quarta-feira, 1 de julho de 2020

Hoje, celebra-se a Memória Litúrgica de São Junípero Serra


Nos últimos dias, ocorreram diversos atos de vandalismo em diferentes cidades contra monumentos (nomeadamente estátuas) de personagens como Cristóvão Colombo e São Junípero Serra (em catalão Fra Juníper Serra), cuja memória litúrgica se celebra no dia 1 de julho.
Contra as diversas e falsas acusações de racismo a São Junípero, são de lembrar as palavras do Papa na homilia da canonização do Pai da Califórnia a 23 de setembro de 2015, em Washington DC. Na Missa multitudinária, o Santo Padre disse, citando o Documento de Aparecida, 360: 
Hoje encontramo-nos aqui, podemos encontrar-nos aqui, porque houve muitos que tiveram a coragem de responder a esta chamada; muitos que acreditaram que na doação a vida se fortalece, e se enfraquece no comodismo e no isolamento”.
Parafraseando o documento programático do seu pontificado, garantiu:
Somos filhos da ousadia missionária de muitos que preferiram não se fechar ‘nas estruturas que nos dão uma falsa proteção (...), nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta’ (Exort. ap. Evangelii gaudium, 49). Somos devedores duma Tradição, duma cadeia de testemunhas que tornaram possível que a Boa Nova do Evangelho continue a ser, de geração em geração, Nova e Boa.”.
E, do Padre Junípero Serra, uma daquelas testemunhas que souberam testemunhar naquelas terras a alegria do Evangelho, disse:
Soube viver aquilo que é a Igreja em saída, esta Igreja que sabe sair e ir pelas estradas, para partilhar a ternura reconciliadora de Deus. Soube deixar a sua terra, os seus costumes, teve a coragem de abrir sendas, soube ir ao encontro de muitos aprendendo a respeitar os seus costumes e as suas caraterísticas.”.
Sobre a sua filosofia de vida, o Pontífice observou:
Aprendeu a gerar e acompanhar a vida de Deus nos rostos daqueles que encontrava, tornando-os seus irmãos. Junípero procurou defender a dignidade da comunidade nativa, protegendo-a de todos aqueles que abusaram dela; abusos que hoje continuam a encher-nos de pesar, especialmente pela dor que provocam na vida de tantas pessoas. Escolheu um lema que inspirou os seus passos e plasmou a sua vida: ‘Sempre avante’. Soube-o dizer, mas sobretudo viver. Esta foi a maneira que Junípero encontrou para viver a alegria do Evangelho, para que não se anestesiasse o seu coração. Foi sempre avante, porque o Senhor espera; sempre avante, porque o irmão espera; sempre avante por tudo aquilo que ainda tinha para viver; foi sempre avante.”.
Nele viu São João Paulo II “um brilhante exemplo de unidade cristã e espírito missionário”, pois “o seu grande objetivo era levar o Evangelho aos povos indígenas da América, para que eles também pudessem ser consagrados na verdade”, como referiu na homilia da Missa da beatificação. Na verdade, com a sua ação missionária, “as sementes da fé cristã foram espalhadas no meio das tumultuosas mudanças provocadas pela chegada dos colonizadores, em que emergia “um campo de compromisso missionário a exigir paciência, perseverança e humildade, além de previsão e coragem”.  Confiante no poder divino da mensagem anunciada, “o padre Serra levou os povos nativos a Cristo” procurando “promover o seu autêntico desenvolvimento humano com base na sua nova fé nas pessoas criadas e redimidas por Deus”, fugindo à exploração e opressão dos “pobres e fracos”.    
E o Papa Woijtyla, firmado no exemplo do Santo, que “inspira particularmente os muitos Grupos de Estufas em todo o mundo, cujos membros realizam um louvável trabalho em animação vocacional”, disse: 
O padre Junípero Serra, modelo exemplar de evangelizador cheio de autossacrifício, é uma glória para a grande família franciscana e para Maiorca, sua terra natal, que o venera e o considera um filho ilustre. A devoção filial à Virgem Mãe de Deus, na espiritualidade franciscana própria deste maiorquino universal, é força para aumentar a vida cristã do povo fiel.”.  
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Por seu turno, Dom José Gomez, Arcebispo de Los Angeles e primeiro prelado de origem mexicana a presidir à Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, respondeu às acusações contra São Junípero numa carta pastoral em que evidenciou que “o verdadeiro São Junípero lutou contra um sistema colonial em que os nativos eram olhados como ‘bárbaros’ e ‘selvagens’ e cujo único valor era estar ao serviço dos apetites do homem branco”. Para o Santo, “essa ideologia colonial era uma blasfémia contra o Deus que criou (todos os homens e mulheres) e os redimiu com o sangue precioso de seu Filho”.
Segundo o Arcebispo, Junípero Serra “viveu e trabalhou junto com os povos nativos e passou toda a sua carreira a defender a humanidade deles e protestando contra os crimes e indignidades cometidos contra eles”. Na verdade, “entre as injustiças que enfrentou na sua luta, encontramos nas suas cartas passagens comoventes, em que denuncia o abuso sexual diário de mulheres indígenas por soldados coloniais”.
Em 1773, São Junípero Serra escreveu para Antonio María de Bucareli e Ursúa, então vice-rei da Nova Espanha a “Representação sobre a conquista temporal e espiritual da Alta Califórnia”, considerada a primeira declaração de direitos indígenas na América do Norte.
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Este frade franciscano maiorquino fundou a cadeia de missões na Alta Califórnia, parte da província de Las Californias, na Nova Espanha, atual Califórnia (Estados Unidos). Entre as missões fundadas, encontram-se os núcleos que deram origem a Los Angeles, San Francisco e San Diego. Foi beatificado por São João Paulo II em 25 de setembro de 1988 e canonizado por Francisco a 23 de setembro de 2015, no âmbito da viagem apostólica a Cuba e Estados Unidos.
Nascido em Petra (ilha de Maiorca) a 24 de novembro de 1713, sendo seus pais Antoni Serra Ferrer e Margarita, foi-lhe colocado no batismo o nome de Josep Miquel. Tendo vindo ao mundo na humilde casa duma família de agricultores modestos, honestos, devotos e exemplares, os pais, embora analfabetos, educaram-no nos caminhos da fé católica e do amor de Deus, enquanto ele crescia e dava os primeiros passos pelas ruas da aldeia (foi crismado aos 2 anos de idade pelo Bispo Atanasio Esterripa). E, tentando dar aos filhos uma educação melhor, levaram-no para a escola no convento franciscano de San Bernardino, onde aprendeu as primeiras letras e fez grande progresso na formação. Depois, foi para Palma de Maiorca para prosseguir o ensino superior. Começou, aos 15 anos de idade, a frequentar aulas de filosofia no convento de San Francisco de Palma e, sentindo a vocação religiosa, tomou o hábito franciscano aos 17 anos, no convento de Jesus, fora das muralhas da cidade. A 15 de setembro de 1731, emitiu os votos sob o nome de José Miguel Junípero (homenagem a São Junípero, um dos primeiros companheiros de São Francisco).
Cursou os estudos eclesiásticos de forma brilhante e passou a dar aulas de filosofia no convento de San Francisco, em cátedra atribuída unanimemente por todos os examinadores. O seu ensino ali durou de 1740-1743 e, no último ano, ensinou teologia no famoso Scotus Luliana, na Universidade de Palma de Maiorca.
Em 13 de abril de 1749, juntamente com 20 missionários franciscanos, partiu para o Vice-Reino da Nova Espanha (México). O grupo chega a San Juan de Porto Rico a 18 de outubro e a Vera Cruz a 7 de dezembro. Enquanto os companheiros continuaram viagem para a Cidade do México em dorso de mula, Frei Junípero e um companheiro (Frei Francisco Palòu) decidiram fazer a viagem a pé. Após a viagem, ficou com uma perna ferida da qual sofreria até falecer.
O primeiro destino de Frei Junípero foi Santiago Xalpan (Jalpan) em Sierra Gorda, em Queretaro, onde permaneceu 9 anos a converter os nativos pames na área, enquanto lhes ensinava o trabalho agropecuário, bem como fiação e tecelagem e fez um catecismo na língua deles. O próximo destino deveria ter sido o território inóspito dos Apache. Porém, a morte do vice-rei suspendeu a saída do grupo missionário àquelas terras e o frade teve de esperar vários anos na Cidade do México antes de receber o seu próximo destino missionário.
Em 1767, Carlos III mandou expulsar da Nova Espanha todos os jesuítas que ali estavam, o que ordem afetou os missionários jesuítas que assistiam os indígenas e europeus de las Californias, que foram substituídos, em junho, por 16 franciscanos liderados por padre Junípero. A delegação deixou a cidade do México em 14 de julho de 1767, zarpando do porto de San Blas para a península da Baixa Califórnia, e, após curta e extenuante viagem, chegou a Loreto, sede da Missão de Nossa Senhora do Loreto, a mãe das missões da Alta e da Baixa Califórnia.
Chegou a delegação à península para explorar a Alta Califórnia e levar a luz do Evangelho à população indígena que, ao invés da do centro do México desconhecia a agricultura, salvo em algumas zonas do deserto, a alimentação cingia-se à recolha de frutos silvestres e raízes, bolotas, caça de cervos, alces e coelhos, e à pesca. Não costumavam usar roupas adequadas para se aquecerem e cobriam o corpo com peles de veado, penas, casacos de peles de lontra e lama.
Em 1768, saiu a expedição por mar àquelas terras. O navio San Carlos levava vacas, porcos e cavalos. Começara a saga de Frei Junípero e companheiros. A primeira fundação espanhola no Norte da Califórnia foi a Missão de São Diego de Alcalá em 1769, mas Frei Junípero veio um pouco mais tarde, quando a Terra estava viajando com a expedição.
Desde a fundação de San Diego, no decurso de 15 missões foram fundadas mais 9 comunidades impulsionadas pelo missionário Serra. Ele e os colegas prosseguiram o curso de ação estabelecido, durante a estada na Sierra Gorda. Quando chegaram a um lugar conveniente, ergueram uma capela, cabanas de residência para os monges e um pequeno forte como proteção contra possíveis ataques. Acolhiam os ameríndios que se aproximavam por curiosidade e, quando ganhavam a sua confiança, convidavam-nos a instalarem-se nas vizinhanças da missão.
Os missionários, enquanto catequizavam os índios, ensinavam-lhes noções de agricultura, pecuária e alvenaria, como lidar com sementes e animais, e aconselhavam-nos a trabalhar a terra. Alguns aprenderam técnicas de serralharia, carpintaria ou alvenaria. As mulheres eram ensinadas a cozinhar, costurar e tecer. A mudança de vida também afetou a cultura indígena e a religião, o que conduziu ao sincretismo que perdura até hoje.
Com a morte de Frei Junípero na Missão de São Carlos Borromeu (atual Monterrey, Califórnia), a 28 de agosto de 1784, foram estabelecidas 9 missões – entre as quais Los Angeles, San Francisco, San Diego e Sacramento – que eventualmente cresceram para se tornarem grandes cidades.
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Não precisamos, em São Junípero Serra, de nos acautelar à quanto à necessidade de não avaliar as atitudes das pessoas da Igreja nos séculos passados pelos critérios de hoje. Ele já minava as bases do colonialismo, a opressão e exploração e lutava pela promoção do ser humano, se calhar, bem mais do que muitos fazem hoje.
2020.07.01 – Louro de Carvalho

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