A FENPROF (Federação Nacional dos Professores)
resume os sentimentos dos
professores em teletrabalho nesta frase que se prevê emblemática: “O ensino não é isto, nem nada que se pareça!”
– cuja autoria é duma docente que participou num inquérito de opinião sobre o
ensino à distância promovido por esta organização sindical.
O questionário contou com 3548 respostas validadas e
recolhidas online. Dos professores, que responderam ao inquérito durante a 1.ª
quinzena de maio, 96,1% lecionam no ensino público; 63,9%, são professores do
3.º Ciclo e Secundário; 20,2% do 2.º Ciclo; 18,1% do 1.º Ciclo; e 7,8% da
educação pré-escolar. Há uma forte participação de professores e educadores com
50 ou mais anos de idade e com mais de 30 anos de serviço (o que
reflete o envelhecimento da classe). Além das perguntas
de pesquisa, para respostas de escolha múltipla, os inquiridos forneceram contributos
e apreciações em perguntas para resposta aberta.
Os professores partilham o que sentem e pensam, como
veem o ensino à distância e o que mais os preocupa. Há críticas à gestão do
processo e preocupações quanto às desigualdades; emerge o desgaste e a
exaustão; nota-se o excesso de trabalho imposto, sobretudo burocrático (“Aqueles
que às aulas somam funções de direção de turma referem que são quase 24 sobre
24 horas no contacto com alunos, colegas e encarregados de educação”). Há queixas de desrespeito nos aspetos laborais,
pelos limites legalmente fixados do horário de trabalho, do esquecimento das
questões da carreira, do eclipse das medidas para rejuvenescer o corpo docente
e da supina persistência da precariedade. As desigualdades aprofundaram-se, aos
alunos com necessidades educativas especiais faltam apoios sem os quais as suas
dificuldades aumentam e são muitos os que temem que, num contexto destes, a avaliação
acabe por ser injusta.
Dos mais de 10 mil comentários, a FENPROF selecionou
alguns pela sua “acutilância, clareza e objetividade”: “Por muita tecnologia
que exista e se possa utilizar, nada substitui o ensino presencial”. “Para
ensinar a pregar um prego é sempre preciso o martelo, o prego e sentir todo
esse processo, mesmo que se magoe o dedo”. “A sobrecarga de trabalho é
assustadora e doentia, como se os professores, por permanecerem em casa,
tivessem de estar 24 horas disponíveis para a escola”. “A minha maior
preocupação é com os alunos com dificuldade de aprendizagem que não são capazes
de realizar os trabalhos de forma autónoma e, como grande parte dos pais estão
a trabalhar, os alunos ficam sem suporte”. “O excesso de voluntarismo da nossa
parte, professores, deixa a tutela descansada, apesar de desnorteada e alheada
da realidade”. “Os elogios feitos agora aos docentes são despropositados, hipócritas,
cínicos”. “A classe docente deu sempre o seu melhor, em todas as
circunstâncias”. “O Ministério contou com os recursos de cada professor, sem
que nada fizesse para resolver essa situação”. “Querem fazer flores com o
material dos professores.”
O inquérito revela que 54,8% não tinham conseguido
contactar com todos os seus alunos a meio do 3.º período e que, em alguns
casos, foi estabelecido mais tarde tal contacto, mas sem que tal significasse
uma participação regular na atividade letiva.
Ao arrepio das dificuldades inerentes à pandemia,
70,5% dos docentes lecionaram novos conteúdos, enquanto cerca de 30% se
limitaram a reforçar conteúdos já trabalhados em sala de aula, e 47,8% irão
avaliar novos conteúdos. E, considerando os défices que se verificarão no final
do ano letivo, os professores têm como inevitável o esforço da sua superação e do
reforço apoios pedagógicos aos alunos no próximo ano letivo. E, dos professores
de Educação Especial inquiridos, 43,9% consideram adequadas as medidas de apoio
aos alunos portadores de necessidades educativas especiais, 15,3% dizem ser não
adequadas e 40,8% dizem desconhecer tais medidas, inferindo a FENPROF não ter
havido qualquer descomprometimento dos professores, mas que o ensino à
distância “não está em sintonia com a inclusão” e que, “sem surpresa, a
distância escava fossos que dificultam o encontro”.
Assim, 93,5% dos professores referem que as
desigualdades se agravaram e 92,9% dizem que é preciso superar défices no
próximo ano letivo. E 65,1%, entendem que o ensino à distância tem um grau de
exigência maior que o presencial, sobretudo pela necessidade de estabelecer
contactos individualizados, por e-mail ou por telefone, após as sessões
síncronas. A apreciação das emissões televisivas do #EstudoEmCasa é positiva:
43,9% dão “bom”, 8% “muito bom”, 40,5% “insuficiente” e 7,6% não têm opinião.
No âmbito do trabalho desenvolvido, os professores
recorrem, regra geral, às plataformas digitais para trabalhar em grupo e ao
e-mail para contactar os alunos, enviar literatura e documentos de apoio e
reforço das aprendizagens, receber trabalhos, entre outros elementos importantes
para a avaliação. Quanto a alunos de grupos etários mais baixos (até aos 12
anos) e alunos com problemáticas
complexas e baixo nível de funcionamento autónomo, é necessário o acompanhamento
informado e permanente por parte dum adulto, o que nem sempre acontece.
É de nota positiva o apoio das escolas, pais e
encarregados de educação. Porém, a maioria dos professores desconhece os apoios
dados pelas autarquias locais. Já em relação ao Ministério da Educação (ME), 60% dos professores e educadores sentem que não deu
o apoio a que estava obrigado e que se exigia dos responsáveis, em particular
do Ministro. Apenas 20% consideram ter sido adequado o apoio prestado pelo ME.
E, nas respostas abertas, “muitos docentes” afirmam que “soaram a hipocrisia os
elogios que ouviram dos governantes”.
A FENPROF sublinha dois tópicos que os docentes
destacam: o desgaste e o cansaço pela adaptação a um modelo inédito de
atividade, pela distância que não facilita o acompanhamento de todos os alunos,
pelo “facto de a atividade profissional ter tomado conta de todas as horas do
dia e, ao invadir a casa de cada professor, dificultar a sua indispensável e
saudável separação da vida familiar; e o agravamento, por vezes perigoso, da
desigualdade entre os alunos. E vinca a postura dos professores que foram, como
sempre, “solidários com os alunos e colocaram ao seu serviço a casa, o computador,
a Internet, o telemóvel e até a sua privacidade. Fizeram-no por terem percebido
que a tutela não estava a fazer a sua parte. Limitava-se a emitir, em cascata,
ordens, orientações, circulares, disposições, plataformas ou aplicações, ao
passo que, em vez de, atempadamente, criar condições efetivas para o que
designou por E@D, “deixou cada um à sua sorte e todos por sua conta”.
Por sua vez, a FNE (Federação Nacional da Educação) exige a clarificação do enquadramento legal das
condições de trabalho que recorram às TIC na área da Educação, pois é essencial
“um espaço de negociação e de diálogo social que vise o enquadramento destas
situações” e uma forte intervenção sindical que proteja a “saúde e o bem-estar
de todos os que coabitam nas nossas escolas”. Com efeito, o recurso às
ferramentas e plataformas digitais deve ser “ocasional e complementar e não
sistemático”. E, “se é verdade que estas ferramentas revelam algumas vantagens”,
também é certo que “elas não são substitutivas da atividade letiva presencial”,
para lá de poderem “dar origem à desregulação do tempo de trabalho, à
sobreposição entre a vida profissional e a vida familiar e a uma maior
intensidade de trabalho e consequente agravamento do desgaste físico e psíquico
dos docentes” (refere a FNE em comunicado).
A FNE identifica várias linhas reivindicativas para o
futuro próximo no âmbito do trabalho docente em contexto de teletrabalho.
Refere que, neste processo, há um conjunto de fatores a ter em conta, como: o
combate à desregulação do tempo de trabalho; a determinação do direito a
desligar; a dotação de recursos indispensáveis ao teletrabalho e compensação dos
gastos acrescidos associados; a defesa da saúde; o investimento na formação
contínua para a utilização adequada das ferramentas digitais; a cibersegurança;
a disciplinação de encarregados de educação e alunos; e a conciliação da vida
profissional com a vida pessoal e familiar. E enfatiza:
“O direito a desligar-se deve estar previsto
e regulamentado, evitando-se dessa forma a tendência para a instalação de
culturas de trabalho caracterizadas pela intensidade autoimposta e pela
disponibilidade constante. (…) As condições de defesa da saúde devem constituir
outro aspeto essencial a regulamentar, em áreas como a organização do seu
trabalho e do seu local de trabalho, devendo ser garantido o acompanhamento de
avaliações e gestão dos riscos psicossociais, tal como o stresse.”.
Além disso, a FNE defende a abertura duma linha de
atendimento e aconselhamento sobre os cuidados básicos a nível de saúde em
contexto de teletrabalho, a criação dum portal sobre recursos educativos online
por parte do ME, a criação de mecanismos que permitam a partilha de boas
práticas, a compensação pelo exercício da função docente em teletrabalho e a
publicação de guias práticos para professores, alunos, pais e encarregados de
educação.
O ensino à distância não pode ser perpetuado nem ser a
norma, segundo a FENPROF. E, caso se mantenha no início do próximo ano letivo,
esse cenário tem de estar previsto no despacho normativo de organização do ano
letivo e ser alvo de discussão que envolva toda a comunidade escolar. O ensino
à distância não pode ser uma alternativa permanente, como defendem as várias
organizações sindicais que representam a classe docente.
Para Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF, o
ensino à distância, até como confirmam os resultados do inquérito realizado,
“cava fossos muito fundos de desigualdades” e põe em causa a própria Constituição
na defesa de uma escola pública promotora de igualdade de oportunidades. Ora,
se “este foi um ano de exceção”, já “o próximo vai ser um ano em que também se
vai refletir muito do que se passou agora”.
Sobre o pacote de 400 milhões de euros, anunciado pelo
Governo, no âmbito do Orçamento Suplementar, para apoiar a Escola Digital, o
dirigente sindical acentua que é bem-vindo se for para atualizar o parque
tecnológico e para a formação dos docentes nas TIC. Porém, sustenta que, “se
for para eternizar o ensino à distância e não apenas para o ter preparado para
eventuais situações excecionais que surjam, então será dinheiro mal gasto”.
***
Todos reconhecemos as vantagens dum ensino à distância
em situação excecional ou em complementaridade com o ensino presencial. Porém,
torná-lo único ou preponderante é, como sentimos e referem ilustres peritos em
educação, um desvio à socialização e à eficácia educativa da escola, que não
pode limitar-se a debitar conteúdos e a fazer avaliações sumativas, nem pode
ser encarada como mera oficina laboral. Será que da abstrusa pretensão da
escola a tempo inteiro se quer passar à escola hiperminimalista?
2020.06.18 – Louro de Carvalho
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