sábado, 18 de julho de 2020

Se as escolas voltarem a fechar, há lições a tirar do ano que passou


Face à probabilidade de as escolas retomarem a quase normalidade, entre 14 e 17 de setembro, com aulas presenciais para toda a escolaridade e à previsão da DGS (Direção-Geral da Saúde) da possibilidade dum surto em outubro, há comportamentos do ano letivo anterior a não repetir.
O Ministro da Educação disse que a aplicação do regime não presencial ou do regime misto apenas acontecerá “se as autoridades de saúde nos disserem que é preciso fazê-lo num determinado território ou em todo o país”. Entretanto, professores e diretores advertem que não se podem repetir alguns erros do passado na hora de regressar a casa.
O DN afirma que os relatos de escolas encerradas fazem prever que no próximo ano letivo se remará consoante a maré. E aponta o caso da criança dum jardim de infância testou positivo para a covid-19, no dia 14, obrigando ao isolamento de outras 28 crianças e 4 funcionários, o dum surto registado numa fábrica, o dum surto numa escola básica, que levou ao encerramento deste estabelecimento de ensino de forma preventiva, para limpeza e desinfeção, e o da infeção duma funcionária num centro de ATL, que obrigou ao seu encerramento.
Faltando dois meses para o arranque das escolas e vindo as autoridades de saúde nacionais e internacionais a avisar que a pandemia está longe do fim, com a DGS a colocar em cima da mesa a possibilidade dum pico de infeções em outubro, mudança de estação, em que se tornam mais visíveis as fragilidades na saúde dos cidadãos, o Ministro da Educação diz que “temos de estar preparados para o pior”, ou seja, para voltar a fechar as escolas e acionar de novo o ensino à distância. Porém, isto implica ter em conta as fragilidades de milhares de famílias: as que não têm computador ou que não têm um computador a mais para os filhos, bem como as que não podem ficar em casa a garantir-lhes o apoio. E, tendo o Governo prometido acionar um programa de universalização do acesso a equipamento e internet para todos os alunos já no próximo ano letivo, Filinto Lima, presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) afirma que o cumprimento desta promessa “é essencial” para um ensino à distância mais sereno, embora admita não ser suficiente por haver “outras situações a ter em consideração no regresso do ensino à distância para professores e alunos”.
Recorde-se que, depois do encerramento das escolas em março, os professores tiveram de repensar a forma de ensinar, mas a grande dúvida manteve-se sobre a forma mais justa de avaliar os alunos, com recursos e contextos tão diversos. A grande maioria trocou os testes por apresentações de trabalhos e pela valorização da assiduidade e do esforço comprovado de cada aluno – o que os diretores e professores dizem ser um passo no caminho certo e que já deveria ser a realidade educativa em Portugal. E era, mas a pressão social fê-los incidir sobre os testes!
Contudo, nem todos os professores foram capazes de garantir avaliações inovadoras neste contexto, o que gerou críticas da parte de pais. Por isso, Filinto Lima alerta que o modelo de avaliação deve ser repensado “seriamente” se os alunos regressarem a casa, sendo importante definir os critérios de avaliação como se fez para o 3.º período e diminuir a ponderação dos testes de avaliação, pois “fazer uma avaliação à distância, à partida, será sempre diferente”. E diz que os testes escritos, por exemplo, “podem ser feitos pelos pais ou com outras ajudas, sem que o saibamos”, esquecendo que os outros trabalhos também o podem ser.
Já Paula Carqueja, dirigente da ANP (Associação Nacional de Professores), opina é mais importante a avaliação permanente dos alunos que julgá-los por um teste”, não só em tempos de pandemia, mas de forma contínua. Esquece o que as escolas já se tinham habituado a fazer, tendo apenas sucumbido à pressão dos rankings e dos pais! (Li no antigo site da DGIDC que os testes nunca foram obrigatórios: tudo dependia do professor). E esta dirigente da ANP, em entrevista ao DN em junho, já lembrava que no teste há vários fatores associados “a todo o momento e à resposta”, o que prejudica a avaliação e aprendizagem do aluno e apontava a desmotivação do aluno que, tendo um trabalho excelente – em que se esforçou para investigar e ser criativo, o que hoje pede o mercado de trabalho, “depois falha num teste de memorização, de atenção”.
Quanto aos exames nacionais, Paula Carqueja afirma perentoriamente que “devem continuar a existir”, frisando que, ao invés dos testes escritos durante o ano letivo, “o exame não funciona com uma percentagem superior” a todos os restantes critérios envolvidos na avaliação final do aluno, “é simplesmente mais uma prova” e “um instrumento de equidade nacional”. E é apologista de que os exames nacionais devem prosseguir “nos moldes em que ocorreram neste ano”, em que os estudantes fazem apenas os exames de que necessitam para concorrerem aos seus cursos na faculdade. Assim, como é que o exame é só mais uma prova, se decide o ingresso e não tem a ver com a classificação da disciplina para termo do ensino secundário?
Desde que o aluno trocou a sala de aula por uma secretária (às vezes, improvisada) em casa, os pais passaram a estar perto de um ataque de nervos com a quantidade de trabalho que recaía sobe o filho e, inevitavelmente, sobre eles. Com efeito, pela distância, vários professores aceleraram o ritmo dos alunos, pedindo diversos trabalhos que deveriam ir sendo apresentados para lá das aulas síncronas. Os diretores, que reconheceram, na altura, ter havido “exagero” da parte de alguns docentes, prometem que o erro não se repetirá. Na verdade, segundo Filinto Lima, não só deve ser repensada a avaliação, mas “também deverá existir maior cuidado em relação às tarefas que os professores entregam aos seus alunos”, pois foi grande o desafio que o ensino à distância acarretou para muitas famílias, divididas entre a vida profissional e a vida escolar dos filhos. “Os pais são parte essencial, sobretudo ao nível do 1.º ciclo, mas a tentativa deve ser a de procurar não os deixar como apoio constante aos alunos” – sentencia.
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A este respeito, Andreia Lobo vinca ao “educare.pt” que os pais não são “professores” no ensino à distância. De facto, com a escola em casa, pais e professores quase trocaram papéis. Porém, ensinar cabe aos professores; dos pais, espera-se a criação das condições para o sucesso.
Muitos pais dividiram os dias de confinamento entre o trabalho e o apoio aos filhos no ensino. Ao longo de 4 meses, a escola mudou-se para casa. E agora, o ensino à distância e o ensino misto são dois cenários possíveis para o regresso às aulas
Perante a possibilidade de o próximo ano letivo não ser presencial para todos os alunos, Júlia Azevedo, presidente do SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores), clarifica que escola em casa não significa transformar os pais em profissionais da educação, pois o seu papel será o de supervisionar e criar condições para que o filho “tenha o melhor sucesso”, por exemplo, ajudá-lo a organizar o horário para conseguir ser assíduo e pontual, proporcionar um local adequado para ele estar no computador… E relata que “muitos alunos estavam na cama ou a tomar o pequeno-almoço, ou num local completamente desconfortável”. Ora, porque “ todos sabemos muito bem o que acontece quando tudo é em casa”, avisa que “os pais devem tentar criar vários momentos: o de trabalho, o de lazer, o da refeição…”. Na lista de afazeres parentais mantém-se, segundo Júlia Azevedo, a necessidade de verificar o cumprimento das tarefas escolares, “apoio que já deveria existir no ensino presencial, só que agora é muito mais premente”. E, como “os pais têm de saber que o processo ensino-aprendizagem é uma interação professor-aluno”, não lhes cabe “interromper, nem dar dicas nas aulas, porque assim só estão a desautorizar o professor, a falar do que não sabem e a prejudicar o filho e a turma inteira”.
Por seu turno, Jorge Ascenção, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), acredita que, “se alguma lição os pais retiraram da experiência letiva destes últimos meses, foi a de que acompanhar os filhos é muito mais que ajudar nos trabalhos de casa, levá-los à escola ou ir às reuniões de direção de turma. Assim, “muitas famílias que não acompanhavam os filhos além do essencial, perceberam que o acompanhamento é estar envolvido no processo educativo, é conhecer a escola e dar-se a conhecer à própria escola”. E resume: “é participar de uma forma ativa, pró-ativa e não apenas passiva”.
Este dirigente do movimento associativo parental diz que os pais tiveram uma perceção diferente do que é o trabalho escolar, pois “de alguma forma a sala de aula esteve em nossa casa”, não porque os pais tivessem de estar presentes na sala de aula, mas, sentindo-se obrigados a dar ajuda em algumas dificuldades pela impossibilidade de o professor estar permanentemente presente, “puderam perceber todo o processo educativo”.
Júlia Azevedo, julgando pela quantidade de e-mails que os professores receberam das famílias a agradecer o apoio nestes meses, está convicta de que muitos pais perceberam a importância do trabalho docente. No entanto, insiste em que “ensinar cabe aos professores” e em que “não podemos sobrecarregar os pais com um trabalho que não lhes é possível ter e também que não sabem nem lhes compete fazer”. E, por outro lado, assegura que, “se os pais ficaram por dentro do processo educativo, os professores entraram na vida das famílias” a ponto de observarem que muitos “preparavam os lanches, chegavam os livros e por aí fora”, e perceberem “alguma falta de autonomia” das crianças do 2.º e 3.º ciclo, causadora de “entraves à aprendizagem”.
Também Jorge Ascenção, que passou muitas horas da quarentena a responder a e-mails de pais, percebeu que “algumas famílias tiveram consciência de que até aqui não estariam a acompanhar os filhos como é preciso”, enquanto outras descobriram nos filhos capacidades que até agora desconheciam. Como refere, “às vezes, temos a ideia de que as crianças não são capazes de ter autonomia ou de pensar em certas coisas, pelo que “foi uma descoberta interessante em termos de família perceber que os nossos filhos têm capacidades das quais nós duvidávamos”.
E, na perspetiva dum ensino à distância ou misto, com todas as condicionantes identificadas ao longo destes 4 meses, Júlia Azevedo antevê que o 1.º período de 2020/2021 será “extenuante para toda a comunidade educativa”. E Jorge Ascenção diz que “setembro não será um recomeço, mas um começar diferente”, com a vantagem de não sermos apanhados de surpresa.
Enfim, que esta ataraxia coletiva ajude a superar melhor a crise sanitária, a crise escolar e a crise socioeconómica. E que Deus ajude, que bem é preciso! 
2020.07.18 – Louro de Carvalho

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