segunda-feira, 6 de julho de 2020

Da aprendizagem na pandemia à preparação do novo ano letivo


A presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), em entrevista ao “educare.pt” publicada a 1 de julho, entre outros assuntos, aborda o ensino à distância, as desigualdades sociais e tecnológicas, a desmotivação dos alunos, a inspeção de notas e a preparação do novo ano letivo.
A presidente do órgão independente com funções consultivas pensa que a comunidade escolar se adaptou bem ao contexto criado pela pandemia, mas considera que está por avaliar o impacto do que sucedeu e o que foi feito, bem como a eficácia e os custos psicológicos e financeiros das readaptações no ensino. É imperativo ter em conta as suas declarações.
O encerramento físico da escola, o ensino à distância e o acesso às TIC fizeram aflorar a desigualdade social e educativa, pois não é suficiente o acesso aos equipamentos, mas exige-se “uma rede suficientemente potente e veloz” e “competências” que levem os alunos a lidar com várias plataformas e materiais, bem como “adultos disponíveis, preparados, conhecedores da cultura escolar e capazes de apoiarem os filhos nas aprendizagens”. E este é o busílis.
A licenciada em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e mestre em Análise Social da Educação pela Universidade de Boston não compreende as auditorias às avaliações internas anunciadas pelo Ministério da Educação (ME) – “medida escusada ou mal explicada”. E diz que o cada vez mais evidente pouco gosto dos alunos pela escola “é um problema” que deve induzir uma reflexão sobre “tamanha desmotivação de quem aprende”.
Sobre o novo ano letivo, a presidente do CNE diz que é preciso equacionar vários cenários e partir do ensino presencial para “recuperar os alunos mais vulneráveis”, podendo as aulas realizar-se “de várias maneiras, com vários tempos e em vários espaços” e devendo variar os métodos de ensino. Assim, sustenta que “a aprendizagem por projeto e incidindo em questões ‘vivas’, complexas, verdadeiros problemas da nossa sociedade, poderá contribuir para aumentar o gosto dos alunos pelas aulas e para os ajudar a aprender a aprender”.
Tendo a comunidade escolar (diretores, professores, alunos, pais…) feito enorme esforço e conseguido “recriar” outros modos de ensinar e aprender, resta conhecer os benefícios da readaptação e perceber “o impacto emocional desta situação”. Com efeito, a “escola física e relacional desempenha outros papéis para lá da sua missão definidora de local de aprendizagem” como o “papel de vigilância e proteção da criança e dos seus direitos” e mesmo os “de satisfação das suas necessidades básicas de apoio socioemocional para situações de grande tensão e stresse” e “de socialização entre pares”, basilar para o bem-estar e desenvolvimento social.
No atinente aos professores, refere que “fizeram um enorme esforço e, em poucos dias, conseguiram reaparecer aos seus alunos e assegurar a continuidade da sua educação”, o que deu a sensação generalizada de que os alunos se viram “reconhecidos, valorizados e confiantes de que não iam ficar abandonados”. Contudo, esquece a falta de oferta de formação docente, o facto de os custos dos equipamentos correrem por conta dos docentes e a sobrecarga destes.
Ao ensino à distância aponta a tentação mais imediata “de reproduzir ‘à distância’ o modelo utilizado presencialmente”. Não obstante, distingue várias situações: a do professor a trabalhar com os alunos numa variedade de métodos com vista à autonomia dos alunos e à autorregulação das suas aprendizagens (“a adaptação terá sido mais adequada”); a do professor cujas aulas assentavam sobretudo no método expositivo (“poderá ter tido mais dificuldades”, pois, à distância, são mais cansativas, sobretudo para crianças mais novas); a do professor que se limitava a enviar de fichas e trabalhos para casa; e outras situações que terá havido e que precisam de se conhecidas e estudadas. Depois, sublinha a diversidades de modalidades de ensino à distância: internet, com sessões síncronas e assíncronas; televisão com aulas do “EstudoEmCasa” na RTP Memória e o aproveitamento da programação infantil da RTP2 enquadrada pelas orientações curriculares para a educação pré-escolar; aulas proporcionadas pela RTP Madeira (que incluem aulas para o Secundário) e pela RTP Açores; e programas radiofónicos “Bloco de Notas” na Antena 1 de apoio a certas disciplinas do Secundário. E considera que foi um esforço conjunto extraordinário, mas que “ainda não temos dados suficientes para saber como funcionou, por exemplo, a articulação entre esta oferta mediática e a oferta mais individualizada de cada escola e cada professor a cada aluno”.
Quanto a desigualdades, a presidente do CNE reconhece que já existiam na nossa sociedade “e estão longe de ser apenas as desigualdades de acesso às tecnologias”, porém, a utilização destas de forma mais generalizada e intensa mostrou e agravou as desigualdades. Assim, várias entidades (nomeadamente autarquias) “intervieram para distribuir dispositivos (computadores, tablets ou telemóveis), assegurando que “todos os alunos tivessem equipamento”.
E Maria Emília Brederode Santos não deixa de pôr o dedo na ferida:
A verdade é que não basta o acesso ao equipamento, é necessário também uma rede suficientemente potente e veloz, competências que permitam aos alunos lidarem com várias plataformas e materiais, e pais ou outros adultos disponíveis e preparados, conhecedores da cultura escolar e capazes de apoiarem os filhos nas aprendizagens. E é aí que as desigualdades são mais graves e mais difíceis de ultrapassar.”.
Relativamente ao acerto e ao mérito das decisões educativas, aponta que foram “decisões muito difíceis” e não tomadas totalmente pelo ME, pois “foi necessário ao poder político procurar equilibrar o ‘trilema’ da pandemia: a preservação da saúde, a proteção social e económica e a capacidade de resistência do SNS”. E, sobre as medidas tomadas no quadro da pandemia, diz que o mundo se tornou “um laboratório experimental”. Assim, houve países que preferiram ao confinamento a imunização da comunidade e ou arrepiaram caminho ou reconheceram o erro estando a ter resultados desastrosos. Ou seja, “as respostas que não incluíram o confinamento da maioria das pessoas em suas casas estão a revelar-se piores em termos de saúde dos cidadãos” sem terem preservado a economia.
No âmbito do regresso dos alunos do 11.º e 12.º anos à escola e a reabertura das creches e da educação pré-escolar, sustenta que “se procurou uma solução de equilíbrio entre vários interesses e possibilidades, continuando a privilegiar-se a situação sanitária”. Foi – diz que sem polémica – “o desconfinamento parcelar e gradual” que permitiu “a necessária redução do número de alunos com vista a assegurar medidas de segurança e distância física”. No caso das creches e jardins de infância, terão estado subjacentes razões sobretudo económicas e psicológicas. E a opção pelos mais velhos encontra justificação na “sua maior maturidade, compreensão da necessidade de distanciamento físico e cumprimento de medidas de higiene e controle comportamental e também, provavelmente, pela realização de exames do Ensino Secundário e a questão do acesso ao Ensino Superior”.
Porém, parece mandar às malvas a maturidade e as outras supostas qualidades quando afirma:  
Para mim, o principal problema das opções seguidas foi poder sugerir uma importância excessiva dada aos exames”.
Como foi já dito, não compreende o anúncio do Ministro da Educação de auditorias às avaliações internas – medida “escusada ou insuficientemente explicada” neste “ambiente de tanta tensão”. Só a entende “como tendo uma intenção dissuasora da tentação de algumas escolas de inflacionarem as notas finais para efeitos de acesso ao Ensino Superior”, mas aduz o possível “efeito perverso de os alunos não verem o seu trabalho valorizado se os professores preferirem manter as notas anteriores para não incorrerem na suspeita”. E frisa que o CNE tem divulgado análises e estudos sobre “a questão da inflação das notas, nomeadamente nos seus relatórios anuais sobre o Estado da Educação”, e que tem, neste momento, em curso “um estudo sobre a questão do acesso ao Ensino Superior”.
Sobre o pouco gosto dos alunos pela escola e o excessivo peso dos trabalhos de casa, aspetos denunciados por um estudo internacional, vai mais além ao referir – citando Margarida Gaspar de Matos (que coordenou o estudo em Portugal), no webinar organizado pelo CNE a 8 de junho – que “o gosto pela escola entre os alunos de 11 a 18 anos vai diminuindo com a idade” e “tem vindo a diminuir pelo menos desde 2002”. E acrescenta:
A partir do inquérito de 2010 sabemos que do que gostam na escola é, por ordem decrescente: dos recreios, dos colegas, de algumas atividades de caráter mais festivo, das aulas e, menos ainda do que das aulas, da comida do refeitório… consideram as aulas longas, desinteressantes, distantes da vida e centradas demais nas notas.”.
Por isso, a seu ver, é preciso reapreciar a escola e a dificuldade em motivar os alunos, para lhes criar e manter o gosto por aprender, pois, “num mundo em mudança tão acelerada o ‘querer, poder e saber aprender ao longo de toda a vida’ é cada vez mais importante e a escola tem de saber preparar para isso”.
Por fim, em relação ao novo ano letivo, começa por dizer que “sabemos muito pouco do que vai ser o próximo ano em termos de pandemia”. Daí a premência da equação de cenários diversos. Porém, há que ter como primeira preocupação “o bem-estar físico e emocional de alunos e professores”, reservar “um tempo para que todos se possam reencontrar” e “falar sobre as suas vivências”, aproveitar bem “os períodos presenciais para recuperar os alunos mais vulneráveis, para preparar melhor um possível regresso ao encerramento de escolas e para aprendermos a viver numa constante incerteza” e, a partir do distanciamento físico e de outras condicionantes, repensar as “finalidades e organização da escola” (podendo as aulas ter lugar de vários modos, com vários tempos e em vários espaços). E sugere “a aprendizagem por projeto” e o uso dos dispositivos agora utilizados para o ensino à distância como ferramentas úteis “para desenvolver competências de procura de informação, apreciação crítica das fontes, capacidades de comunicação e de divulgação”. Ora, tendo a digitalização da escola acelerado, será um enriquecimento utilizá-la num ensino misto ou híbrido, mas “sem pôr em causa a relação pedagógica professor-aluno”. O ensino exclusivamente à distância até poderá funcionar excecionalmente com alunos mais velhos, por exemplo, em cursos curtos, de atualização profissional. Porém, de preferência, deverá ser “como complemento da relação presencial”. Por outro lado, há que refletir (escola e professores) sobre a possibilidade de “transformar os dispositivos de ensino à distância em ferramentas para uma aprendizagem mais autónoma” e, quando isso ocorrer, há que estimular e acolher a participação dos alunos.  
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Virão Ministro e Secretários de Estado a ler as asserções da presidente do CNE ou continuarão a travar a diminuição de alunos por turma ou o desdobramento desta e acusar de injusta e paternalista a crítica às medidas educativas que tiveram de ser tomadas? É claro que, mesmo que 25% dos docentes tenham optado por rever conteúdos, há muitas aprendizagens não conseguidas e muitos alunos não tiveram o conveniente acesso aos meios de aprendizagem. Isto par não falar da falta que a escola física faz aos alunos do 1.º Ciclo.
2020.07.06 – Louro de Carvalho

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