À saída da
recente reunião no Infarmed em que, depois de ter sido detetado em Portugal, há
128 dias, o primeiro caso de covid-19, políticos, parceiros sociais e cientistas
se encontravam para a definição de políticas públicas de combate à epidemia
sustentadas cientificamente, o Presidente da República anunciou que não haverá
mais encontros destes.
Foram 10 as
reuniões em que, segundo o Primeiro-Ministro, os cientistas mostravam andar
atrás do vírus e os decisores políticos tentavam ouvir os cientistas. Não obstante,
Marcelo revelou que este ciclo terminou e que poderá ser retomado, mas noutros
moldes.
Com exceção
do PSD, os partidos da oposição lamentam o fim dos encontros e André
Ventura, do Chega, diz-se surpreendido pela notícia dada cá fora, embora no interior
do auditório do Infarmed não tenha sido marcada nova data para outra reunião.
Como tem
sido hábito, coube ao Chefe de Estado tecer considerações sobre o conteúdo da
reunião. Assim, apresentou aos jornalistas dados que mostram que a situação em Lisboa
e Vale do Tejo evolui favoravelmente, sendo agora de 0,98 o R (taxa de
transmissão do vírus) nacional e
de 0,97 na região de Lisboa. Há estabilização e mesmo tendência, embora
ligeira, de aparente descida, como informou o Presidente, apesar de ser ainda “cedo
para fazer a avaliação definitiva”. Houve “aprofundamento da
comparação socioeconómica entre as várias regiões”, que mostra
que o panorama nos distritos do Porto e de Lisboa é distinto, e um reforço de
40% das equipas que andam na rua a fazer o levantamento dos contágios. Marcelo
citou um dos estudos apresentados, que parece demonstrar a não existência de
ligação entre transporte ferroviário e o surto pandémico, o que reforça as
recentes declarações da Ministra da Saúde, sendo o risco escassíssimo. E aludiu
a um trabalho que aponta a coabitação como “o fator mais importante em termos
de explicação causal dos surtos, logo seguida da convivência social”.
Marcelo agradeceu
a iniciativa destas importantes reuniões, que facilitaram a convergência e constituem
experiência única não verificada em nenhum outro país no mundo.
Dados
citados pelo Chefe de Estado indicam que o tempo mediano de internamento está
hoje entre os 10/11 dias no caso do internamento geral e 17/19 nos cuidados
intensivos. Para um cenário considerado pessimista, de 338 casos novos,
haveria 39 internados novos, 607 no internamento geral e 91 nos
cuidados intensivos, bem dentro da capacidade global do SNS.
As últimas
reuniões já estiveram mais focadas na análise da situação de Lisboa (onde os
contágios estavam a evoluir de forma preocupante, mas não descontrolada), e a penúltima foi uma das mais acesas. Com efeito,
a 24 de junho, registou-se um momento de tensão, com o Primeiro-Ministro a
corrigir a Ministra da Saúde, quando ela referiu o período de confinamento e os
especialistas negavam que a realização de mais testes explicasse o aumento de
casos em Lisboa.
Ainda antes
de os participantes saírem do Infarmed, Catarina Martins dava conta de mudanças
na reunião com “mais indicadores para análise”. Há, de facto, diferenças na
incidência no país e ao longo do tempo. E, considerando concelhos onde se
habita, transportes e setor da economia, permanece uma certeza: a pobreza e
exclusão são fator de risco, não havendo crises simétricas.
José Luís Carneiro,
secretário-geral adjunto do PS, frisou que os portugueses estão a confiar na
forma como está a ser feito o desconfinamento e que os indicadores de
confiança na resposta do SNS estão a melhorar. Nestes termos, em relação a
Lisboa, a resposta é a adequada e, apesar das dificuldades, as medidas seletivas
estão a produzir efeitos, pelo que este dirigente partidário deixou um
agradecimento às autoridades de saúde e à forma como deram suporte às decisões
políticas. E revelou o valor da taxa de transmissão (R) nas várias regiões do
país, especificando:
“O indicador de contágio na região Norte
está hoje em 1,09; na região Centro em 1,08; em Lisboa e Vale do Tejo em 0,97;
no Alentejo em 0,86; no Algarve em 0,77”.
Pelo PSD, Ricardo
Baptista Leite concluiu que, “se falharmos na resposta de Lisboa, estaremos a
falhar ao país”. E, vincando que o PSD escolheu salientar os negativos, referiu:
“Temos agora 48 surtos, quando há duas
semanas eram 12; a percentagem de pessoas com infeção que não sabemos como se
infetaram é de 18% na região de Lisboa e de 26 e 27% nas regiões Centro e
Norte; e houve um aumento do número de internamentos e de mortalidade na
região de Lisboa e Vale do Tejo”.
Como notícia
mais positiva, sublinhou “uma aparente estabilização” que apenas aconteceu nos
últimos dias e não se verifica nos concelhos de Sintra e de Lisboa.
José Manuel
Pureza, do Bloco de Esquerda, apontou o caráter positivo das reuniões,
salientando a “menção a determinantes económicas e sociais da doença”. A pedir medidas
de alcance socioeconómico, lembrou a importância dos movimentos pendulares, a
sobrelotação dos alojamentos, a falta de alternativas para muitos que não têm
outra hipótese senão ir trabalhar para sobreviver. E entende que é muito
importante que no Parlamento se a fiscalize “a evolução da pandemia e das
medidas que se vierem a tomar”.
Jorge Pires,
do PCP, frisou a “importância das reuniões”, associou o seu fim à “opinião dum
líder político muito amplificada” na comunicação social e sustentou que “o
conjunto de pessoas que trabalharam ao longo destes meses prestou um grande
serviço”, pelo que as reuniões, na sua ótica, devem ser retomadas, “nem que
seja mais à frente”.
Também o PEV,
pela voz de Dulce Arrojado, reconheceu que as reuniões são muito relevantes e
que a partilha de informação é indispensável. E pôs a tónica nas condições
socioeconómicas, tal como havia feito o deputado do Bloco de Esquerda.
António
Carlos Monteiro, do CDS, lamentou o “fim das reuniões numa altura em que a
crise de saúde pública continua” e acrescentou que não é com menos informação
que as soluções aparecem. E denunciou:
“Em número de contágios por milhão de
habitantes, Portugal fica apenas atrás da Suécia, que não teve qualquer
confinamento. Os portugueses pagaram o preço do confinamento em falências e
desemprego e isso não teve o efeito desejado. O que sentimos é uma enorme
frustração.”.
André
Ventura estranhou o fim das reuniões após as declarações de Rui Rio e a “passividade
enorme” do Presidente, salientou o alinhamento e concertação entre todos estes atores
e sublinhou o aumento de contágio nos jovens, nos lares e no Algarve.
E Carla Castro,
da Iniciativa Liberal, criticou a “forma como o Governo continua a
encontrar inimigos externos e culpados”, quando deveria tentar “encontrar
soluções para os problemas”.
***
Ao invés do que deixou perceber o Chefe
de Estado, o Primeiro-Ministro esclareceu que as reuniões com epidemiologistas continuarão,
mas que não foi marcada a seguinte porque a situação pandémica está
estabilizada e não há informação relevante nova para partilhar. Disse-o no
final duma reunião com a presidente da Câmara da Amadora, em que também
estiveram presentes a Ministra da Saúde e o Secretário de Estado dos Assuntos
Parlamentares, que é também o coordenador do Governo para o combate à covid-19
na região de Lisboa e Vale do Tejo para. E admitiu que uma nova reunião poderá
ter lugar até ao final deste mês.
Salientando que “o país encontra-se
numa situação estável” e que há dois estudos importantes que estão a decorrer (um do Instituto Nacional de Saúde
Pública centrado na medição do nível de imunização; outro liderado pelo
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto para medir a especificidade
das cadeias de transmissão, designadamente na região de Lisboa), classificou como “úteis” as 10
reuniões e salientou que “é fundamental a prática de fiabilidade dos dados,
total transparência e partilha dos dados com todos os responsáveis políticos”. Depois,
advertiu que ninguém pode “afrouxar” nas medidas de proteção, considerando
essencial a “persistência” na aplicação das medidas e a “paciência” em relação
aos resultados. E disse que o modelo de intervenção aplicado na Amadora, baseado
em equipas multidisciplinares e ações direcionadas em termos de terreno, “foi
um bom exemplo”, que será “replicado” em outras zonas da Área Metropolitana de
Lisboa.
***
Há quem refira que o Presidente da
República queria o fim destes encontros para descolar de Costa, o que não
parece provável, por isso não lhe dar jeito neste momento e porque é ele quem
assume o protagonismo dos conteúdos perante a comunicação social, que não lhe
interessaria perder. Parece mais certo que tenha sido Rui Rio a urgir a descontinuidade
das reuniões por a discussão entre políticos e técnicos já não trazer nada de
novo ao combate à pandemia e por entender que os decisores devem estar mais
focados no trabalho que nos debates. Assim, Rio terá sugerido isso, Marcelo
terá concordado e Costa anuiu, embora desse a entender que o modelo estava
saturado.
Por mim, penso que estas reuniões com
o Chefe de Estado, conselheiros de Estado, parceiros sociais, membros do
Governo e partidos com assento parlamentar deixaram de ter utilidade. É muita
gente a debater. Dá a impressão que os especialistas se armam em professores
dos políticos. E, como a ciência é muito incerta nestas matérias, os
especialistas terão caído na tentação de mostrar excessivas divergências e oscilações.
Ora, para que o seu contributo seja útil, antes destes fóruns deveriam pôr-se
de acordo sobre o aconselhamento a dar aos decisores e nas respostas a dar aos possíveis
pedidos de esclarecimento, sempre na linha do mais defensável apesar das incertezas
e não levando a mal que o Governo explore outros canais de assessoria.
Por fim, entendo que estas reuniões,
em vez de constituírem um espaço de espetáculo, embora à porta fechada, mas com
demasiados intervenientes, deveriam ser mais sóbrias e limitadas. Até poderiam
ser mais frequentes, mas com a participação de especialistas, obviamente, dos líderes
parlamentares e dos ministros da Saúde e da Economia ou de secretários de Estado
daquelas pastas, devendo os membros do Governo presentes reportar ao Primeiro-Ministro
e ao Presidente da República a informação pertinente. Seria mais eficaz, embora
não espetacular.
2020.07.09 – Louro de Carvalho
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