco (NB) ao fundo Lone
Star é a pandemia de Covid-19, que só aumenta a probabilidade de que serão
mesmo pedidos.
Com efeito, em 2017,
aquando da venda de 75% do NB, ficou estabelecido contratualmente que o Fundo
de Resolução (FR) poderia
ter de injetar até 3,89 milhões no objeto vendido no horizonte de 10 anos, eventualmente
com recurso a endividamento junto do Estado (como tem sido hábito) até 2046. E o que dita a necessidade da injeção
de mais dinheiro são, na maior parte, os rácios
que medem a solidez do banco e que evoluem consoante o que acontece. E agora aconteceu
uma coisa chamada Covid-19. Até parece que só ocorreu para o banco gerido por
António Ramalho, que já admitiu ao Jornal
de Negócios e à Antena que o NB
precisará de mais dinheiro do FR do que aquele que antecipava no início do ano.
E justificou:
“No início do ano, fazemos sempre uma
previsão e entregamo-la ao Fundo de Resolução. A diferença
deste ano é que entre a previsão que fizemos antes da Covid e a previsão que
faremos depois da Covid – que aliás já é do conhecimento da comissão de
acompanhamento –, esta será, naturalmente, diferente”.
Sobre os
valores antecipados antes e depois da pandemia, o presidente da Comissão
Executiva do NB preferiu não adiantar nada, declarando:
“Não vou dar esse número, porque faz parte dos orçamentos que entregamos
ao Fundo de Resolução. Mas acontece basicamente que houve uma deterioração da
situação económica e é previsível que essa deterioração, com o cenário que
temos hoje, nos vá levar a necessidades de capital ligeiramente suplementares
em relação àquelas que existiam.”.
E,
prosseguindo, explicou:
“É conhecido que temos uma proteção de capital nos 12%. É uma proteção
de capital contratualizada e, com base nisso, temos de esperar até ao fim do
ano para saber o valor. O nosso objetivo fundamental não é tanto quanto vamos
utilizar – utilizaremos o que for necessário para não empurrarmos [este
processo] com a barriga – mas, sim, deixar o banco totalmente limpo no final de
2020.”.
O banco já
pediu ao FR cerca de 3 mil milhões de um total de 3,89 mil milhões, que sempre
foi apontado como contingente pelas autoridades políticas, mas que o setor
bancário sempre viu como certeza. E, depois da recente e polémica injeção de
850 milhões, restam 900 milhões. O FR, para conseguir colocar esse dinheiro,
contrairá mais um empréstimo junto do Estado. Ora, o NB fechou o 1.º trimestre
deste ano com prejuízos de 180 milhões. E o líder da instituição, caraterizando
esse período como tendo um sabor “doce-amargo”, tentou explicar mais:
“Aquilo que é o produto bancário central – que no fundo é a margem
financeira, mais as comissões, menos os custos operacionais – aumentou 20%
neste trimestre. (…) Mas, por outro lado, vimos as nossas imparidades aumentar
por causa da Covid-19, que também foi uma crise inesperada para nós.”.
Tem o NB até 2026 para pedir mais 900 milhões de euros ao FR. Esse dinheiro
pode ser solicitado a cada ano, mas nunca superando aquele montante no total. E
Ramalho assumiu que vai ter de pedir em 2021 mais dinheiro que o previsto por
conta da pandemia de Covid-19.
O Expresso já o tinha antecipado
a 25 de abril, referindo que a “Covid-19 dá margem para esgotar toda a
injeção”, ou seja, a pandemia abre portas a que os 900 milhões de euros sejam
efetivamente pedidos. Com efeito, os pedidos de auxílio ao abrigo do mecanismo
de capital contingente, criado aquando da venda de 75% do banco, acontecem
quando um conjunto determinado de ativos problemáticos sofre desvalorizações
que afetem os rácios de capital do NB. Ora, a pandemia, que traz pressão para a
economia em geral e, obviamente, para devedores problemáticos, como a maior
parte dos créditos que integram este conjunto pré-determinado de ativos,
afetando o valor dos ativos (créditos, imóveis, fundos), pode ter impacto nos rácios de capital. E, se estes descerem
abaixo de 12%, o dinheiro pode ser solicitado. No 1.º trimestre, o rácio
provisório CET1 foi de 12,3% – margem muito curta.
Também o FR, que entra no perímetro das contas públicas e que funciona
junto do Banco de Portugal (BdP), já tinha
assumido que a pandemia trazia problemas adicionais ao NB, pois, “o grau de
incerteza aumentou”, como reconheceu Luís Máximo dos Santos, vice-governador
do BdP de Portugal e presidente do FR numa entrevista ao Expresso em maio passado.
Havendo esse pedido de dinheiro, a convocatória ao FR ao abrigo do
mecanismo acontece sempre devido às contas do ano anterior. Assim, o NB
esclareceu em comunicado:
“Qualquer eventual nova chamada de capital
referente a necessidades de 2020, de acordo com o atual modelo, será feita em
2021, após aprovação das contas auditadas, após parecer da comissão de
acompanhamento e verificadas com agente independente”.
Sempre que entra dinheiro público no NB, é desencadeada auditoria que
avalia o que justificou essa necessidade (e a iniciada há um ano ainda não
chegou ao Parlamento). Havendo
provas de má gestão, o FR poderá pedir a devolução do dinheiro injetado. Por
isso, o Parlamento já solicitou a entrega dos contratos em torno da venda e da
criação deste mecanismo.
De qualquer forma, Portugal assumiu um compromisso junto de Bruxelas de
que, além do dinheiro colocado ao abrigo do mecanismo, poderia vir a
disponibilizar uma rede de segurança caso o NB enfrentasse dificuldades.
E, além deste mecanismo, há encargos com eventuais processos judiciais que,
sendo desfavoráveis ao NB, ficam a cargo do FR – que, apesar de financiado pela
banca, tem precisado de empréstimos estatais.
Não se trata de surpresa. No entanto, o Presidente da República mostra-se
estupefacto e o líder da oposição questiona-se sobre o “desgraçado” contrato
que permite que entre mais dinheiro público no NB.
Marcelo, questionado
hoje, dia 15, pelos jornalistas numa conferência de imprensa, disse:
“Ouvi a notícia e fiquei estupefacto com ela, mas verdadeiramente não
comento este tipo de notícias para não estar a entrar na situação concreta de
instituições financeiras”.
E Rui Rio questiona como é que a pandemia, que só aconteceu em 2020,
pode pesar no que foi acordado em 2017.
***
Rio
esquece que o BdP nomeou expressamente para vender o NB
o conhecido como “Secretário de Estado das Privatizações” do tempo de
Passos/Portas, que já não integrou o XX Governo Constitucional. Centeno, Ministro das Finanças já em 2017,
foi conivente – ativo ou passivo – de Sérgio Monteiro, mas quer ser governador
do BdP e tem o aval do Chefe de Estado, do Governo e de muita gente. É o das
“contas certas” a cativar verbas, a empobrecer o SNS e a fazer deslizar
dinheiro para a banca a ritmo conveniente! E Marcelo, que não comenta
comentando, não se mostrou tão proativo na venda do NB como no respeitante ao
BPI, fazendo que Isabel dos Santos prescindisse da blindagem dos estatutos para
a venda ao La Caja, com a contrapartida do aumento de participação no BCP.
Por outro lado, o NB dificilmente será apanhado em má gestão, a menos que
uma auditoria o ateste inequivocamente e os tribunais concordem. Pode, assim,
continuar a aumentar, sem dar contas a ninguém, vencimentos e prémios aos
gestores e a vender imóveis e ativos ao desbarato, que nada lhe acontece. Se
uma auditoria em curso não tem efeito sobre as transferências…
O povo sofre sanitária e economicamente a crueza da pandemia, mas quase não
se dá conta; ao invés, o NB queixa-se da pandemia e o Estado, mesmo
estupefacto, socorre. Quero ser NB!
2020.06.15 – Louro de
Carvalho
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