Dom José Ornelas Carvalho, Bispo de Setúbal, é o presidente da Conferência
Episcopal Portuguesa (CEP) desde o
passado dia 16 de junho e nessa qualidade falou à Renascença e à Ecclesia
em entrevista publicada hoje (dia 19) dando a conhecer as suas principais preocupações em relação ao país e ao dinamismo
das comunidades católicas.
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Sobre o significado
da eleição para coordenar a CEP, fala em “confusão” inicial e na dificuldade em
conjugar “a diocese com mais este trabalho”,
mas não dramatiza a exigência de grande ginástica, pois Setúbal é a “quarta
diocese maior do país em termos populacionais”, que o fascina e com que se
identifica “muito bem”. Porém, como não há “um bispo que cai do céu para ser
presidente da CEP”, reconhece que os outros colegas “também estão igualmente
assoberbados de trabalho”.
Não valoriza demasiado o
facto de o presidente da CEP provir de Setúbal, diocese considerada periférica,
pois quem fica em evidência é a CEP. Por outro lado, “ser bispo de Setúbal e presidente da CEP” é ideia que
lhe “tem de entrar na cabeça” para “olhar para a Igreja em Portugal de forma
global”. Com efeito, diz não poder “pensar em Setúbal como se fosse a Igreja”,
mas, antes, “uma das Igrejas da Igreja Universal”. Todavia, não se contradiz
quando assegura não poder deixar de pensar que é “da Igreja de Setúbal” e com a
qual está “identificado”: “são dois níveis que se juntam para formar a rede que
somos”.
Quanto ao facto de o Papa falar muito da Igreja em saída para as periferias
e eventualmente o Bispo de Setúbal ter sido eleito
pela sua experiência no terreno, Dom José dá uma resposta tão modesta como
magistral, que vale a pena ruminar:
“Nós temos desde o início quatro Evangelhos.
Quatro leituras de Jesus. São o mesmo Jesus, mas quatro modos de viver a
Igreja. A Igreja é como uma orquestra. Tem vários instrumentos e todos juntos
formam essa orquestra. Fazendo músicas complementares para a melodia final. A
Igreja tem de ser sempre assim. Cada um junta à sua experiência eclesial aquilo
que a Igreja anuncia. A narração dos discípulos de Emaús é precisamente isso.
Cada pessoa que acredita está fazendo crescer a Igreja. Cada bispo que
interpreta e vive na sua realidade eclesial está a contribuir para a Igreja.”.
No atinente ao perfil da
Igreja que o Papa vem tentando delinear como sendo marcadamente laical e sinodal e ao papel das
conferências episcopais na sinodalidade da Igreja, anota a acentuação da “unidade e do sucessor de Pedro como centro desta
unidade que é feita pelo Espírito Santo”, mas com “concretização na figura do
Papa”. Porém, repara que as Igrejas Ortodoxas “acentuaram as outras sedes
apostólicas originais como igrejas irmãs”, sendo que hoje “a primazia do bispo
de Roma não é totalmente posta em causa por estas igrejas e também pelas
igrejas saídas da Reforma”. E frisa que “também na Igreja Católica é importante
ter isso presente: a sinodalidade não é inimiga, antes pelo contrário, da unidade”.
Assim, entende que “a catolicidade da Igreja tem de ser vivida dentro de cada
uma das Igrejas particulares, mas, ao mesmo tempo, temos de fazer caminho em
conjunto”.
Quanto à relevância das conferências episcopais, assinala o seu importante
papel instrumental “saído, particularmente, do Concílio Vaticano II”, mas
refere que “estão na história da Igreja refletidas desde o início” e assenta em
que “a
unidade tem de estar ligada com a pluralidade”.
Relativamente à dimensão laical da Igreja,
foca-se no Batismo pelo qual granjeamos a filiação divina dando o Espírito “os seus dons a todos e cada um para
o bem de todos”, ou seja, “para colaborarem na construção da Igreja e
construção do mundo”. Assim, na ótica do novo presidente da CEP, o primeiro
papel da autoridade não é ser “dominador”, mas “criador de leões” e, sendo esta
a “forma de fazer uma Igreja viva”, não podemos esquecer que “a Igreja funciona
com todos os seus carismas e ministérios”; e, como “o ministério da autoridade
não é incompatível com a sinodalidade, o exercício da autoridade dentro da Igreja
está ao serviço da comunhão e da unidade”: e o Bispo provê a que nada falte
e “ninguém fique para trás”.
No quadro da missionariedade da Igreja, a uma Igreja parada, institucionalizada e acomodada onde
a estruturação e o esquema ganham maior preponderância, contrapõe “uma Igreja
que vive fazendo-se”, caminhando, “uma Igreja que tem de ir sempre inventando”,
para concluir:
“A Igreja missionária é por natureza uma
Igreja constantemente criativa, tem de se adaptar a novos meios, novas
culturas, novas línguas, criar o que ainda não estava criado”.
Depois, referiu que pandemia nos ensinou que não chega fixarmo-nos no que
temos, mas que importa ir criando outras coisas, o que se faz nas missões. E,
no âmbito da fé criativa, vinca:
“Quando a
Igreja se deixa mover pelo Espírito, não deixa de ser uma Igreja missionária. A
Igreja tem de ser missionária em todo o lado. A secularização veio dizer-nos,
para quem ainda não se convenceu, que não vivemos em cristandade.”.
E, em face da dúvida dos entrevistadores, esclareceu que “não somos um país
cristão no sentido de que a nossa Igreja determina e onde tudo conflui para a
Igreja” e desenvolve:
“Na Diocese
de Setúbal, a maioria considera-se crente, mas os que frequentam a Igreja são
uma minoria muito pequena. Isso significa que o nosso espírito missionário é
tão necessário aqui como em África. Aliás, os países mais cristãos, nesse
ponto de vista, já não são os europeus.”.
***
No âmbito das necessidades
que surgem e exigem à Igreja a criação de respostas para este tempo e a
ultrapassagem de problemas, destacam-se as comissões de proteção de menores. A este
respeito, Dom José assegurou que “é um
chamamento a toda a Igreja” e que estas comissões “vêm ao encontro de uma
situação que não é simplesmente eclesial” e que “é um problema mundial onde o
principal foco de preocupação não são verdadeiramente os ambientes eclesiais”,
que “existem” e poderão continuar a existir. Obviamente as comissões foram
criadas para ajudar a ultrapassar o problema. Porém,
este Bispo, sustentando a necessidade de criar “sistemas de deteção e
ajuda” e “uma mentalidade de intolerância a este estado de coisas”, vê estas
comissões não só como “prontas para intervir em caso de avaria, mas sobretudo
manter sãos os nossos ambientes, ajudar a formar para outra cultura de respeito
para com as pessoas”.
E, do documento aprovado
nesta sessão plenária da CEP, diz que “dá muitas
perspetivas” para a postura da Igreja na pós-pandemia, salientando: a primazia
da vida, a convergência de valores para a vida e os meios que defendem a vida; e
a atenção aos mais frágeis. Neste âmbito, aponta “a convergência de política
interna e internacional”, mas ensombrada por “sistemas de interesses”, o que “é
dramático de ver”. Ao mesmo tempo, considera que a atual retoma da discussão em
torno da eutanásia “é punho no estômago e em contramão de tudo aquilo que se
veio a dizer até aqui”, devendo-se “enquadrar também a questão dos cuidados
paliativos” e “criar um ambiente para que as pessoas tenham um gosto de viver”.
Destaca também o facto de, pela primeira vez, a União Europeia (UE) aparecer “com uma capacidade de intervenção para
dizer que ninguém fica para trás” – “uma medida inteligente” e “questão de
inteligência económica, social e política”, pois a UE “não pode ser apenas para
os mais potentes e não pode deixar de lado os mais fragilizados.
Obviamente que isso não
evita que a pandemia tenha posto a nu bolsas de pobreza, bairros mais
problemáticos e pessoas mais fragilizadas, que abundam pela Europa fora, sendo
que “os níveis de pobreza podem ser
diferentes, mas a sua equidade e dramaticidade existem em todos os países”, pelo
que “ temos de criar condições mínimas de dignidade para todos”. Observando
que, “se não formos capazes de fazer
isso, as consequências vão ser dramáticas para todos”, cita os fenómenos dos
coletes amarelos em França, as revoltas nos bairros periféricos de Bruxelas (Bélgica) e os protestos em Portugal sobre as discriminações,
para alertar de forma esclarecida:
“O mundo está sempre a refazer-se. São
sinais e sintomas de uma doença que não está curada. Os coletes amarelos
paralisaram a França, mesmo com muita manipulação à mistura, mas revelam um
mal-estar a que é preciso atender.”.
Das manifestações de
violência e de antirracistas que têm marcado a sociedade no mundo, diz que
revelam, pela positiva, “uma consciência
onde se juntaram muitas raças e etnias e disseram: Não pode ser”. Evoca o significado da “exclusão política da África”,
que leva tantos “a entrarem desesperados, arriscando tudo para atravessarem o
Mediterrâneo”. Refere que os estudantes africanos da Congregação a que pertence,
a maioria deles nos Camarões, falam de África com ceticismo. Ora, jovens que “deviam
ser fonte de esperança” olham “para os vários setores da sociedade” e não
encontram “os motivos de esperança”. E, posto que “a Igreja tem se ser motivo
de esperança e de denúncia”, urge “criar um mundo alternativo que não se faz
simplesmente por contraposição, mas por criar”.
E, para vincar que o mundo está cheio de autênticos profetas, mencionou Nelson
Mandela, “homem que sofreu a discriminação, a opressão política e a opressão”,
mas, quando saiu da prisão, em vez de se mostrar “um homem completamente
amargurado”, resolveu fazer com que “um país se erguesse e deu passos
significativos na criação de um novo mundo”.
Entende que aquilo que pode
tornar a fé atrativa nos dias de hoje, concretamente para os jovens, será
encarar a fé como “uma forma
de viver que nos faz interpretar as coisas”, antes de mais, “a realidade do
mundo onde vivemos”, porque não vivemos “em mundos ideais”, sendo que “o mundo
novo tem de nascer” dentro de cada um, isto é, temos de “sonhá-lo” como os
profetas que “viram esse mundo”.
Na perspetiva do presidente
da CEP, trata-se dum “sonho
realista”, pois é “a base da criação de caminhos”. Nesta linha, “a Igreja vai
ser sempre isto: ter um sonho e querer realizá-lo e depois ser capaz de dar a
vida por esse sonho”; e “o cristão tem de ser alguém ativamente presente na
criação deste mundo”, não se limitando a esperar que ele aconteça.
Sobre as motivações que os
jovens e a sociedade portuguesa poderão encontrar na “realização da Jornada
Mundial da juventude (JMJ) para essa participação”,
aponta o caso de Setúbal em que se fala do ‘Partilha’: “em missão, na solidariedade,
na construção” e “ao nível do sonho”. E frisa que “a Igreja do Concilio
Vaticano II foi o levantar-se para estar ativa na construção da sociedade” e
que “a Igreja em si e no seu modo de viver tem de ser um laboratório do mundo
novo que Deus sonha para a humanidade”.
Por fim, vincando que “a
Igreja é chamada a discernir sem saudosismos”, pretende que atue sempre “com gratidão e alegria, memória”. E enfatiza a
dimensão de “memória”, mas “memória daquilo que ela é e sem medo e sem
constrangimentos”, não “uma memória saudosista e bolorenta”, mas “memória que
dá força e inspiração”.
***
De facto, a Igreja, que faz a Eucaristia e vive da Eucaristia (sacrum convivium), celebra a memória da Morte e Ressurreição do Senhor
até que Ele venha.
Enfim, votos de um bom desempenho na presidência da CEP, sem receio do 4.º
presidente da CEP não cardeal, como Dom Manuel d’Almeida Trindade, Dom João
Alves e Dom Jorge Ferreira da Costa Ortiga
2020.06.19 –
Louro de Carvalho
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