António
Costa e Silva, gestor nomeado pelo Primeiro-Ministro para coordenar os trabalhos preparatórios do plano de relançamento
da economia,
apresentou ao Governo, no passado dia 9 de julho, a ‘Visão
Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal
2020-2030’, um documento de 119 páginas em que adverte para urgência de dar
respostas, pois o que vem aí é pior que o esperado. Antecipa que a queda
do PIB (produto
interno bruto) pode, este
ano, ascender aos 12%, contra as previsões constantes do
Orçamento Suplementar, que apontam para uma contração de 6,9%. E
deixa claro que “não vale a pena ter ilusões”.
A
justificar tão acentuada queda da
economia, sustenta que o consumo pode registar, em 2020, uma queda de 11% e o
investimento 26% e admite que a taxa de desemprego chegue aos 11,5%, pelo que
preconiza um “pacto entre Estado e empresas”, em que o Estado não se
limite a pôr dinheiro nas empresas, mas as leve a gestão eficiente, áreas e
produtos de maior rentabilidade e manutenção de empregos. Alertando
para a probabilidade de, a partir de setembro, a situação de muitas empresas se
deteriorar significativamente assegura que “é fundamental existir no terreno
um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis”. E
adverte que, mediando grande lapso de tempo entre a deterioração da economia no
2.º semestre de 2020 e a chegada da ajuda europeia, muitas empresas podem não
se aguentar se não houver respostas adequadas.
A par do
predito programa agressivo, o consultor propõe o reforço do investimento no cluster da economia de Defesa como uma
prioridade, pois servirá de alavanca para o desenvolvimento tecnológico do
país. Nestes termos, considera que devem ser apoiados projetos relacionados
com a mobilidade aérea urbana, os microlançadores e microssatélites,
a inovação no desenho e fabrico de estruturas aeronáuticas, a vigilância marítima,
o comando e controlo, a ciberdefesa e os sistemas submarinos. E sugere uma
série de instrumentos de ajuda à tesouraria das empresas, incluindo um “fundo
soberano”, dirigido a companhias de base exportadora, pois as empresas
estão muito descapitalizadas e é essencial criar condições para o reforço dos
capitais próprios através de políticas fiscais e financeiras adequadas.
Entende que Portugal
deve reforçar a cooperação geopolítica e económica para se tornar um ‘player’ (ator) atlântico (não só europeu) e se transformar numa potência média do ‘soft power’ (poder de
persuasão), ligando a diplomacia, as missões
de solidariedade internacional das Forças Armadas, a tecnologia e a necessidade
de combater as ameaças globais, para abrir caminho à criação de plataformas colaborativas que
podem resolver problemas e abrir novas vias para a cooperação geopolítica e
económica. Salienta a atenção a dar “à necessidade de aumentar a eficácia dos
reguladores, essenciais para o mercado funcionar de forma aberta e competitiva,
tendo em conta o papel central da regulação, que deve ser simples, desburocratizada e ativa”.
Por isso, sugere a elaboração dum balanço do trabalho das agências reguladoras
em Portugal e a identificação de meios e mecanismos para melhorar toda a
sua ação. E considera que se deve eliminar o limite de anos que os
bancos e as empresas têm para deduzir prejuízos fiscais ao IRC. A
forma de resolver o problema seria através de “uma medida que vise a eliminação
do prazo de reporte de prejuízos fiscais em sede de IRC, em sintonia com o
que acontece noutros países europeus”, medida “extensível às empresas, em
especial às micro, pequenas e médias empresas”. E pede a retoma dos projetos de
ligação entre o Porto e Lisboa por alta velocidade ferroviária e do novo
aeroporto de Lisboa. Assim, sustenta a necessidade de “construir um
eixo ferroviário de alta velocidade Porto-Lisboa para passageiros, começando
com o troço Porto-Soure” (onde há mais constrangimentos de circulação), ligação que “potenciará a afirmação das duas áreas metropolitanas
do país e o seu funcionamento em rede”, além de trazer “grandes ganhos
ambientais por dispensar as ligações aéreas”.
E, embora o
plano incida na recuperação económica, não pode deixar de se centrar nas
pessoas, o que implica a necessidade de identificar e corrigir as vulnerabilidades do setor social,
com o combate à pobreza, ao desemprego, à exclusão social. Com efeito, “as
pessoas são a base do sistema democrático e a ação para preservar a
sua dignidade é elemento indissociável do contrato social que rege os estados
democráticos avançados”.
***
No âmbito do apoio às empresas, o predito fundo
soberano será o germe da criação dum fundo, de base pública com “capital
aberto a fundos privados”, preferencialmente para “operações em coinvestimento,
dirigido a empresas com orientação exportadora e potencialidades de exploração
de escala”. Propõe-se a revisão
do sistema nacional de garantia mútua; a criação dum banco promocional (tipo Banco
do Fomento), com uma clara matriz da operação
em torno dos segmentos de empresas com maior capacidade de arrastamento e não na
lógica de assunção das operações de risco que o sistema financeiro não está
disponível para aceitar, bem como tendo o mandato dum banco verde para garantir
maior capitalização de investimentos verdes; o desenvolvimento duma “abordagem
integrada entre financiamento à exportação, seguros de crédito, estímulo ao
investimento internacional, que integrem a oferta de soluções, com maior presença
dos estímulos públicos”; a criação de mecanismos que facilitem o acesso a seguros de crédito às
empresas, o que passa por criar a verdadeira Cosec portuguesa; um programa
de apoio à reestruturação de
empresas, apoiando a recuperação e a realocação de capital nas mais
produtivas, com reafetação de meios de produção e trabalhadores; e a possibilidade de dedução
de lucros nos últimos exercícios, mecanismos de incentivo e créditos
fiscais visando revitalizar as empresas, deduzir prejuízos acumulados,
incentivar fusões e aquisições e criar massa crítica na economia.
No quadro das obras públicas, é preciso: construir
um eixo ferroviário de alta
velocidade (TGV) Porto-Lisboa para passageiros, começando com o troço
Porto-Soure, com posterior ligação a Espanha, visando favorecer todo o litoral
português e facilitar o equilíbrio financeiro da exploração; equacionar, para o
médio prazo, a ligação ferroviária
Porto-Vigo; dispor de linhas ferroviárias totalmente elétricas; construir o eixo Sines-Madrid e renovar a
Linha da Beira Alta, dois eixos fundamentais para o tráfego de
mercadorias para Espanha; investir nos
portos de Sines e de Leixões para aumento da competitividade; construir um terminal
portuário de minérios para exportação dos recursos minerais estratégicos (em particular o lítio, entre outros); estabelecer, no porto de Lisboa, uma plataforma de negociação
que leve a um pacto entre as empresas e as entidades sindicais que
salvaguarde o funcionamento dessa estrutura; desenvolver o
plano para reconversão do porto da
praia da Vitória, nos Açores, numa espécie de estação de fornecimento de gás
natural liquefeito aos navios que cruzam o Atlântico; construir
um novo aeroporto para a grande
AML (Onde?); e alargar a rede do metro de
Lisboa e do Porto incluindo uma nova
travessia do Douro a montante da ponte da Arrábida, com aposta na
mobilidade elétrica.
A nível dos recursos humanos, é vital que Portugal
reforce o seu papel como centro europeu de engenharia, para o que tem de formar mais engenheiros, não só de
‘software’ ou eletrotecnia, mas também mecânicos, civis, químicos, mineiros,
físicos tecnológicos, aeroespaciais e outros; é preciso criar ‘kits’ pedagógicos ilustrativos das profissões
mais necessárias para atrair estudantes do ensino secundário; importa
implementar um “novo ciclo de
investimento e desenvolvimento” para “cobrir fragilidades que ainda existem na
capacidade do sistema científico” na formação de investigadores e no acesso
às tecnologias, devendo as escolas superiores de sistemas digitais, escolas de
pós-graduação e centros colaborativos de formação ser dos principais destinatários
destes investimentos; é imperioso incrementar a ligação de projetos como a rede
de laboratórios colaborativos e as parcerias das universidades portuguesas com
grandes instituições científicas norte-americanas (MIT e Carnegie
Mellon, por exemplo) e com as empresas”; há que dar prioridade ao “projeto para a Rede Ibérica de Computação Avançada e
Supercomputação Verde”; e é de reforçar os meios do Centro de Computação
Avançada da Universidade do Minho.
No campo da afirmação externa, Portugal deve reforçar a cooperação geopolítica e económica para se tornar
um ‘player’, pois o Atlântico, a ressurgir como grande plataforma
energética e comercial, “será uma das grandes vias marítimas do século XXI”, o
que representa uma possibilidade imensa de mudar o estatuto e a trajetória de
Portugal. O objetivo é transformar Portugal numa potência média do ‘soft power’ (poder de persuasão), ligando a diplomacia, as missões de solidariedade
internacional das Forças Armadas, a tecnologia e a necessidade de combater as
ameaças globais e abrindo caminho para a criação de plataformas colaborativas
que podem resolver problemas e abrir novas vias para a cooperação geopolítica e
económica.
Como exemplos de
‘soft power’, menciona-se a cooperação com os países do Norte de África para
minimizar o avanço da desertificação, combater a ameaça climática e a
escassez de água, e com as nações do Atlântico Sul, para preservar as rotas
internacionais de comércio e prevenir os ataques piratas”; e preconiza-se a parceria científica e tecnológica e a
cooperação geoeconómica entre as nações do Atlântico “para o
desenvolvimento sustentável dos recursos energéticos e minerais e para proteger
o oceano e os seus ecossistemas” e a criação
duma grande Universidade do Atlântico e um centro de previsão do
clima, atraindo parceiros internacionais para os Açores.
Quanto à justiça fiscal, recomenda-se a utilização dos meios de resolução
alternativa de litígios e o estímulo aos operadores judiciais a
essa utilização, por maior rapidez e menor onerosidade; a gestão mais produtiva dos processos judiciais, com a simplificação das suas etapas; e a remoção
dos tribunais dos processos que parasitam o sistema (insolvências,
litígios específicos e fiscalidade…).
No Pacto entre Estado e empresas,
importa que o Estado reúna com as empresas, por ‘clusters’, para fazer o
levantamento da situação, definir os critérios de apoio e condicionar o apoio a
uma aposta forte das empresas na manutenção dos postos de trabalho e na sua
responsabilidade de gestão eficiente dos capitais a que têm acesso para
reinventarem os seus planos de negócio e apostarem em áreas e produtos que
assegurem uma maior sustentabilidade em termos de futuro; é imperioso que o
pacto regule o papel de ambos e em que a concessão de apoios públicos ao tecido
empresarial seja pautada por critérios definidos idos pelo Estado.
Em termos da Prioridade de produção, Portugal deve
tornar-se numa fábrica da Europa nos
dispositivos médicos, como ventiladores, e consolidar a fileira dos
equipamentos de proteção individual, revendo os sistemas de
certificação; tem de explorar a capacidade de utilizar
as valências da metalomecânica ligeira e da indústria de moldes para, com base
na impressão 3D e nas tecnologias digitais, “criar produtos inovadores para os
profissionais de saúde, da proteção marinha e da proteção civil”; e há que reconverter o Centro Nuclear de Sacavém e criar um polo de terapia oncológica com protões,
baseado em Loures, mas em rede de IPO: Coimbra, Porto e Lisboa.
Em relação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS),
há que fazer evoluir a sua organização para um modelo mais flexível e rápido,
mas “mantendo e consolidando a qualidade e sustentabilidade; concluir a rede do SNS com o novo
Hospital de Lisboa Oriental, o novo Hospital do Seixal, o novo Hospital de
Évora, o novo Hospital do Algarve; requalificar o parque e a tecnologia
hospitalar e ampliar a Rede Nacional de Cuidados Continuados; dotar os centros de saúde de meios de diagnóstico em
termos de radiologia e de colheita de análises para diminuir
recurso às urgências; e desenvolver uma
cultura nutricional e de atividade física, pilotada pela rede de Centros de
Saúde, que comece nas escolas e se propague ao conjunto da sociedade.
Relativamente ao Turismo, importa
direcionar programas de apoio específico para a revitalização do turismo, setor
que representa 13% do PIB; promover um grande plano para captar a atenção dos
mercados mais importantes com base nas valências que apresenta em
termos da diversidade geográfica e paisagística; apostar na
qualidade e ter como indicadores não só o número de visitantes, mas também a
rentabilidade por turista; combinar o
turismo convencional com o da natureza, o da saúde, o cultural e o oceânico,
construindo assim uma oferta competitiva; e evitar o
recurso sistemático a mão-de-obra precária e desqualificada.
Para a valorização da cultura, urge: criar um fundo público para a
criatividade digital, para projetos inovadores que associem arte e tecnologia;
instalar “incubadoras para a criatividade e arte digital”, com ligação a universidades
e centros tecnológicos; investir mais na
investigação científica em cultura e património e na digitalização de conteúdos
e obras artísticas, como cinema e obras de artes; criar várias redes de
cultura (Rede Nacional de Cineteatros e Cineclubes, Rede Nacional de Arte
Contemporânea e Rede de Residências Artísticas…), para capitalizar espaços e
centros de arte contemporânea, muitos dos quais fechados ou com utilização
muito reduzida, a necessitarem de modernização tecnológica, com prioridade para os agentes culturais que não dispõem de espaços para criar; estabelecer programas de apoio a atividades artesanais, “assentes na tradição e a
reabilitar património cultural e natural para futuros “programas ecoartísticos”;
e assegurar e reforçar o
mercado de bens e serviços culturais, promovendo e preservando o emprego nesta
área e reconhecer o valor económico e geopolítico da cultura.
Enfim,
é crucial prestar atenção às PME (pequenas e médias empresas), que fazem mais de 95% do tecido empresarial e
empregam mais de 75% das pessoas. A saída da crise quer empresas mais saudáveis
e que resolvam os problemas de financiamento, o que implica o alívio da sua
carga fiscal, “que é muito elevada e torna o país menos competitivo”. E as
empresas, candidatas à injeção de capital público, devem melhorar a qualidade
da gestão; identificar e explorar os nichos certos do mercado globalizado; abrir
capital; evitar o foco no financiamento pela dívida; aumentar a
competitividade, não pelos baixos salários, mas pela inovação; internacionalizar-se;
cooperar e criar massa crítica para intervirem nos nichos do mercado global.
***
Um programa
muito caro e de difícil execução política e económica. Quase esquece Madeira e
Açores e é magro no TGV de ligação à Europa. Não aposta claramente na via férrea
de bitola UIC, parece ignorar o parque escolar e a problemática do transporte
rodoviário, bem como o custo da eletricidade, da água e das telecomunicações. Que
vão fazer os decisores políticos?
2020.07.15 –
Louro de Carvalho
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