A redução do
número de debates periódicos com o Primeiro-Ministro na Assembleia da República
(AR), substituindo os debates quinzenais, por debates
mensais com o Governo, é a principal mudança da revisão do regimento da AR, sem
alterações profundas desde 2007, quando foi introduzido este modelo. Porém, há
outras alterações a ter em conta.
O grupo de
trabalho que debateu a terceira fase de alterações ao regimento concluiu, no
dia 21, as votações indiciárias das propostas de alteração, que a Comissão de
Assuntos Constitucionais ratificou e que o Plenário confirmou em votação final
global, tendo mesmo o BE solicitado a votação final do atinente à supressão dos
debates quinzenais com o Chefe do Governo. A proposta passou só com os votos de PS
e PSD, sendo que votaram contra 21 deputados do PS e 5 do PSD, bem como as duas
deputadas não inscritas, abstiveram-se 5 deputados do PS e não votaram Ferro
Rodrigues e Rui Rio por estarem a participar na reunião do Conselho de Estado
por videoconferência. Assim, doravante, o Primeiro-Ministro só é obrigado a
estar presente (embora possa estar mais vezes) na AR em 4
debates por ano, além dos debates do Orçamento do Estado e do Estado da Nação,
bem como dos dois debates sobre os conselhos europeus.
É de
recordar que, em dezembro, apenas foram introduzidas alterações que aumentam os
tempos e direitos de intervenção dos deputados únicos e, em fevereiro, uma
alteração cirúrgica transferiu do Plenário para as comissões o debate de grande
parte das votações. Porém, desta feita, o PS e o PSD quiseram mexer em mais de
50 artigos, com o PAN, a Iniciativa Liberal e deputada não inscrita Joacine
Katar Moreira a apresentarem apenas alterações pontuais.
Foram rejeitadas algumas propostas do PSD, como a redução de três para
dois plenários semanais e a alteração no regimento de que as declarações
políticas são quinzenais em vez de semanais, como refere o texto em vigor,
embora tal periodicidade não seja respeitada. E os
proponentes deixaram cair outras propostas. É o caso da sugestão do PS para
explicitar que o Presidente da Assembleia da República (PAR), quando tivesse dúvidas da constitucionalidade duma iniciativa,
poderia solicitar parecer à Comissão de Assuntos Constitucionais, ou a do PSD
que pretendia que os candidatos a conselheiros de Estado indicados pela AR tivessem
uma audição prévia. Ora, após
4 sessões do grupo de trabalho, apuraram-se como principais alterações que figurarão
no regimento a partir de 1 de setembro:
- Fim os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro e sua substituição
por debates mensais em formato alternado: num mês, com o Chefe do Governo sobre
política geral e, no seguinte, sobre política setorial com o ministro da pasta,
passando ambos os debates a ter duas rondas.
- Criação do
debate sobre o progresso da regulamentação das leis, a sequência dada às
recomendações políticas e a falta de resposta a requerimentos (proposta do
PSD aprovada com os votos contra do PS).
- Fixação
dos tempos de debate em plenário e comissões pela conferência de líderes no
início de legislatura atendendo à representatividade dos partidos, caindo as propostas
do PSD que detalhavam ao minuto o tempo de cada força política, mas com
aprovação de norma transitória proposta pelo mesmo PSD para que, na atual
legislatura, essas grelhas sejam definidas numa reunião de líderes na 1.ª
quinzena de setembro para entrarem em vigor na 2.ª sessão legislativa.
- Criação dum novo artigo para regular a realização
de sessões solenes, nomeadamente a cerimónia anual do 25 de Abril, sobre a qual
o documento era omisso, passando agora o texto a referir que “podem ainda realizar-se sessões solenes
evocativas de outros eventos ou da memória de personalidades”, por iniciativa
do PAR, “bem como sessões solenes de boas-vindas a Chefes de Estado
estrangeiros ou a líderes de organizações internacionais de que Portugal faça
parte, com faculdade de uso da palavra por estes convidados”.
- Introdução
dum artigo sobre a organização do processo de revisão constitucional transpondo-se
a regra da Constituição (CRP) de que, “apresentado
um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros têm de ser apresentados
no prazo de trinta dias (CRP, art.º 285.º/2) e, uma vez findo esse prazo, é constituída uma Comissão Eventual de
Revisão Constitucional”.
- A adoção da forma de resolução para a autorização
do estado de sítio ou de emergência, bem como a sua confirmação ou recusa (atualmente tomava a forma de lei a confirmação, o que a CRP não impõe, e
de resolução a recusa), tendo o PSD retirado uma
proposta que previa que este debate se realizasse em apenas 41 minutos (atualmente
pode durar um dia), passando o
novo texto a remeter a definição dos tempos para conferência de líderes,
respeitando a representatividade.
- Encurtamento
do prazo para a apresentação de candidatos aos órgãos externos eleitos pela AR (10 dias em
vez de 30 antes da eleição) e alargamento
do número de entidades a ouvir pela AR, tendo o PSD deixado cair em relação à
sua proposta a necessidade de audição prévia dos membros do Conselho de Estado,
que já não consta do texto aprovado.
- Clarificação, no artigo relativo às faltas dos
deputados, de que “as ausências ao Plenário e às comissões parlamentares,
quando o deputado se encontre noutros trabalhos parlamentares” são registadas “com
a menção do ato de representação que motivou a ausência”.
-
Simplificação da leitura do expediente (iniciativas entradas) no início do Plenário, bastando fazer “menção sumária
da natureza da iniciativa, numeração e autor”, devendo os demais elementos
identificativos ser disponibilizados de imediato para consulta em local próprio
no site da AR.
- Possibilidade
de realização, em cada quinzena, de um debate de urgência a requerimento
potestativo (obrigatório) de um grupo
parlamentar, podendo, por outro lado, os grupos parlamentares e o Governo requerer
fundamentadamente ao PAR realização de debates de atualidade (invertendo-se
a terminologia dada aos dois debates no atual regimento).
- Aumento, de uma para duas semanas, do período em
que os trabalhos parlamentares podem ser reorganizados para os deputados realizarem
trabalho político junto dos eleitores, sobretudo aquando da realização de
processos eleitorais, para divulgação e discussão pública de assuntos de
especial relevância.
- Definição de
que as audições parlamentares de ministros se iniciam “com uma intervenção do
ministro, por um período não superior a 15 minutos” e definição dos termos do
debate, mas não dos tempos de cada força política, ao invés do que pretendia o
PSD, remetendo-se novamente para a conferência de líderes.
- Gravação
de todas as reuniões das comissões, sem prejuízo do seu caráter reservado
quando a lei, o regimento ou regulamento da comissão o determinarem.
- Explicitação
de que as reuniões plenárias e das comissões parlamentares são públicas e, por
regra, são transmitidas pelo Canal Parlamento, bem como disponibilizadas no
portal da AR.
- Manutenção
da prática (ainda sem previsão regimental) de que o
PAR ouve os deputados únicos, aquando da conferência de líderes, “quando o
entenda útil, nomeadamente em matéria de agendamentos ou em função de
requerimento apresentado por estes, podendo para o efeito convocá-los a estarem
presentes nas reuniões; e a possibilidade de dirigirem ao PAR os deputados não
inscritos requerimentos com pedidos relativos à fixação da ordem do dia e serem
imediatamente informados dessa fixação realizada no decurso da conferência de
líderes.
- Possibilidade
de as comissões parlamentares funcionarem
com um quinto do número de deputados em efetividade de funções, mantendo-se a
regra de que deliberações são tomadas com a presença de mais de metade dos seus
membros em efetividade de funções, mas desde que estejam presentes, “pelo
menos, deputados de três grupos parlamentares, dos quais um seja de partido que
integre o Governo e um de um partido da oposição”.
- Determinação
de que, na fixação da ordem do dia, o PAR respeita a representatividade das forças
políticas, quando até aqui respeitava-se, primeiro, a ordem temporal de entrada
das iniciativas e, depois, a representatividade dos grupos parlamentares e o
princípio da alternância.
- Assunção de que os trabalhos parlamentares devem
ter em atenção a “compatibilização com a vida pessoal e familiar dos deputados,
funcionários e entidades chamadas a participar nos trabalhos da Assembleia da
República”.
- Restrição
às regras dos agendamentos por arrastamento (um partido agenda uma iniciativa e
outros levam depois a debate iniciativas sobre a mesma temática): assim, por exemplo, em caso de agendamento comum, só
se admite o agendamento por arrastamento de projetos e propostas de lei que
entrem até ao final da semana da conferência de líderes em que a iniciativa
original foi agendada.
- Restrição
às regras dos projetos de resolução (de recomendações ao Governo): quando há várias iniciativas sobre a mesma matéria,
o seu debate é feito apenas em comissão, revestindo a forma de deliberação e
sendo publicados, uma vez aprovados, no Diário da Assembleia da República os
que não tenham natureza normativa e não estejam previstos na Constituição e na
lei.
- Remissão, para
resolução da AR, dos critérios de constituição dos grupos parlamentares de
amizade, sua organização, funcionamento e apoio, bem como o programa, o orçamento
e o relatório de atividades, caindo a proposta do PAN que defendia não poderem
existir grupos parlamentares de amizade “relativos a países com os quais Portugal não mantenha relações
diplomáticas ou que não tenham parlamentos plurais livremente eleitos”.
***
Se excluirmos, a hipótese de atribuição de 6 minutos para cada deputado
intervir na sessão legislativa, bem como as concessões aos deputados únicos e
aos não inscritos, o regimento, por si, empobrece o debate parlamentar e reduz
os meios de fiscalização do Governo. Assim, caberá aos deputados encontrar
formas, ainda que subtis, de apurar o debate utilizando todas as possibilidades
regimentais e fazendo trabalho político em sede de comissão, bem como no
círculo por que o deputado foi eleito.
Dizer que o Primeiro-Ministro tem de trabalhar em vez de comparecer na AR
soa a vazio e sabe a autoafirmação, tal como o dizer que o termo dos debates
quinzenais fere a tradição do partido A ou B (O que é a tradição
de 13 anos?). Há debates bem mais necessários. Ademais, é todo o Governo – e não apenas
o Primeiro-Ministro – que responde perante a AR. E a credibilidade dos
políticos não se circunscreve ao desempenho parlamentar, mas abrange a postura sua
global. Por outro lado, há que reafirmar que a AR é o centro da democracia
representativa, sendo iníqua qualquer iniciativa intencional que o contrarie. Porém,
não se confina à AR nem ao PR a participação democrática na vida pública. Outras
modalidades, como a comunicação social, estão à vista.
2020.07.23 –
Louro de Carvalho
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