terça-feira, 28 de julho de 2020

Interfaces entre Economia de Francisco e Agenda 2030


O Vatican News dá conta de um estudo de Mireni de Oliveira Costa Silva em que ressalta a proposta duma nova economia intitulada Economia de Francisco, indicada pelo Papa como uma possível saída para os problemas da fome, miséria e degradação do meio ambiente, e em que pressupostos teóricos o modelo está a ser construído. Ou seja, a especialista quer mostrar que é possível outra economia fazendo interface entre a Economia de Francisco e a Agenda 2030.
Para tanto, reflete sobre os principais eventos da política global, que produzem externalidades negativas na vida de grande número de pessoas no planeta, e analisa como o neoliberalismo e a globalização têm sido fatores determinantes das políticas económicas. Depois, aborda a Agenda 2030 e as suas propostas para amenizar os impactos do atual modelo económico focado na sustentabilidade. Por fim, aponta a associabilidade entre a Agenda 2030 e a Economia de Francisco como uma possibilidade de emancipação económica, com amparo da sustentabilidade e solidariedade, para os países periféricos e as populações em estado de pobreza crónica.
Constata que a política, em especial a económica, é historicamente marcada por interesses de grupos dominantes (pessoas ou países que se organizam em torno de objetivos comuns) ligados à expansão de capitais financeiros, para exercerem o poder sobre outras empresas, grupos e países. Por outro lado, a dinâmica da economia no final do século XX e nas primeiras décadas do século XXI tem proporcionado, com o neoliberalismo e a globalização, uma acumulação de capitais nunca antes visto na história da humanidade. Assim, 82% de toda a riqueza gerada no mundo em 2017 foi parar nas mãos do 1% mais rico do planeta, quando “a metade mais pobre da população global – 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada”. E são muitos os fatores que contribuem para a concentração de riqueza, com destaque para as políticas neoliberais que impõem processos de “modernização” das economias de países periféricos obrigando-os a flexibilizar regras do comércio exterior, privatizar empresas estatais que são, em grande parte, adquiridas por consórcios de multinacionais, que usufruem de vantajosos incentivos fiscais para se instalarem nos países, exploração de mão de obra barata nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e ausência de políticas ambientais rígidas, que acabam por contribuir para a devastação do meio ambiente em decorrência da exploração desenfreada das multinacionais.
Tais processos de acumulação de riquezas proporcionam um agravamento no índice de pobreza no mundo; e o contingente de pessoas a sobreviver abaixo da linha da pobreza ganhou alarmantes proporções, o que tem motivado debates e proposições nos países mais progressistas.
A propósito, a Agenda 2030, apresentada pela ONU em 2015 que formulou 17 objetivos para, em parceria com os 193 países, implementar e buscar amenizar os efeitos preocupantes da política económica global. Os objetivos, na sua maioria, fazem referência à sustentabilidade em todos os aspetos, não só no económico; e, a ONU procura implementar a Agenda por meio de parceria com os países. No mesmo sentido, Francisco convidou jovens do mundo inteiro para discutirem uma proposta de economia sustentável para o planeta, “que faz as pessoas viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não da caça. Essa economia é a Economia de Francisco e propõe o estabelecimento de novos paradigmas de um modelo sustentável, alicerçado na solidariedade que inclua todos os povos.
Nessa perspetiva, Mireni de Oliveira evidencia a importância e urgência em discutir a Economia de Francisco e a Agenda 2030 a partir da perspetiva histórica do desenvolvimento económico global, como ele foi construído e alicerçado e promoveu um processo catastrófico de expansão da pobreza em escala alarmante.
Assim, alicerçada na pesquisa bibliográfica e documental e adotando o método indutivo de abordagem, refletiu a conjuntura político-económica global e seus reflexos para as políticas locais, em perspetiva diacrónica desde os alvores da afirmação humana no planeta, evidenciando a teia simples ou complexa das relações económicas desde o tempo em que a terra era comum até à sua apropriação, nem sempre pacífica, e ao estabelecimento do capitalismo como sistema político económico a arrastar consigo os poderes, a par dum acompanhamento evolutivo por parte da Igreja católica, a princípio, contundente e, depois, algo complacente.    
A seguir, aborda a agenda do Neoliberalismo e da Globalização económica. Aquele surge na década de 70 como uma estratégia do capital financeiro; e a globalização da economia, processo não acabado, tomou uma grande dimensão na história recente da humanidade e levou a que o capital deixasse de ter fronteira e se orientasse para a expansão movido pela acumulação, criando fortes impactos negativos no mundo do trabalho, gerando um crescente de pobreza, deslocalizando empresas e premiando os altos quadros, mas baseando a produção e distribuição nos salários mais que magros, sob a alegação da inevitabilidade. 
Outro dos temas basilares do artigo em causa é a Agenda 2030, lançada pela ONU em 2015, e a sua proposta para as pessoas e o planeta. No seu preâmbulo, assegura que todos os países e partes interessadas assumiram o compromisso de a implementar, dar efetividade aos seus 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), o que significa dizer que incumbe aos governos viabilizar junto dos demais poderes a criação de políticas públicas que possibilitem a execução dos ODS. Por outro lado, propõe um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade e reconhece que o esforço para erradicar a pobreza extrema deve ser encarado como o maior desafio global e pré-requisito para o desenvolvimento sustentável em todos os povos.
Depois, reflete sobre a Economia de Francisco enquanto apelo a uma economia sustentável. De facto, a Igreja católica, que no decurso da sua história sempre demonstrou preocupação com alguns temas atinentes à humanidade, como a fome, a miséria, a paz, dentre tantos outros, agora, no século XXI, está empenhada em discutir a economia global. E o ponto de partida para a sua discussão sistemática é a encíclica Laudato Si, sobre o cuidado da casa comum, que propõe uma ecologia integral e uma ecoeconomia resultantes de um “pacto comum” – o que estava para ser tema de encontro de 26 a 28 de março de 2020 em Assis na Itália, mas que foi adiado para novembro por força da pandemia.
O Papa reunirá grandes nomes da economia global, como o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, Jeffrey Sachs, Amartya Sem, Vandana Shiva, Muhammad Yunus, Kate Raworth, o Presidente do Instituto Novo Pensamento Económico, Robert Johnson, e muitos outros, inclusive prémios Nobel, pois, segundo Stiglitz, é importante trabalhar com a educação em sistemas alternativos que não idolatrem o dinheiro, é necessário trabalhar com a ideia de economia circular – um ciclo de desenvolvimento contínuo positivo que preserva e aumenta o capital, otimiza o rendimento dos recursos e minimiza os riscos do sistema gerindo stocks finitos e fluxos renováveis – e com a sustentabilidade ambiental, sendo uma das chaves a colocação das pessoas em primeiro lugar e outra a colocação dos mercados ao serviço das pessoas e não como sucede agora a nível global.
Por fim, em jeito de considerações finais, a especialista conclui:
Não basta conciliar a preservação ambiental com aspetos financeiros, desenvolvimento, lucro, produção, avanço tecnológico e globalização desenfreada da economia, que tem financiado a verdadeira escalada rumo à destruição e miséria, mas urge pensar no progresso sob uma outra perspetiva, um novo paradigma de olhar mais humanizado e voltado para o mundo como uno, perene e, sobretudo, um lugar que pode e deve ser de todos, onde todos se sintam parte includente e não excludente.
Com efeito, o modelo de economia da modernidade e que está em marcha a pleno vapor não está preparado para retroceder do âmbito do capital, da engrenagem financeira orquestrada e arquitetada pelos grandes grupos de países ricos e pelos grandes empresários e industriais. E o que se discute é se esse modelo, que visa o lucro em detrimento do ser humano e do ambiente, dá espaço para (re)conciliar esses dois fatores, que não são dissonantes, aliás, coadunam-se e podem conviver muito bem.
Apesar de todo o esforço da ONU, desde a sua fundação, para preservação do meio ambiente e uso equilibrado dos recursos, o que tem prevalecido é a força do capital, não a de ambientalistas e de governos progressistas, tendo o uso indiscriminado dos recursos provocado resultados catastróficos no meio ambiente, clima, agricultura, no ecossistema de modo geral. A maioria das políticas adotadas promove e protege o sistema financeiro, o lucro, não a vida, não a garantia da sobrevivência de milhões de pessoas que vivem na extrema pobreza no mundo.
Neste contexto, a Agenda 2030 será, desde 2015, um desafio para o planeta e contará com a participação e envolvimento de todos os países para a sua implementação, como política macro, que depende do apoio irrestrito dos parlamentos para aprovarem leis a que subsidiem e lhe deem efetividade. No entanto, é pouco provável que haja, nestes cinco anos, já resultados positivos, pois muitas políticas públicas têm sido adotadas sem a observância dos ODS.
No atinente à Economia de Francisco, a proposta está a ser discutida nos textos-base e na carta papal, que apontam para uma economia que inclua e não exclua, que promova a igualdade, a paz, a prosperidade, a solidariedade e a sustentabilidade, que efetivamente seja uma proposta elaborada pelo povo e para ele, que aponte caminhos para uma economia sustentável em todos os aspetos e que promova o encurtamento da distância entre ricos e pobres no planeta. E ela leva a acreditar que é possível pensar num mundo mais justo, com menos desigualdade e mais oportunidade para todos, com mais equilíbrio e respeito pelo meio ambiente, que é o habitat natural de todos. Assim, uma economia que esteja ao serviço do bem comum implica que seja economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável.
Esta economia não nega a presença do Estado, mas a intervenção deste buscará, através da solidariedade e parceria, mecanismos para implementar uma economia com princípios basilares de sustentabilidade, que promova o desenvolvimento económico conciliando-o com o social e ambiental, de modo que o ser humano esteja no centro de todos os debates e ações políticas.
E é possível mudar, desde que haja predisposição para a mudança e o desejo de que ela aconteça de forma estrutural e com a participação permanente da sociedade. E há que pensar que a globalização não pode ser só económica e gerar externalidades negativas, mas que deve atingir todos os aspetos da vida humana, não podendo haver fronteiras segregadoras das pessoas.
2020.07.28 – Louro de Carvalho

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