sábado, 20 de junho de 2020

No contrato de venda do Novo Banco há responsáveis técnicos e políticos


Na sequência do pedido da Comissão de Orçamento e Finanças ao Fundo de Resolução (FR) no final de maio, o contrato de venda do Novo Banco (NB) ao fundo norte-americano da Lone Star, fechado em 2017, chegou ao Parlamento, no passado dia 16.  O material foi recebido encriptado e os deputados podem consultá-lo sob reserva de confidencialidade.
Na verdade, o Parlamento solicitou, através da predita Comissão Parlamentar, a 26 de maio, os contratos do NB na sequência da nova injeção de 1.035 milhões de euros no banco por conta dos prejuízos de 2019 e que obrigou o Estado a novo empréstimo de 850 milhões de euros, o que motivou críticas dos partidos.
E, em entrevista ao Jornal de Negócios e Antena 1, Ramalho referiu que o impacto da pandemia nas contas do banco obrigará a injeção do FR maior que previsto, algo que deixou estupefacto o Presidente da República e indignado o líder do PSD .
O próprio FR confirmou a referida “entrega dos documentos contratuais”, antecedida da obtenção da necessária autorização por parte do Banco de Portugal (BdP). A entidade liderada pelo vice-governador do BdP Máximo dos Santos declarou:  
O pedido que a Comissão de Orçamento e Finanças dirigiu ao Fundo de Resolução foi, assim, satisfeito tempestivamente e em cumprimento do prazo com o qual o Fundo de Resolução se comprometeu junto daquela comissão parlamentar”.
Mais adianta o FR que “já prestou à Comissão de Orçamento e Finanças, por escrito, todos os esclarecimentos sobre a sua decisão de deduzir, ao valor apurado nos termos do mecanismo de capitalização contingente, o montante relativo à remuneração variável atribuída aos membros do conselho de administração executivo do Novo Banco”. Segundo o “Jornal Económico”, ao todo, foram enviados pelo FR dois documentos: o contrato de venda do banco à Lone Star; e o Acordo de Capitalização Contingente, que prevê injeções até 3,9 mil milhões para proteger o rácio de capital do banco para não ficar abaixo de um rácio de Common Equity Tier 1 de 12%. E, de acordo com o Observador, os documentos estão disponíveis para consulta, mas os deputados, por reserva de confidencialidade, não podem partilhar informações publicamente.
Catarina Martins, em Évora, citada pelo Público, queixando-se do facto de a Assembleia da República “ter demorado tanto tempo a ter acesso” aos documentos, adiantou:
Finalmente o contrato chegou ao Parlamento. Ainda não o vimos, está encriptado, esperamos poder analisá-lo finalmente”.
***
Entretanto, a 19 de junho, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda dirigiu ao Governo, através do Ministro de Estado e das Finanças as seguintes questões subscritas pela deputada Mariana Mortágua:
1. Quais as previsões do Governo para as contingências associadas à cláusula das resolution contigent indemnities?
2. Quais as previsões do Governo para as contingências associadas ao incumprimento das Seller Warranties?
3. Quais as razões que justificam o atraso na publicação do Relatório e Contas de 2019 do Fundo de Resolução? Quando será este publicado?
4. Quais as condições acordadas com a Comissão Europeia para o mecanismo de backstop? Em que condições pode este ser acionado e em que moldes?
5. Qual o montante exato das injeções de capital efetuadas por conversão dos ativos por impostos diferidos em créditos tributários? Que montante se encontra ainda em análise? Quais as condições de conversão destes créditos em participação pública no Novo Banco? Quais os impactos nas contas do Fundo de Resolução da perda de uma parte da participação no Novo Banco?
6. O governo cumpriu o estabelecido no art.º 15.º da Lei 98/2019, de 4 de setembro, que obriga à publicação de um relatório semestral sobre a utilização dos ativos por impostos diferidos? Em caso negativo, porque não o fez?
7. O Novo Banco constituiu o depósito a favor do Estado tal como estabelecido no n.º 8 do artigo 6.º da Portaria n.º 293-A/2016, de 18 de novembro, na redação dada pela Portaria n.º 272/2017, de 13 de setembro, e no Despacho n.º 2445/2019, de 12 de março?”. (vd https://www.esquerda.net/sites/default/files/pergunta_-_mf_-_contigencias_nb_1.pdf)
O Bloco diz que o contrato de venda do NB tem cláusulas que podem trazer mais custos para o FR do que aqueles que estão previstos. Com efeito, Mariana Mortágua, no conjunto de questões, acima transcritas e que enviou, no dia 19, ao Ministro das Finanças, depois de os documentos sobre o negócio realizado em 2017 terem chegado esta semana ao Parlamento, assegura:
O contrato de compra e venda do Novo Banco, assinado entre o Fundo de Resolução e a Nani Holdings prevê, em termos genéricos e não exclusivamente, três formas de oneração futura do Fundo de Resolução por contingências associadas ao Novo Banco”.
Segundo a deputada bloquista, os custos poderão advir de três situações:
- A de contingências associadas à resolução do BES (resolution contigent indemnities), pois, nos termos do contrato, o FR é obrigado a indemnizar o NB por todas as perdas, passadas ou futuras, que resultem ou estejam associadas ao processo de resolução de 2014 e subsequentes decisões de separação de ativos/passivos entre o BES e o NB;
- A de obrigações que emergem de potencial incumprimento das Title Warranties, ou seja, garantias prestadas pelo vendedor que atestam a validade e segurança jurídica da Resolução, bem como da operação da venda;
- E a de obrigações que emergem de um potencial incumprimento das Business Warranties, que atestam vários aspetos do estado do negócio, desde a informação financeira às questões fiscais.
Mariana Mortágua lembra que, para lá destas contingências, existem outros mecanismos de responsabilização do FR (financiado através de contribuições dos bancos e por empréstimos do Tesouro) e do Estado, já conhecidos: o Acordo de Capitalização Contingente no valor de 3,89 milhões de euros, dos quais cerca de três mil milhões já “consumidos” pelo NB; o acordo quanto à utilização de Ativos Por Impostos Diferidos; e o acordo mencionado na notificação da Comissão Europeia relativa à ajuda de Estado ao NB, pelo qual o Estado se responsabilizará por capitalizar o NB num cenário adverso (backstop) através duma injeção direta ou da garantia pública à emissão de instrumentos de capital Tier 1. E a deputada atira:
É hoje claro que, ao contrário do que deu a entender o Governo quando decidiu a venda, o Novo Banco esgotará toda a garantia de 3.890 milhões de euros. A utilização dos restantes mecanismos que, direta ou indiretamente, possam vir a onerar o Estado é, no entanto, mais complexa e opaca.”.
Sobre a mobilização do mecanismo de backstop,  considera que “a presente situação de crise económica, assim como os seus potenciais impactos no NB, motiva dúvidas legítimas sobre essa possibilidade”. E, entre as questões dirigidas a João Leão, ressalta a que o interpela sobre se tem estimativas para as contingências previstas no contrato de venda do NB e sobre quais foram as condições acordadas com a Comissão Europeia para o mecanismo de backstop.
***
Segundo o que vem à tona, o que se passa com o NB, se ocorresse entre cidadãos ou entre empresas normais, seria denominado caso de polícia. Estando dinheiro público em causa, há que apurar responsabilidades técnicas que podem passar por má-fé ou negligência contratual, por gestão danosa, por esbulho público, bem como responsabilidades políticas. Claramente há um negociador da venda designado pelo BdP, a que o supervisor anuiu; um FR subscreveu o contrato sem acautelar os interesses do Estado; o líder do NB gere como entende, sem supervisão; e os membros do Governo assistem a tudo alegres por cumprirem um contrato deitando-nos poeira para os olhos com auditorias inconclusivas. É o que merecemos?    
2020.06.20 – Louro de Carvalho

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