O Vatican News dá conta de um estudo de
Mireni de Oliveira Costa Silva em que ressalta a proposta duma nova economia
intitulada Economia de Francisco,
indicada pelo Papa como uma possível saída para os problemas da fome, miséria e
degradação do meio ambiente, e em que pressupostos teóricos o modelo está a ser
construído. Ou seja, a especialista quer mostrar que é possível outra economia fazendo interface entre a Economia de
Francisco e a Agenda 2030.
Para tanto, reflete
sobre os principais eventos da política global, que produzem externalidades
negativas na vida de grande número de pessoas no planeta, e analisa como o neoliberalismo
e a globalização têm sido fatores determinantes das políticas económicas. Depois,
aborda a Agenda 2030 e as suas propostas para amenizar os impactos do atual
modelo económico focado na sustentabilidade. Por fim, aponta a associabilidade
entre a Agenda 2030 e a Economia de Francisco como uma possibilidade de
emancipação económica, com amparo da sustentabilidade e solidariedade, para os
países periféricos e as populações em estado de pobreza crónica.
Constata que
a política, em especial a económica, é historicamente marcada por interesses de
grupos dominantes (pessoas ou países que se organizam em torno de
objetivos comuns) ligados à
expansão de capitais financeiros, para exercerem o poder sobre outras empresas,
grupos e países. Por outro lado, a dinâmica da economia no final do século XX e nas primeiras
décadas do século XXI tem proporcionado, com o neoliberalismo e a globalização,
uma acumulação de capitais nunca antes visto na história da humanidade. Assim, 82%
de toda a riqueza gerada no mundo em 2017 foi parar nas mãos do 1% mais rico do
planeta, quando “a metade mais pobre da população global – 3,7 bilhões de pessoas
– não ficou com nada”. E são muitos os fatores que contribuem para a concentração
de riqueza, com destaque para as políticas neoliberais que impõem processos de
“modernização” das economias de países periféricos obrigando-os a flexibilizar
regras do comércio exterior, privatizar empresas estatais que são, em grande
parte, adquiridas por consórcios de multinacionais, que usufruem de vantajosos
incentivos fiscais para se instalarem nos países, exploração de mão de obra
barata nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e ausência de
políticas ambientais rígidas, que acabam por contribuir para a devastação do
meio ambiente em decorrência da exploração desenfreada das multinacionais.
Tais processos de acumulação de riquezas proporcionam um agravamento no índice
de pobreza no mundo; e o contingente de pessoas a sobreviver abaixo da linha da
pobreza ganhou alarmantes proporções, o que tem motivado debates e proposições
nos países mais progressistas.
A propósito,
a Agenda 2030, apresentada pela ONU em 2015 que formulou 17 objetivos para, em
parceria com os 193 países, implementar e buscar amenizar os efeitos
preocupantes da política económica global. Os objetivos, na sua maioria, fazem
referência à sustentabilidade em todos os aspetos, não só no económico; e, a
ONU procura implementar a Agenda por meio de parceria com os países. No mesmo
sentido, Francisco convidou jovens do mundo inteiro para discutirem uma
proposta de economia sustentável para o planeta, “que faz as pessoas viver e
não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e
não da caça. Essa economia é a Economia de Francisco e propõe o estabelecimento
de novos paradigmas de um modelo sustentável, alicerçado na solidariedade que
inclua todos os povos.
Nessa perspetiva,
Mireni de Oliveira evidencia a importância e urgência em discutir a Economia de
Francisco e a Agenda 2030 a partir da perspetiva histórica do desenvolvimento
económico global, como ele foi construído e alicerçado e promoveu um processo
catastrófico de expansão da pobreza em escala alarmante.
Assim,
alicerçada na pesquisa bibliográfica e documental e adotando o método indutivo
de abordagem, refletiu a conjuntura político-económica global e seus reflexos
para as políticas locais, em perspetiva diacrónica desde os alvores da
afirmação humana no planeta, evidenciando a teia simples ou complexa das
relações económicas desde o tempo em que a terra era comum até à sua
apropriação, nem sempre pacífica, e ao estabelecimento do capitalismo como
sistema político económico a arrastar consigo os poderes, a par dum
acompanhamento evolutivo por parte da Igreja católica, a princípio, contundente
e, depois, algo complacente.
A seguir,
aborda a agenda do Neoliberalismo e da Globalização económica. Aquele surge na
década de 70 como uma estratégia do capital financeiro; e a globalização da economia, processo não acabado, tomou uma grande dimensão
na história recente da humanidade e levou a que o capital deixasse de ter fronteira
e se orientasse para a expansão movido pela acumulação, criando fortes impactos
negativos no mundo do trabalho, gerando um crescente de pobreza, deslocalizando
empresas e premiando os altos quadros, mas baseando a produção e distribuição
nos salários mais que magros, sob a alegação da inevitabilidade.
Outro dos
temas basilares do artigo em causa é a Agenda 2030, lançada pela ONU em 2015, e
a sua proposta para as pessoas e o planeta. No seu preâmbulo, assegura que
todos os países e partes interessadas assumiram o compromisso de a implementar,
dar efetividade aos seus 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), o que significa dizer que incumbe aos governos viabilizar
junto dos demais poderes a criação de políticas públicas que possibilitem a
execução dos ODS. Por outro lado, propõe um plano de ação para as pessoas, o
planeta e a prosperidade e reconhece que o esforço para erradicar a pobreza extrema
deve ser encarado como o maior desafio global e pré-requisito para o
desenvolvimento sustentável em todos os povos.
Depois, reflete sobre a Economia de Francisco enquanto apelo a uma
economia sustentável. De facto, a Igreja católica, que no decurso da sua história
sempre demonstrou preocupação com alguns temas atinentes à humanidade, como a
fome, a miséria, a paz, dentre tantos outros, agora, no século XXI, está
empenhada em discutir a economia global. E o ponto de partida para a sua
discussão sistemática é a encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa
comum, que propõe uma ecologia integral e uma ecoeconomia resultantes de um
“pacto comum” – o que estava para ser tema de encontro de 26 a 28 de março de
2020 em Assis na Itália, mas que foi adiado para novembro por força da
pandemia.
O Papa
reunirá grandes nomes da economia global, como o Nobel de Economia Joseph
Stiglitz, Jeffrey Sachs, Amartya Sem, Vandana Shiva, Muhammad Yunus, Kate
Raworth, o Presidente do Instituto Novo Pensamento Económico, Robert Johnson, e
muitos outros, inclusive prémios Nobel, pois, segundo Stiglitz, é importante
trabalhar com a educação em sistemas alternativos que não idolatrem o dinheiro,
é necessário trabalhar com a ideia de economia circular – um ciclo de
desenvolvimento contínuo positivo que preserva e aumenta o capital, otimiza o
rendimento dos recursos e minimiza os riscos do sistema gerindo stocks finitos e fluxos renováveis – e
com a sustentabilidade ambiental, sendo uma das chaves a colocação das pessoas
em primeiro lugar e outra a colocação dos mercados ao serviço das pessoas e não
como sucede agora a nível global.
Por fim,
em jeito de considerações finais, a especialista conclui:
Não basta
conciliar a preservação ambiental com aspetos financeiros, desenvolvimento,
lucro, produção, avanço tecnológico e globalização desenfreada da economia, que
tem financiado a verdadeira escalada rumo à destruição e miséria, mas urge pensar
no progresso sob uma outra perspetiva, um novo paradigma de olhar mais
humanizado e voltado para o mundo como uno, perene e, sobretudo, um lugar que
pode e deve ser de todos, onde todos se sintam parte includente e não
excludente.
Com efeito, o modelo de economia da modernidade e que está em marcha a pleno vapor não
está preparado para retroceder do âmbito do capital, da engrenagem financeira
orquestrada e arquitetada pelos grandes grupos de países ricos e pelos grandes
empresários e industriais. E o que se discute é se esse modelo, que visa o
lucro em detrimento do ser humano e do ambiente, dá espaço para (re)conciliar
esses dois fatores, que não são dissonantes, aliás, coadunam-se e podem
conviver muito bem.
Apesar de todo
o esforço da ONU, desde a sua fundação, para preservação do meio ambiente e uso
equilibrado dos recursos, o que tem prevalecido é a força do capital, não a de
ambientalistas e de governos progressistas, tendo o uso indiscriminado dos
recursos provocado resultados catastróficos no meio ambiente, clima,
agricultura, no ecossistema de modo geral.
A maioria das políticas adotadas promove
e protege o sistema financeiro, o lucro, não a vida, não a garantia da
sobrevivência de milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no mundo.
Neste
contexto, a Agenda 2030 será, desde 2015, um desafio para o planeta e contará
com a participação e envolvimento de todos os países para a sua implementação,
como política macro, que depende do apoio irrestrito dos parlamentos para
aprovarem leis a que subsidiem e lhe deem efetividade. No entanto, é pouco
provável que haja, nestes cinco anos, já resultados positivos, pois muitas
políticas públicas têm sido adotadas sem a observância dos ODS.
No atinente
à Economia de Francisco, a proposta está a ser discutida nos textos-base e na carta
papal, que apontam para uma economia que inclua e não exclua, que promova a
igualdade, a paz, a prosperidade, a solidariedade e a sustentabilidade, que
efetivamente seja uma proposta elaborada pelo povo e para ele, que aponte
caminhos para uma economia sustentável em todos os aspetos e que promova o
encurtamento da distância entre ricos e pobres no planeta. E ela leva a
acreditar que é possível pensar num mundo mais justo, com menos desigualdade e
mais oportunidade para todos, com mais equilíbrio e respeito pelo meio ambiente,
que é o habitat natural de todos.
Assim, uma economia que esteja ao
serviço do bem comum implica que seja economicamente viável, mas também
socialmente justa e ambientalmente sustentável.
Esta economia
não nega a presença do Estado, mas a intervenção deste buscará, através da
solidariedade e parceria, mecanismos para implementar uma economia com
princípios basilares de sustentabilidade, que promova o desenvolvimento económico
conciliando-o com o social e ambiental, de modo que o ser humano esteja no
centro de todos os debates e ações políticas.
E é possível
mudar, desde que haja predisposição para a mudança e o desejo de que ela aconteça
de forma estrutural e com a participação permanente da sociedade. E há que pensar
que a globalização não pode ser só económica e gerar externalidades negativas, mas
que deve atingir todos os aspetos da vida humana, não podendo haver fronteiras segregadoras
das pessoas.
2020.07.28 –
Louro de Carvalho
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