Mesmo sem nacionalização, cresce o capital do Estado na TAP. Após um extenso rol de negociações, o Governo
acordou com os acionistas privados, no dia 2 de julho, um aumento da posição
pública na companhia aérea para os 72,5%, pagando o Estado 55 milhões de euros pelos 22,5% de David Neeleman, que sai,
evitando-se, deste modo a falência duma empresa essencial ao país e garantindo um
futuro sem litigância. Os trabalhadores continuam com 5%. Do lado
dos acionistas privados, o consórcio Atlantic Gateway, que detinha 45%,
desaparece do capital da TAP. O português Humberto Pedrosa deterá 22,5%, a
posição que tinha com a igual do sócio David Neeleman tinha na companhia aérea.
E Antonoaldo Neves deixa de ser o CEO.
Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e da
Habitação, ancorado na consciência do peso da decisão tomada, frisou que “a TAP é demasiado importante para o país, para a
economia nacional e para o emprego” para que se corresse o risco de deixar cair
uma empresa destas, revelou que esteve em cima da mesa, em
alternativa, o cenário de nacionalização, mas que “felizmente
não foi necessário” e observou que a insolvência “custaria dinheiro” e
“teria um impacto direto na economia e no emprego”.
O reforço do capital do Estado na TAP acontece na sequência do agravamento
da sua situação financeira, pelo que a Comissão Europeia deu “luz verde”
à ajuda estatal de até 1.200 milhões de euros, mas impôs condições, pois
a companhia já estava em dificuldades antes da Covid-19.
Por sua vez, o Estado impôs aos acionistas
privados condições, que não foram bem recebidas. Segundo o Ministro, “era
fundamental que os acionistas privados pudessem acompanhar com a conversão dos
créditos que tinham em capital”, mas, não o conseguindo totalmente, o Governo
não fez cedências: o contrato
será fechado nos próximos dias e o empréstimo será feito em várias
tranches, acompanhadas de um plano de liquidez e reestruturação.
Além do valor da compra da posição de Neeleman, estava
em causa o empréstimo de 90 milhões de euros que a Azul, empresa em que
Neeleman é acionista, concedera, empréstimo que poderia ser convertido em
capital em 2026, mas o Executivo garantiu que não vai acontecer.
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Para substituir Antonoaldo Neves, o Governo procura no mercado
internacional um gestor para liderar a TAP. Embora haja talento em
Portugal, Pedro Nuno Santos diz que o setor assim o obriga
e garante o Estado está “disposto” a pagar pelo cargo de topo, pois, “se
queremos gestores qualificados e com competência, temos de ir ao mercado, que é
onde eles estão a trabalhar num setor muito global e específico, e temos de estar dispostos a pagar aquilo que custa um gestor
qualificado” (disse à SIC) e “o mais caro é termos um gestor sem competências”.
O Ministro afirmou que a contratação de uma empresa especializada “permite
também tentar ganhar alguma credibilidade dos portugueses e confiança na
relação que o Estado vai ter cm a própria empresa”. E acrescentou:
“Não vamos nomear comissários
políticos para a gestão da TAP. Precisamos de gente altamente qualificada e
seguir os procedimentos que as grandes empresas fazem.”.
A nível da restruturação da empresa, é provável que haja diminuição de
postos de trabalho e emagrecimento da estrutura empresarial. O
Primeiro-Ministro foi o primeiro a admitir que haverá despedimentos na
TAP. E Pedro Nuno Santos, que tem afirmado que não é uma impossibilidade
fazer a reestruturação sem cortes no número de trabalhadores, já o admitiu, em
entrevista ao Jornal da Noite, na SIC, ou que será necessário encolher a força de trabalho, já que, para a viabilidade
da companhia aérea será um “desafio grande” para os milhares de funcionários.
Para isso, “olhamos para as rotas, os aviões e quadros” da empresa, que
“terão de diminuir”, atirou o governante na linha do Primeiro-Ministro,
que afirmou que a reestruturação “vai implicar diminuição do número de rotas,
de aviões e isso terá consequências sobre o emprego da TAP”, não valendo estarmos
com ilusões, pois, “em qualquer operação há dor”.
Interpelado sobre
a dimensão dos cortes, o Ministro escusou-se a avançar com números, referindo
apenas que a reestruturação será um processo complexo, até porque “temos de
encontrar um equilíbrio difícil: uma reestruturação que garanta
a viabilidade, mas que não ponha em causa a TAP que precisamos para a economia
nacional”.
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A ocasião
deveria constituir uma oportunidade privilegiada para o debate sobre a TAP, o
seu valor estratégico, se é que o tem, e sobre a dimensão que deve ter no futuro.
Mais, se representa um valor estratégico para o país, deve deixar de ser gerida
por individualidades que estejam ao serviço do lucro ou dos interesses
partidários. A gestão, que deve ser profissionalizada, não poderá atribuir
prémios a gestores e quadros no caso de haver prejuízos e deverá responder
perante o Estado enquanto acionista maioritário, se o continuar a ser, ou na
qualidade de prestadora do serviço público que lhe seja outorgado. E obviamente
a empresa terá de estar ao nível da concorrência, responder aos legítimos
interesses do todo nacional, na linha da equidade e proporcionalidade, e deixar
de ser um sorvedouro permanente do produto do suor dos contribuintes. Não pode
ser o pátio de familiares ou amigos políticos, comerciais ou de sangue.
De outro
modo, não é lícito estar a injetar ali dinheiro público mesmo em tempo de
crise. Estaremos perante um processo parecido com o do BES/Novo Banco?
Estaremos face a uma hipótese semelhante à do BPN/EUROBIC ou mesmo à do
Banif/Santander?
2020.07.03 – Louro de Carvalho
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