quinta-feira, 23 de julho de 2020

As alterações ao Regimento da AR dividem os deputados


A redução do número de debates periódicos com o Primeiro-Ministro na Assembleia da República (AR), substituindo os debates quinzenais, por debates mensais com o Governo, é a principal mudança da revisão do regimento da AR, sem alterações profundas desde 2007, quando foi introduzido este modelo. Porém, há outras alterações a ter em conta.
O grupo de trabalho que debateu a terceira fase de alterações ao regimento concluiu, no dia 21, as votações indiciárias das propostas de alteração, que a Comissão de Assuntos Constitucionais ratificou e que o Plenário confirmou em votação final global, tendo mesmo o BE solicitado a votação final do atinente à supressão dos debates quinzenais com o Chefe do Governo. A proposta passou só com os votos de PS e PSD, sendo que votaram contra 21 deputados do PS e 5 do PSD, bem como as duas deputadas não inscritas, abstiveram-se 5 deputados do PS e não votaram Ferro Rodrigues e Rui Rio por estarem a participar na reunião do Conselho de Estado por videoconferência. Assim, doravante, o Primeiro-Ministro só é obrigado a estar presente (embora possa estar mais vezes) na AR em 4 debates por ano, além dos debates do Orçamento do Estado e do Estado da Nação, bem como dos dois debates sobre os conselhos europeus.
É de recordar que, em dezembro, apenas foram introduzidas alterações que aumentam os tempos e direitos de intervenção dos deputados únicos e, em fevereiro, uma alteração cirúrgica transferiu do Plenário para as comissões o debate de grande parte das votações. Porém, desta feita, o PS e o PSD quiseram mexer em mais de 50 artigos, com o PAN, a Iniciativa Liberal e deputada não inscrita Joacine Katar Moreira a apresentarem apenas alterações pontuais.
Foram rejeitadas algumas propostas do PSD, como a redução de três para dois plenários semanais e a alteração no regimento de que as declarações políticas são quinzenais em vez de semanais, como refere o texto em vigor, embora tal periodicidade não seja respeitada. E os proponentes deixaram cair outras propostas. É o caso da sugestão do PS para explicitar que o Presidente da Assembleia da República (PAR), quando tivesse dúvidas da constitucionalidade duma iniciativa, poderia solicitar parecer à Comissão de Assuntos Constitucionais, ou a do PSD que pretendia que os candidatos a conselheiros de Estado indicados pela AR tivessem uma audição prévia. Ora, após 4 sessões do grupo de trabalho, apuraram-se como principais alterações que figurarão no regimento a partir de 1 de setembro:
- Fim os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro e sua substituição por debates mensais em formato alternado: num mês, com o Chefe do Governo sobre política geral e, no seguinte, sobre política setorial com o ministro da pasta, passando ambos os debates a ter duas rondas.
- Criação do debate sobre o progresso da regulamentação das leis, a sequência dada às recomendações políticas e a falta de resposta a requerimentos (proposta do PSD aprovada com os votos contra do PS).
- Fixação dos tempos de debate em plenário e comissões pela conferência de líderes no início de legislatura atendendo à representatividade dos partidos, caindo as propostas do PSD que detalhavam ao minuto o tempo de cada força política, mas com aprovação de norma transitória proposta pelo mesmo PSD para que, na atual legislatura, essas grelhas sejam definidas numa reunião de líderes na 1.ª quinzena de setembro para entrarem em vigor na 2.ª sessão legislativa.
- Criação dum novo artigo para regular a realização de sessões solenes, nomeadamente a cerimónia anual do 25 de Abril, sobre a qual o documento era omisso, passando agora o texto a referir que “podem ainda realizar-se sessões solenes evocativas de outros eventos ou da memória de personalidades”, por iniciativa do PAR, “bem como sessões solenes de boas-vindas a Chefes de Estado estrangeiros ou a líderes de organizações internacionais de que Portugal faça parte, com faculdade de uso da palavra por estes convidados”.
- Introdução dum artigo sobre a organização do processo de revisão constitucional transpondo-se a regra da Constituição (CRP) de que, “apresentado um projeto de revisão constitucional, quaisquer outros têm de ser apresentados no prazo de trinta dias (CRP, art.º 285.º/2) e, uma vez findo esse prazo, é constituída uma Comissão Eventual de Revisão Constitucional”.
A adoção da forma de resolução para a autorização do estado de sítio ou de emergência, bem como a sua confirmação ou recusa (atualmente tomava a forma de lei a confirmação, o que a CRP não impõe, e de resolução a recusa), tendo o PSD retirado uma proposta que previa que este debate se realizasse em apenas 41 minutos (atualmente pode durar um dia), passando o novo texto a remeter a definição dos tempos para conferência de líderes, respeitando a representatividade.
- Encurtamento do prazo para a apresentação de candidatos aos órgãos externos eleitos pela AR (10 dias em vez de 30 antes da eleição) e alargamento do número de entidades a ouvir pela AR, tendo o PSD deixado cair em relação à sua proposta a necessidade de audição prévia dos membros do Conselho de Estado, que já não consta do texto aprovado.
- Clarificação, no artigo relativo às faltas dos deputados, de que “as ausências ao Plenário e às comissões parlamentares, quando o deputado se encontre noutros trabalhos parlamentares” são registadas “com a menção do ato de representação que motivou a ausência”.
- Simplificação da leitura do expediente (iniciativas entradas) no início do Plenário, bastando fazer “menção sumária da natureza da iniciativa, numeração e autor”, devendo os demais elementos identificativos ser disponibilizados de imediato para consulta em local próprio no site da AR.
- Possibilidade de realização, em cada quinzena, de um debate de urgência a requerimento potestativo (obrigatório) de um grupo parlamentar, podendo, por outro lado, os grupos parlamentares e o Governo requerer fundamentadamente ao PAR realização de debates de atualidade (invertendo-se a terminologia dada aos dois debates no atual regimento).
- Aumento, de uma para duas semanas, do período em que os trabalhos parlamentares podem ser reorganizados para os deputados realizarem trabalho político junto dos eleitores, sobretudo aquando da realização de processos eleitorais, para divulgação e discussão pública de assuntos de especial relevância.
- Definição de que as audições parlamentares de ministros se iniciam “com uma intervenção do ministro, por um período não superior a 15 minutos” e definição dos termos do debate, mas não dos tempos de cada força política, ao invés do que pretendia o PSD, remetendo-se novamente para a conferência de líderes.
- Gravação de todas as reuniões das comissões, sem prejuízo do seu caráter reservado quando a lei, o regimento ou regulamento da comissão o determinarem.
- Explicitação de que as reuniões plenárias e das comissões parlamentares são públicas e, por regra, são transmitidas pelo Canal Parlamento, bem como disponibilizadas no portal da AR.
- Manutenção da prática (ainda sem previsão regimental) de que o PAR ouve os deputados únicos, aquando da conferência de líderes, “quando o entenda útil, nomeadamente em matéria de agendamentos ou em função de requerimento apresentado por estes, podendo para o efeito convocá-los a estarem presentes nas reuniões; e a possibilidade de dirigirem ao PAR os deputados não inscritos requerimentos com pedidos relativos à fixação da ordem do dia e serem imediatamente informados dessa fixação realizada no decurso da conferência de líderes.  
- Possibilidade de as comissões parlamentares funcionarem com um quinto do número de deputados em efetividade de funções, mantendo-se a regra de que deliberações são tomadas com a presença de mais de metade dos seus membros em efetividade de funções, mas desde que estejam presentes, “pelo menos, deputados de três grupos parlamentares, dos quais um seja de partido que integre o Governo e um de um partido da oposição”.
- Determinação de que, na fixação da ordem do dia, o PAR respeita a representatividade das forças políticas, quando até aqui respeitava-se, primeiro, a ordem temporal de entrada das iniciativas e, depois, a representatividade dos grupos parlamentares e o princípio da alternância.
- Assunção de que os trabalhos parlamentares devem ter em atenção a “compatibilização com a vida pessoal e familiar dos deputados, funcionários e entidades chamadas a participar nos trabalhos da Assembleia da República”.
- Restrição às regras dos agendamentos por arrastamento (um partido agenda uma iniciativa e outros levam depois a debate iniciativas sobre a mesma temática): assim, por exemplo, em caso de agendamento comum, só se admite o agendamento por arrastamento de projetos e propostas de lei que entrem até ao final da semana da conferência de líderes em que a iniciativa original foi agendada.
- Restrição às regras dos projetos de resolução (de recomendações ao Governo): quando há várias iniciativas sobre a mesma matéria, o seu debate é feito apenas em comissão, revestindo a forma de deliberação e sendo publicados, uma vez aprovados, no Diário da Assembleia da República os que não tenham natureza normativa e não estejam previstos na Constituição e na lei.
- Remissão, para resolução da AR, dos critérios de constituição dos grupos parlamentares de amizade, sua organização, funcionamento e apoio, bem como o programa, o orçamento e o relatório de atividades, caindo a proposta do PAN que defendia não poderem existir grupos parlamentares de amizade “relativos a países com os quais Portugal não mantenha relações diplomáticas ou que não tenham parlamentos plurais livremente eleitos”.
***
Se excluirmos, a hipótese de atribuição de 6 minutos para cada deputado intervir na sessão legislativa, bem como as concessões aos deputados únicos e aos não inscritos, o regimento, por si, empobrece o debate parlamentar e reduz os meios de fiscalização do Governo. Assim, caberá aos deputados encontrar formas, ainda que subtis, de apurar o debate utilizando todas as possibilidades regimentais e fazendo trabalho político em sede de comissão, bem como no círculo por que o deputado foi eleito.
Dizer que o Primeiro-Ministro tem de trabalhar em vez de comparecer na AR soa a vazio e sabe a autoafirmação, tal como o dizer que o termo dos debates quinzenais fere a tradição do partido A ou B (O que é a tradição de 13 anos?). Há debates bem mais necessários. Ademais, é todo o Governo – e não apenas o Primeiro-Ministro – que responde perante a AR. E a credibilidade dos políticos não se circunscreve ao desempenho parlamentar, mas abrange a postura sua global. Por outro lado, há que reafirmar que a AR é o centro da democracia representativa, sendo iníqua qualquer iniciativa intencional que o contrarie. Porém, não se confina à AR nem ao PR a participação democrática na vida pública. Outras modalidades, como a comunicação social, estão à vista.
2020.07.23 – Louro de Carvalho

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