terça-feira, 7 de julho de 2020

Uma tirada democrática nublosa e de perfeita inutilidade



O Decreto-Lei n.º 27/20, de 17 de junho, alegando o compromisso do Governo com a modernização do Estado, enquanto “pedra angular do desenvolvimento socioeconómico do País e de uma maior eficiência, eficácia e qualidade nas respostas às necessidades das populações”, altera a orgânica das comissões de coordenação e desenvolvimento regional” (CCDR). Por outro lado, evoca o Programa do XXII Governo Constitucional, que, no quadro da “concomitante transformação do modelo de funcionamento do Estado” postulada pela predita modernização, “prevê a consolidação do processo de descentralização em curso, estabelecendo uma governação de proximidade baseada no princípio da subsidiariedade, aprofundando a autonomia das autarquias locais e a sua capacidade para garantir o melhor interesse dos cidadãos e das empresas que procuram uma resposta mais ágil e imediata da parte da Administração Pública”.
O predito decreto-lei procede à 3.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 228/2012, de 25 de outubro, na redação, que aprovou a orgânica das CCDR, incidindo na forma de designação do presidente e dos vice-presidentes, para garantir “uma maior representatividade de todos os intervenientes locais”, uma “melhor administração ao nível regional”, o reforço da legitimidade democrática e a transparência “ao nível da governação regional”.
Neste âmbito, estabelece que a CCDR “é dirigida por um presidente, coadjuvado por dois vice-presidentes”, que “são nomeados por resolução do Conselho de Ministros”, na sequência dos procedimentos previstos no presente diploma.
O presidente é indicado mediante eleição por um colégio eleitoral composto pelos seguintes eleitos locais da área geográfica de atuação da respetiva CCDR: presidentes das câmaras municipais; presidentes das assembleias municipais; vereadores eleitos, ainda que sem pelouro atribuído; e deputados municipais, incluindo os presidentes das juntas de freguesia. O sufrágio é individual e secreto, em urna, e cada eleitor dispõe de um voto. Um vice-presidente é indicado pelos respetivos presidentes das câmaras municipais, respeitando os procedimentos da eleição do presidente, com as devidas adaptações. E o outro vice-presidente é indicado pelo Governo, por proposta do membro do Governo responsável pela coesão territorial, em prévia coordenação com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e do ambiente, após consulta ao presidente e ao vice-presidente eleitos.
O presidente é substituído nas suas ausências e impedimentos pelo vice-presidente designado por eleição, a menos que o presidente decida de forma diferente.
A designação do presidente e vice-presidentes respeitará a representação equilibrada de género.
São elegíveis os cidadãos maiores cujas habilitações literárias confiram o grau académico de licenciado e que possuam capacidade eleitoral passiva nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, na sua redação atual.
As candidaturas para presidente são propostas por, pelo menos, 10 % dos membros do colégio eleitoral. A DGAL (Direção-Geral das Autarquias Locais) organiza, até 40 dias antes das eleições, uma lista atualizada para cada um dos colégios eleitorais, com a indicação nominativa dos eleitores. As candidaturas são apresentadas até 20 dias antes da data da realização do ato eleitoral. No prazo de 5 dias úteis, contados do termo do prazo para apresentação de candidaturas, a DGAL verifica a respetiva regularidade, decide, fundamentadamente, da sua aceitação e torna pública a listagem das candidaturas aceites, através da respetiva publicação no seu sítio oficial na Internet.
O ato eleitoral realiza-se durante o mês de setembro e é convocado pelo membro do Governo responsável pela área das autarquias locais, por comunicação escrita dirigida às assembleias municipais da área geográfica de atuação da CCDR, com a antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da sua realização. Decorre no dia indicado na convocatória, entre as 8 e as 21 horas, nas instalações de cada Assembleia Municipal, sob a responsabilidade da respetiva mesa eleitoral. A mesa eleitoral é composta por três membros efetivos, um dos quais preside, e 3 suplentes, indicados, respetivamente, pelo membro do Governo responsável pelas autarquias locais, pela ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses) e pela ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias). A DGAL acompanha o ato eleitoral e cumpre ao tribunal central administrativo competente o contencioso sobre o processo eleitoral.
São eleitos presidente e vice-presidente os candidatos que obtiverem o maior número de votos validamente expressos dos respetivos colégios eleitorais, não se considerando como tal os votos em branco. E os resultados eleitorais são publicados nas instalações da CCDR e no sítio na Internet da DGAL.
O presidente e os vice-presidentes de cada CCDR tomam posse perante o Primeiro-Ministro, até ao 20.º dia posterior à publicação, no DR, da predita resolução do Conselho de Ministros.
A duração dos mandatos do presidente e dos vice-presidentes é de 4 anos, sujeitos ao limite de três mandatos consecutivos. E cessam: pelo seu termo; por renúncia ou pedido de demissão do titular, mediante comunicação escrita dirigida ao membro do Governo responsável em razão da matéria, com a antecedência mínima de três meses; por extinção ou reorganização da CCDR; e por deliberação do Governo, mediante resolução do Conselho de Ministros, nos seguintes casos:
- Incumprimento das orientações estratégicas e dos objetivos fixados para as CCDR, articulados entre os membros do Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, do ordenamento do território e das autarquias locais;
- Incumprimento dos objetivos definidos no plano de atividades aprovado ou desvio substancial entre o orçamento e a sua execução, salvo por razões não imputáveis aos respetivos titulares;
- Prática de infrações graves ou reiteradas às normas que regem as CCDR;
- Inobservância dos princípios de gestão fixados nos diplomas legais e regulamentares aplicáveis.
Em caso de vacatura do cargo de presidente, a designação em substituição é feita pelo membro do Governo responsável pela coesão territorial, em coordenação com os membros responsáveis pelas áreas das autarquias locais e do ambiente, para garantir a continuidade da ação da CCDR até nova eleição e designação de novo titular. E, em caso de vacatura do cargo de um ou ambos os vice-presidentes, a designação do novo titular é feita, nos três meses seguintes à data da verificação da vacatura, segundo os procedimentos pelos quais obtiveram o cargo.
O novo titular desempenha funções até ao termo do mandato do titular anterior.
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Antes de mais, é de vincar que temos um regime que não é carne nem peixe: uma designação resultante de uma eleição por um colégio eleitoral restrito (caso do presidente) e, no caso dum vice-presidente, um colégio eleitoral minimalista. E há um vice-presidente indigitado pelo Governo. Depois, trata-se duma eleição em que não tem voz o grosso dos cidadãos eleitores, quando afinal elegem os deputados nacionais, os eurodeputados, o Chefe de Estado, a assembleia municipal, a câmara municipal e a assembleia de freguesia. Ora, se um órgão regional tem a relevância que se propala, porque não é eleito diretamente pelos cidadãos com capacidade eleitoral ativa?
Já basta de eleições indiretas para as áreas metropolitanas e para as comunidades intermunicipais…
Por outro lado, é estreita a ação da tutela governativa: pode fazer cessar os designados por eleição; indigita um vice-presidente; acompanha, pela DGAL, o ato eleitoral; continua a definir os objetivos da CCDR; e recebe a posse dos dirigentes da CCDR através do Primeiro-Ministro.
Não temos verdadeira descentralização, visto que as CCDR não passam a gozar autonomia estratégica, os dirigentes podem ser exonerados administrativamente, e não pelo poder judiciário, e o controlo é feito pelo Governo e não por um órgão eleito democraticamente.
Quanto à legitimidade, tanto vale uma nomeação governamental, já que os cidadãos elegeram o Governo indiretamente quando elegeram o Parlamento, como uma designação através das câmaras e assembleias municipais. E isto não aumenta nada nem acrescenta à proximidade.
O Governo não quer ir para um procedimento de regionalização porque foge ao referendo e subscreve a vontade do Chefe de Estado. Aí teríamos a assembleia regional eleita diretamente e com poder deliberativo e fiscalizador do poder executivo. Ora, se não se pode ou se não se quer ir para uma regionalização com órgãos próprios e democráticos, não se tape os olhos dos eleitores com a peneira, dando alegadamente mais poderes aos autarcas. Não há necessidade, pois o povo sabe esperar e julgar em tempo oportuno. A democracia não ganha com tal manobra governativa e perde credibilidade.
O decreto-lei vai ser objeto de apreciação parlamentar. Os deputados têm a faca e o queijo para deliberar de forma sensata. Resta saber se o farão efetivamente ou se apenas fazem soar os sinos da bagunça.
2020.07.07 – Louro de Carvalho

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