No passado dia 24 de julho, em entrevista à Renascença e à Ecclesia a propósito do dia dos avós, que se celebrou a 26, Alice
Vieira, jornalista e escritora de conto e romance, disse acreditar que a
pandemia provocou uma aproximação maior entre as famílias e entre os vizinhos,
mas tornou evidente a urgência de repensar
as respostas de apoio aos idosos.
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Considera que é tão
importante um dia dos avós como o dia da mãe ou o dia do pai, “embora os avós devam pensar nos netos e os netos nos avós nos
outros dias todos”, e diz que “pelo menos no Dia dos Avós podemos falar um bocadinho mais do que é a relação –
porque às vezes é um bocadinho complicada – entre avós e netos”.
Confessa que viveu a fase do
confinamento “muito mal”, pois não podia “beijar os
meninos”, não podia “abraçar” os netos. Todavia, não se sentiu impedida de
falar, de conversar. E diz que até “nos habituámos a falar mais com as pessoas”,
apesar de haver a distância e “um vidro entre nós, que é uma coisa fria”, mas sempre
dá para ver como é que está a outra pessoa.
Além da recuperação do
tempo de conversa, a pandemia tornou-se ocasião para aprendermos que “há imensas coisas que não nos fazem falta
nenhuma” e que as pessoas tentaram contactar-se mais. Mencionou o caso de “um
amigo que é contador de histórias, as pessoas pedem-lhe que vá contar uma
história a um amigo, a um primo que vive não sei onde, ele telefona para lá,
conta uma história, e a pessoa fica feliz e contente”. E refere que ia muito às
escolas, o que lhe faz falta, mas que agora o faz por zoom. Por outro lado, interroga-se “se este vírus tivesse chegado
numa altura sem novas tecnologias, como é que era” e pensa que seria “ainda
muito pior”.
Confrontada com a asserção,
numa entrevista de há uns anos, que muitas das avós estão no ativo, têm a sua
vida, mas que muitas vezes a casa dos avós também é um depósito dos netos, diz que
a pandemia fez com que as pessoas passassem
a estar mais juntas, mas advertiu que, “se os avós não estiverem em casa com os
netos, eles também não podem ir para casa deles”. Não obstante, acha que “as
relações ficam melhores”. Sem dizer que o vírus traz coisas boas, assente que “há
uma nova consciência”. E, se dantes nos preocupávamos “com coisas sem
importância nenhuma”, agora “aquilo com que nos preocupamos são muito menos
coisas, mas são muito mais importantes: saber se ele estudou, se ele fez
isto, telefonar para ele, como é que foi”. Ora, se isto une, não permite que
possamos “estar mesmo ao lado, mas havemos de poder”.
No atinente à solidão, pensa nas “pessoas que lidam mal com a solidão, porque
estão sozinhas e as pessoas não se lembram delas”, sendo que algumas “sofrem
muito por estarem sozinhas em casa”. Por outro lado, aquando do confinamento,
acha que não terá sido fácil “estar tanto tempo em casa com o marido e com os
filhos, ter de fazer as coisas e aturar o marido”. Agora, há uma espécie de
descongestão: as pessoas já podem sair de casa. Mas Alice Vieira sente que as
pessoas duma certa idade gostam de conversar. E ela vai nisso.
Instada a comentar a mensagem da
Comissão Episcopal do Laicado e Família para o Dia dos Avós, segundo a qual ‘os
avós são um tesouro’, que deve ser protegido e cuidado, porque “uma sociedade
que não protege, não cuida e não admira os mais velhos, está condenada ao
fracasso”, a entrevistada anui à necessidade de se prestar atenção aos mais velhos,
“até porque nesta pandemia estão muito mais próximos de nós” – não
‘próximos’ fisicamente, mas é verdade que “falamos mais com eles”, o que “vai
continuar, esse cuidado com os mais velhos, com os avós”. Com efeito, “há
coisas que os avós ‘ensinam’, transmitem, que os pais não fazem”, o que “deve
ser continuado”. E, concordando com o professor João dos Santos, que dizia
ser importante “haver uma geração de premeio”, revela que diz à neta coisas que
não conta aos filhos. É uma relação
é diferente. E, considerando extraordinária a
sua relação com os netos, diz que fala sempre mais dos netos, porque não
conheceu os avós.
Concorda com a mensagem da
Igreja católica para o Dia dos Avós, que fala da importância dos avós
como “transmissores” de saberes e de valores fundamentais. Na verdade, como
diz, “os avós transmitem coisas que os
outros não podem transmitir”. E evoca o seu tempo de trabalho no El Chaco,
cidade da “província mais miserável da Argentina”, para relatar:
“Há lá um homem extraordinário que faz todos
os anos um encontro (de avós). Durante todo o ano as avós têm um grande
contacto com os netos, delas ou de outros, para lhes contarem a sua experiência
(…). No final há sempre uma grande festa e há um prémio para a melhor avó e
para o melhor avô. Os avós são muito valorizados, porque têm uma experiência de
vida que os netos já não têm.”.
Entende que devíamos fazer coisa igual, para contarmos aos netos “como é
que foi a nossa vida, o que é que foi este país antes, o que é agora, o que é
que se fez”. E acha absurda a ideia de transformar a casa dos avós no ATL,
porque lhe “custa muito ver que os miúdos, em tempos normais, vão para casa dos
avós para fazer os trabalhos de casa, e depois vão-se embora”. Por isso, com os
netos sempre fez “outras coisas que nem a escola nem os pais pudessem fazer” –
passear, ver coisas, estudar – pois “é importante dar-lhes um outro
conhecimento”.
Quanto à suposta rarefação
do voluntariado idoso por força da pandemia (instituições
houve que se viram sem os seus voluntários, que eram idosos) e à valorização da dimensão
solidária e de ajuda dos idosos, refere que tal dimensão solidária e de ajuda “tem
sido boa”, mas não muito valorizada.
Por outro lado, regista uma grande preocupação com os idosos, sobretudo se
isolados, da parte de muitas pessoas, incluindo juntas de freguesia: batem-lhes
à porta “para dizer que estão ali” ou telefonam-lhes “para saber se está tudo
bem, se é preciso alguma coisa, e isso é importante”, porque “às vezes não
conseguem sair de casa, porque estão mal, não têm família”.
Admite que houve grande
despersonalização da sociedade, perda de relações de vizinhança… E conta que
via todos os dias a vizinha da frente e “via o que ela estava a fazer”, mas não
sabia como se chamava.
Mas, com a pandemia, já sabe e conversam.
Coisa parecida diz dum café
aonde todos os vizinhos iam, mas sem entabularem conversa uns com os outros,
quando agora “aquele café
fica a ser o café dos vizinhos”.
Sobre o facto de a pandemia revelar
muitas fragilidades na forma como cuidamos dos mais velhos, pois nos Lares
houve situações dramáticas, não só em Portugal, como noutros países, Alice
Vieira sublinha que a pandemia não nos permite pensar em tomar um avião e ir
para outro país, porque a fragilidade é global.
E, sendo necessário
repensar as estruturas que temos para os mais velhos, chama a atenção para a
quantidade de gente que se infetou nos Lares, mas sabe que muitas pessoas não
podem estar em suas casas e que, por outro lado, muitos Lares são muito caros e/ou
sem condições. Assim, importa que a sociedade encontre respostas adequadas em
vez de imputar culpas às famílias. Com efeito, “a família, muitas vezes, tem uma casa pequena, não pode haver lá mais
ninguém” (omite os
inúmeros caos de familiares que não podem tratar dos seus idosos por motivos de
trabalho excessivo ou de longe da residência). Porém, os Lares deveriam ter “condições, onde as pessoas pudessem ir, em
tempos normais, para ver os idosos, sair um bocadinho com eles, tornar a pô-los”
e serem “uma casa onde eles estivessem”, não “um acumular de pessoas”. Assentindo
que, “mesmo sem covid, é muito complicada a condição dos velhos”, espera agora que
“se pense melhor que tem de haver uma solução, sem deitar às culpas às famílias”.
E, em situação de desconfinamento, a
entrevistada entende que se deve fazer com os idosos “o mesmo que tem de
se fazer com os mais novos”. Deve ir-se saindo com eles, com muito cuidado,
usar máscaras, não estar muito perto das pessoas, “até para andarem, para se
movimentarem” e para “deixarem de ter medo”.
Comentando a frase do Papa Francisco, “sem idosos não há
futuro”, que deu nome à petição lançada pela comunidade de Santo Egídio e
da qual Alice Vieira é uma das signatárias, diz:
“Quando recebi a petição, vinda de quem
vinha, disse: ‘assino já’. Foi o cardeal Tolentino Mendonça. Eu disse: ‘Oh Zé,
nem vou ler, assino logo’. Depois fui ler, claro. Esse texto, no fundo, dizia o
que nós pensávamos e também dizíamos, sobre o cuidado com os velhos,
aproveitá-los. Porque não são uma coisa que se põe de lado, há que aproveitar o
que eles ainda podem fazer e sabem fazer.”.
No atinente ao seu percurso
de aproximação à Igreja, vinca a importância do Cardeal Tolentino a ponto de
estar sempre a dizer-lhe que não lhe perdoa ter-se ido embora. E conta que o
marido (Mário Castrim) era católico, mas zangado
com a hierarquia. E, quando ele morreu, há 17 anos, Alice foi-se um bocado
abaixo. Nessa ocasião, o Padre Tolentino ouvia-a “a toda a hora e todo o momento”, donde a sua
aproximação à Igreja. E a fé tornou-se uma dimensão
importante na sua vida. Diz que faz o que pode: na pandemia via a Missa
pelo computador (“não era a mesma coisa”) e agora custa-lhe ligar e reservar lugar, pois a
Capela é muito pequena. Vai vendo e assistindo, pois custa-lhe ver pouca gente
numa Capela do Rato que estava sempre à cunha.
Por fim, anuncia um livro
que está em laboração em parceria com a também escritora Manuela Niza. Estão a fazer um romance intitulado “Pó de arroz e Janelinha”, que é
publicado nas suas páginas do Facebook, fazendo cada uma um capítulo sem
assinar, para ninguém saber “quem é que escreveu o quê”. Reflete a metáfora da
infância e a do confinamento-desconfinamento:
“É a história de um prédio onde estão
pessoas que não podem sair. Agora já podem sair um bocadinho. É quase a
evolução da pandemia naquelas pessoas. Uma é jornalista, outra é dona de casa…
Isso anima-nos muito, porque a gente ri-se imenso a fazer aquilo, e o meu
patrão da Leya já disse que, quando estiver acabado, que publica.”.
***
Enfim, é uma
entrevista que aponta de forma despretensiosa o papel dos idosos, nomeadamente
os avós, o cuidado a ter com eles, além do que representa como experiência de
vida, vivência cultural e modo de sentir a influência da fé cristã na vida
pessoal e comunitária.
Lembro-me da
homenagem que o 9.º encontro de professores, em que participei, promovido pela
Areal Editores, lhe prestou no Europarque a 6 de maio de 2004, pela sua produção
na área da literatura infanto-juvenil. Bem a mereceu a escritora de conto e romance,
que passou pelo jornalismo nos “Diário de
Lisboa”, “Diário Popular”, “Diário de Notícias” e “Jornal de Notícias”, bem como na revista
“Ativa”. E ainda colabora na
revista “Audácia”, dos Missionários
Combonianos e no “Jornal de
Mafra” online. Mulher de armas!
2020.07.29 – Louro de Carvalho
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