É a
ideia-força da campanha ‘Heróis Doar’, que a Cáritas Portuguesa acaba de lançar para obviar ao impacto da crise sanitária
e económica que postula o reforço da resposta solidária na ajuda a quem
precisa, na certeza de que há cada vez mais gente a necessitar de apoio. A isto
se refere Eugénio Fonseca, presidente deste organismo católico de solidariedade
em entrevista de hoje, dia 17 de julho, à Renascença e à Ecclesia,
de cujas linhas gerais aqui se dá conta.
Era menos mal que as
dificuldades “se mantivessem no nível em que estão”, mas os indicadores públicos apontam
no sentido de elas poderem vir a ser “muito maiores a partir do último
trimestre deste ano, com um agravamento maior no 1.º trimestre de 2021”. Com efeito,
como os pedidos das pessoas assentam na “perda do trabalho e a baixa
significativa” dos rendimentos, as dificuldades serão maiores se o desemprego tiver
um aumento substancial a curto prazo.
Depois, os indicadores
levam a concluir que a recuperação económica será mais lenta, porque a contração da economia
atinge o mundo inteiro. Porém, a crise não terá a mesma agressividade em todos
os países. Na verdade, “os países com economias mais débeis vão sofrer mais”. E
Portugal tem “este problema estrutural de que a produtividade não é suficiente
para satisfazer o nível de necessidades, sendo a nossa dependência externa na
ordem dos 60%”.
Eugénio Fonseca adianta que
as Cáritas estão ajudar 49% de casos novos, mas frisa que “o número de casos que tem aparecido à
Cáritas é maior”, não estando sempre ao seu alcance as ajudas “por falta de
meios financeiros”. Não obstante, as pessoas não ficam sem resposta, mesmo que seja
a busca de ajuda em outros parceiros ou o encaminhamento para as medidas que o
Governo tem vindo a implementar.
Obviamente a ajuda mais procurada e atendida foi a
alimentação, a que vêm respondendo a Cáritas e outros parceiros como o Banco
Alimentar e as superfícies comerciais. E o presidente da Cáritas regista a
enorme onda de solidariedade “na fase inicial da pandemia”, considerando que a
crise “veio de repente, de uma forma abrupta”. Além disso, “o impasse entre a
solicitação e a aprovação do lay-off” levou a que algumas empresas não tivessem
avançado com os salários e “as pessoas tiveram um mês sem vencimento”, pelo que
choveram os pedidos de ajuda no campo alimentar, o que já não era habitual.
Ficou patente o nosso tipo de economia, “que nada tem
de sustentável”. E a recuperação económica após a crise que teve consequências
adversas para a maioria da população fez-se com a “avalancha de turismo”, que arrastou
“a necessidade de alojamentos”, o que induziu os proprietários das casas
disponíveis a elevar “o preço das rendas de uma forma totalmente
desproporcionada dos rendimentos”. E, além desse turismo básico, a recuperação
económica resultou das ofertas de trabalho muito baixas em termos
remuneratórios.
Diz o presidente da Cáritas
que outro fator de inquietação é a transversalidade da crise, pois surgem
pedidos de “zonas onde uma certa economia familiar, no sentido da subsistência, ia
amolecendo aquilo que eram as necessidades mais básicas”. E “o drama teria sido
maior” se não tivesse surgido “um movimento espontâneo” a partir de autarquias,
paróquias e grupos de maior proximidade, a obviar às necessidades criadas pelo
confinamento no acesso aos bens existentes.
Por seu turno, a Cáritas propôs uma plataforma de
apoio psicológico (que teve muitas réplicas), “agora sediada no Ministério da Saúde”.
Porém, com a agudização dos problemas, não basta o apoio psicológico. O ambiente
de medo e as situações de depressão psíquica postulam a agilização do “apoio no
campo da saúde mental, que tem grandes lacunas no SNS”. E Eugénio Fonseca
alerta para que não suceda como na crise anterior, “em que se baixaram
significativamente aqueles medicamentos de uso mais habitual e se elevou o
preço dos fármacos relacionados com o tratamento” no respeitante à saúde
mental, alguns até sem comparticipação.
A pandemia criou
dificuldades às instituições e impediu a Cáritas de, este ano, fazer o
peditório público, uma das suas principais fontes de receita. Porém, o presidente
tem dito nas entrevistas que já começa a não haver meios para ajudar, para lá
da alimentação. E explica:
“Eu não digo que estejam satisfeitas
todas as necessidades alimentares, agora é preciso saber que os géneros alimentares
têm de ser cozinhados e, para cozinhar, é preciso ter gás, ter água, ter
energia elétrica. O Governo, logo no início, criou medidas que são muito
importantes, como a de ninguém ser despejado da sua casa, ninguém ter cortes de
eletricidade, de gás ou de água, mas isto vai durar até dezembro, e nós estamos
a ajudar as pessoas a perceberem que, ao recorrerem a estas medidas, estão a
contrair dívida, e só se apercebem quando acabar a moratória, o que quer dizer
que em janeiro as pessoas vão ter de acumular parte da dívida contraída com as
despesas relativas a esse mês, se entretanto não forem tomadas outras medidas.”.
Nestes termos, sustenta a urgência de evitar o
endividamento familiar, “uma espiral que leva muito tempo a recuperar”, pois,
não sendo devolvido o trabalho a curto prazo, “as pessoas nunca mais se
equilibram em termos dos orçamentos pessoais e familiares”. Por outro lado,
apresenta os casos de muitas pessoas que, não tendo gás canalizado, têm de comprar
a botija e têm de a pagar. E, “se não a pagam, fica no tal ‘rol’, mas tem de
ser paga um dia”. E são estas ajudas que estão a ser pedidas com mais
frequência, a que se somam os pedidos “para suportar os gastos com a internet”,
resultantes do novo panorama educacional. E este último é “um problema que o
país vai ter de resolver”, visto que não pode haver uma geração “com o seu
futuro hipotecado só porque houve turbulência no sistema de ensino”. Ora, como
é consensual, “a educação é um dos alicerces fundamentais para a autonomia das
pessoas, no acesso às oportunidades”.
No âmbito da atual campanha, emerge um dilema: a Cáritas
precisa de ajuda para continuar a ajudar, mas a crise torna mais difícil a
ajuda dos portugueses. E Eugénio
Fonseca, vincando a grande generosidade dos portugueses e o envolvimento dos media
na criação da onda de solidariedade que ajudou a resolver os primeiros momentos
da crise, acha contraproducente “andar, através dos media,
constantemente neste tipo de campanhas, até porque elas têm a tendência de
diminuírem no seu fluxo”. Porém, apela àqueles que ainda podem a que “não
fiquem indiferentes”. E propõe: “vamos provar que do pouco que temos – essa é
a experiência da Cáritas – ainda se partilha, em favor dos outros”.
Depois, põe a claro a “responsabilidade social das
empresas”, em nome da qual as “mais consolidadas, em termos financeiros, têm de
partilhar alguns dos dividendos, não deixando isso para quem já tem muito
dinheiro – administradores e outros, que já têm salários significativos”.
Revela, como exemplo que duas embaixadas, em vez de
fazerem uma festa no dia do seu país, distribuíram os “encargos que tinham por
algumas instituições, nomeadamente pela Cáritas”.
Refere que a duração da
campanha dependerá do sucesso
que tiver, “porque chega a um ponto em que a gente percebe que tem de
reinventar formas de solidariedade”.
Sobre as medidas que têm
sido tomadas pelo Governo, diz que “até agora têm sido medidas avulsas”. E pensa que, em termos de política,
entre os vários desafios, emerge o do momento que estamos a viver, que obrigará
“a transformações na forma como vivemos e convivemos”, tendo de haver, quanto antes,
“sinais objetivos de que essa mudança se vai operar”. Mais: “ninguém está
dispensado de contribuir para essa transformação”. É a hora de a classe
política “demonstrar a sua credibilidade” e “é uma forma das mais nobres de
cidadania, a de exercer este dever que cada cidadão tem”. E, citando Leonardo
Boff, diz que “há os políticos, que somos todos, e os políticos, que praticam a
política, no sentido da governança”, e a todos se faz esta exigência da cooperação
e se impõe a recuperação de “uma determinada credibilidade perdida”.
A esta perda de credibilidade
não é alheio o distanciamento das necessidades reais das pessoas por parte da
classe política, talvez em resultado do cada vez mais preocupante défice
“na dimensão representativa da democracia, pela taxa de abstenção”. Aliás, na
democracia participativa, há muito grandes lacunas. Diz Eugénio Fonseca que “os
deputados não se podem mostrar só enquanto candidatos”, que deveriam “estar
menos tempo em hemiciclo” (é certo que têm as comissões, trabalho que
às vezes o povo não vê) e haviam de ter mais algum tempo para os círculos eleitorais por que foram
eleitos. Só que “muitos deles nem vivem ali”.
Contudo, não omite a
convergência política inicialmente gerada em torno da pandemia, apesar da diferença de matriz
ideológica, o que permitiu a tomada de medidas “com maior consistência na
prevenção do contágio”. A pari, como “o
verdadeiro político é aquele que pensa no bem comum”, apesar da importância das
ideologias, é preciso “demonstrar nesta crise económica” um consenso semelhante.
Assim, o presidente da Cáritas entende que urge “criar condições para que o
povo acredite” que os eleitos “estão mais interessados nos reais problemas da
população” que “em defender ideologias”, e apostados na “ecologia humana
integral”, que evidencia a “unidade toda do que é a relação entre a pessoa e o
seu ambiente, o cosmos”. Ou seja, propõe um pacto de regime para o que “é
essencial: os Direitos Humanos”.
Por fim, reporta-se ao pedido da Cáritas Europa e de 11 organizações
solidárias à União Europeia (UE) no sentido da
criação de um Fundo de Emergência Social, para apoio aos serviços
sociais essenciais e resposta à crise provocada pela pandemia. E, enquanto acredita
“que isso é possível”, já que “todos os países da Europa foram atingidos”, receia que grite mais alto “o poder
que alguns países têm tido” no concerto da UE, pondo em causa o seu fundamento,
“que se baseia na solidariedade”. Assim, grita que é a oportunidade que a UE tem para “mostrar que é mesmo uma
União, que não é apenas uma congregação de países”.
Deus o oiça!
2020.07.17 – Louro de Carvalho
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