Celebra-se, no último dia do mês de julho, a Memória litúrgica
(na Companhia de Jesus é uma solenidade) de Santo Inácio de Loyola
presbítero, que, natural do País Basco, na Espanha, viveu na corte e no
exército, até que, gravemente ferido na Batalha de Pamplona, se converteu a
Deus. Fez os estudos teológicos em Paris e associou a si os primeiros
companheiros – entre eles, o seu professor Francisco Xavier –, com os quais,
mais tarde, constituiu a Companhia de Jesus em Roma, onde exerceu frutuoso
ministério, quer pelas obras que escreveu, quer na formação dos discípulos, “para maior glória de Deus” (o lema jesuítico).
Inácio nasceu
em Azpeitia, região basca ao norte da Espanha, em 1491, e faleceu em Roma em
1556. O mais novo de 13 irmãos era destinado à vida sacerdotal, mas o seu
desejo era a carreira militar. Foi a Castilha onde recebeu esmerada
formação tornando-se exímio cavaleiro na corte do ministro do rei Fernando II
de Aragão, o Católico. Ferido em batalha em 1520, permaneceu em longa convalescença
no Castelo de Loyola. E, como não havia livros de Cavalarias – seus preferidos
–, começou a ler, com relutância, textos religiosos, que o fizeram encontrar
Deus.
Foi um
momento que mudou a sua vida, levando-o a fundar, mais tarde, a Companhia de
Jesus aprovada pelo Papa Paulo III em 1538. Por obediência ao Pontífice, Inácio
permaneceu em Roma para coordenar as atividades da Companhia e se dedicar aos
pobres, órfãos e doentes, a ponto de ser chamado “apóstolo de Roma”. Os seus
restos mortais repousam na Igreja de Jesus.
Na
celebração da memória do fundador da Companhia de Jesus, é justo recordar a
figura de Inácio, o seu carisma e a grande atualidade dos Exercícios
Espirituais, bem como as palavras que Francisco, o primeiro Pontífice jesuíta, escreveu
no seu twitter há um ano: “Como Santo Inácio de Loyola, coloquemo-nos
ao serviço do próximo”. Com efeito, era um homem que, antes do encontro com
Jesus, amava o poder e a mundanidade, mas depois, com dedicação, estudo e
escuta a Palavra de Deus, entregou-se à sua vontade com enorme paixão.
Em Roma, na
Igreja de Jesus, onde se encontra o seu túmulo, o Padre Jean Paul Hernandez
descreve-o como “um homem que dá preferência ao processo e a dinâmica”, “em
saída” como o Papa Francisco gosta de afirmar. Na verdade, com assegura, “o
centro do carisma do jesuíta é a obediência,
que é a liberdade do coração”. Assim, o jesuíta é um homem entregue a
Deus e aplica um estilo que passa pela análise a realidade na qual se encontra,
o seu aprofundamento, a oração e o discernimento – processo em que são
fundamentais os “Exercícios Espirituais”,
codificados na primeira metade do século XVI e ainda hoje de grande atualidade,
praticados pelos religiosos, por leigos inspirados na espiritualidade inaciana
e pelos ortodoxos.
“O estilo do
jesuíta faz com que cada um se especialize no âmbito ao qual é chamado” –
refere o Padre Hernandez – “por isso dedicamo-nos à nova evangelização, aos
desafios do saber atual, mas também aos migrantes que representam a emergência
dos nossos tempos”.
O Centro
Astalli (Serviço dos
Jesuítas para os Refugiados), próximo da
Igreja de Jesus em Roma, é uma das muitas respostas dos jesuítas, com cerca de
17 mil presenças em 100 nações do mundo.
***
No dia em
que a Igreja recorda Santo Inácio de Loyola, o padre venezuelano Arturo Sosa,
Prepósito Geral da Companhia de Jesus, a mais alta autoridade da Companhia de
Jesus fala da missão dos jesuítas no mundo transformado pela pandemia, vincando
que a tentação de autoritarismos é um risco real, pelo que temos agora uma boa
ocasião para proceder ao reforço da fraternidade em termos humanos e cristãos.
A este
respeito, Antonella Palermo, do Vatican News e da Rádio Vaticano, entrevistou o Padre Sosa, que falou dum mundo “distanciado”
e do medo dum vírus que não desaparece e que se espalha por muitos
lugares, criando condições propícias para o risco de personalismos políticos quando
é fundamental “a bússola orientada para o bem de todos”. Também aflora, na
entrevista, o esforço para proteger os frágeis, os que a covid-19 não poupa,
mas que têm pouca ou nula hipótese de se protegerem adequadamente, como é o
caso dos migrantes.
O parecer do
Prepósito Geral abrange toda a missão conduzida pela Companhia, sobre as pedras
angulares da espiritualidade que continuam a ser um farol, os acontecimentos atuais
mais urgentes e o papel desempenhado pela Companhia de Jesus na provação do novo
coronavírus.
O Padre Sosa diz que, na
missão, os jesuítas experimentam as provações das populações afetadas e,
sobretudo, as consequências sociais da pandemia. E, seguro de que a pandemia é um
problema de saúde, que será ultrapassado, sabe que as consequências sociais,
económicas e políticas têm de ser levadas muito a sério, pelo que é preciso
tentar saber como continuar a servir os mais necessitados neste contexto.
Das muitas
experiências que a Companhia regista, menciona as da Índia, no Sul da Ásia,
referindo que todos se asseguraram de que os alimentos e medicamentos são
entregues de forma muito generosa às pessoas que não são capazes de se prover
por si mesmas, pois ninguém ali se pode curar a si mesmo sem curar os outros e ninguém
pode curar os outros se não se curar a si mesmo. Revela que há muitas experiências
de acompanhamento, quer pessoais, quer sociais, não se tratando apenas de
celebrar missas nas redes sociais, mas de “estar presente na vida das pessoas”
com todos os meios disponíveis. É uma experiência muito complexa e muito
interessante, que merece ser avaliada ao longo do tempo e constitui “uma
confirmação do discernimento na missão recebida através das preferências
apostólicas universais”. Destas, destacam-se quatro preferências aprovadas pelo
Papa, que põem os jesuítas no centro do que deve ser feito agora, no contexto
da pandemia: “ver que Deus pode nos mostrar como devemos caminhar”; “transformar
as estruturas sociais claramente injustas”; “cuidar da criação”; e “ouvir os
jovens, que são a semente da esperança para o futuro”.
Questionado sobre o facto de “vários países explorarem a pandemia para
mudarem a política migratória”, sustenta, como tem dito, muitas vezes, que “uma das vítimas da pandemia pode ser a
democracia se não cuidarmos de nossa condição política”, pois a grande tentação
de muitos governos, incluindo os chamados governos democráticos, é tomar, neste
momento, o caminho do autoritarismo. Sabendo-se que a Companhia de Jesus está
muito empenhada em acompanhar os migrantes, vários países aproveitam pandemia
para mudar a política migratória restringindo a passagem de migrantes ou o seu recebimento,
“o que é um grande erro se considerarmos que queremos tornar o mundo mais
fraterno e justo”. Discriminar novamente os migrantes “seria, e é, um grande
perigo e seria um sinal de um mundo que não queremos”. E, em matéria de
trabalho, muitas empresas aproveitam a oportunidade para despedir trabalhadores,
reduzir os salários ou não pagar o que têm a pagar ou reduzir os benefícios de
saúde pública. Assim, “a pandemia é uma oportunidade de dar passos para frente
ou para trás”. E devemos estar muito conscientes disso, como Igreja Católica e
como pessoas comprometidas com a justiça e a paz.
Instado a pronunciar-se sobre o critério mais adequado ao momento que Santo
Inácio de Loyola sugeriria, seleciona a
proximidade com os pobres como um critério muito importante e claro, pois, “se
não somos capazes de olhar o mundo de perto, compartilhando o olhar dos pobres,
que é o olhar de Jesus na Cruz, estamos errados na tomada de decisões” e, “se
os pobres não podem ser atendidos, não podem ter um emprego, então o mundo não
está bem”. E a seguir, selecionou o critério do cuidado com a casa comum, pois,
“se a terra sofre, não podemos habitá-la”.
Em relação à América Latina, diz sentir “grande dor” ao ver
quanto a pandemia atinge
aqueles povos e está muito preocupado por não existirem “estruturas sociais ou
políticas que possam realmente lidar com esta emergência”, desejando que “aproveitem
esta oportunidade para ver que mudanças precisam de ser feitas nas estruturas
para garantir um futuro melhor para todos os latino-americanos”.
Sobre as pedras angulares da espiritualidade inaciana, fala do “encontro pessoal e profundo com Jesus Cristo, o
Crucificado Ressuscitado, que nos leva a uma tal familiaridade com Deus que
somos capazes de encontrá-Lo em tudo e em todos os momentos”, sendo que tal familiaridade
“significa uma vida verdadeiramente de oração e serviço” e verdadeiramente
livre. Para tanto, ressalta a importância do Exame de Consciência (pelo menos
duas vezes ao dia) – “talvez
uma das caraterísticas menos conhecidas da espiritualidade inaciana” – como forma
de agradecer a Deus a sua manifestação na história, “conseguindo ser guiado
pelo Espírito, completamente atento a esta orientação, que é uma exigência da
vida baseada no discernimento na missão”. Depois, aponta o trabalho, pois não
se deve desligar a conexão entre a vida comum e a vida no espírito.
Com relação à colaboração entre leigos e jesuítas, acentua que Inácio escreveu os “Exercícios Espirituais” quando era leigo. Só se tornou padre, “quando
viu que era a melhor maneira de fazer um serviço à Igreja naquela época”. Assim,
a experiência de conversão foi para ele encontrar “um método feito por um
leigo, cuja partilha inicial foi com os leigos”. Por isso, os jesuítas querem dar
a este aspeto laical importância especial no seu trabalho, tentando transmitir
esta experiência ao maior número de pessoas possível. Há dezenas de leigos experientes
nos “Exercícios Espirituais” que
podem acompanhar os outros e cujas vidas foram transformadas; e para os “Exercícios Espirituais” não há barreiras
sociais, sendo sempre “um dom do Senhor”.
Quanto ao estado das vocações para a vida religiosa jesuíta e o
processo de formação para entrar na Companhia, frisa que “o problema não é o número, mas a qualidade das pessoas”.
E diz:
“O número diminui em países onde tradicionalmente éramos mais numerosos,
como a Europa, a América do Norte. Entretanto, a qualidade é muito alta, posso
garantir, mesmo que sejamos menos do que no passado. Temos um grande número de
candidatos na África e em algumas áreas da Ásia e fazemos o grande esforço para
uma formação, que é o que sempre se sonhou para um jesuíta. É uma formação
longa, complexa e exigente, que se mantém inalterada.”.
Por fim, reponde à questão se Santo Inácio não pensou em um ramo
feminino da Companhia, apontando que “a Ordem é o que ela é, mas a espiritualidade
ilumina muitas outras realidades religiosas”, sendo que, nas suas escolas,
centros de espiritualidade e formação e centros sociais, “um grande número de
mulheres participa em nível gerencial, como inspiradoras de algumas atividades,
compartilham a espiritualidade e a missão” jesuíta. Embora não haja mulheres
jesuítas, trabalham “juntos na mesma missão”.
E porque não
instituir um ramo feminino jesuíta nos tempos atuais? Quem pergunta não ofende,
digo eu, como diz o povo.
2020.07.31 – Louro de Carvalho