segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Fui à ordenação presbiteral do passionista José Gregório

Há quase 20 anos que não presenciava uma ordenação sacerdotal (a última foi a de Frei João Peliz, a 8 de dezembro de 1996, na sé catedral do Porto). E, tendo-me chegado ao conhecimento a notícia de que a 30 de outubro seria a ordenação presbiteral do missionário passionista José Gregório Duarte Valente na Igreja do Seminário dos Padres Expansionistas em Santa Maria da Feira, lá me desloquei pelas 15 horas e meia.
Um templo literalmente cheio, um grupo coral e instrumental no seu melhor e uma admonitora atenta e contida nas explicações teológico-litúrgicas emprestaram à missa de ordenação uma singular riqueza doutrinal e uma vivência litúrgica adequada e revestida de boas sementes de espiritualidade na vida cristã.
A admonitora, logo antes do cântico de entrada deu o lamiré adequado da circunstância cerimonial. É pelo batismo que as pessoas são incorporadas em Cristo e na Igreja, decorrendo daí as suas responsabilidades universais no culto e difusão da Palavra de Vida, da Santificação e da Solidariedade na caridade. Porém, para que tal dinamismo seja desencadeado, estimulado e orientado, o Senhor escolhe uns tantos a quem a Igreja promove ao serviço qualificado “de Cristo, Mestre, Sacerdote e Rei, de cujo ministério participam, e mediante o qual a Igreja é continuamente edificada, neste mundo, como Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo”. Assim, “alguns fiéis são instituídos em nome de Cristo e recebem o dom do Espírito Santo para apascentarem a Igreja pela palavra e pela graça de Deus” – do Pontifical Romano, Ordenação do bispo, dos presbíteros e diáconos.
Conterrâneos, amigos e familiares do próximo futuro neossacerdote cantavam com força de alma, orientados pelo grupo coral à entrada: “Povo de reis, assembleia santa, povo sacerdotal, povo de Deus, bendiz o teu Senhor!”. Solene foi o cantar do Kyrie e muito belo sentir aquela assembleia cristã a responder à salmista: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor, cantarei eternamente”. E foi espetacular o emolduramento do Evangelho com o entusiasmante cantar aleluiático, que festeja o facto de Deus amar “tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito” e “quem acredita n’Ele tem a vida eterna”.
O candidato à ordem de presbítero, que rapidamente passou a neossacerdote, respondeu com toda a firmeza e clarividência às perguntas rituais e o Bispo e o presbitério souberam acolher com dignidade e alegria no grémio presbiteral o já religioso missionário passionista.
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Devo referir que o senhor Bispo do Porto, depois de admitir à ordenação o candidato, não se limitou no seu momento homilético a falar para ele, como fazem alguns bispos inclusive o Papa Francisco. Não. O bispo diocesano honrou com a sua palavra parenética as perícopas bíblicas anteriormente proclamadas e tirou conclusões para a vida de todos nós. Desde o livro da Sabedoria, em que se professa o amor de Deus por tudo aquilo que criou e a sua presença em todas as coisas, passando pela segunda carta de Paulo aos Tessalonicenses, em que o Apóstolo diz rezar para que Deus nos considere dignos do seu chamamento a fim de que Jesus Cristo seja em nós glorificado, até ao Evangelho de Lucas, que refere o episódio de Zaqueu – o bispo-celebrante falou para a assembleia. E, no seu falar para nós, disse que também neste dia o Senhor precisa de ser acolhido por nós em nossa casa. Com efeito, não há ninguém que o Senhor não procure, não há casa em que a Salvação não precise de entrar. Por isso, como Zaqueu, todos devemos querer ver o Senhor, deixar-nos surpreender pelo seu chamamento, dar-lhe as mãos e abrir-lhe o coração. Na verdade, é preciso fazer com que a assembleia se torne cúmplice efetiva e afetiva da ministração do sacramento da Ordem, como espelho da comunidade e da família em que despertou, se desenvolveu e consolidou a vocação sacerdotal, a qual não acontece por mérito próprio, mas por dom de Deus que, depois, o seu detentor coloca ao serviço da comunidade, do povo de Deus, a testemunha e o missionário radical das maravilhas de Deus.
Depois, como é óbvio, o senhor Bispo dirigiu palavras apropriadas ao candidato ao presbiterado baseando-se em segmentos textuais do cerimonial, que prescreve que “o Bispo faz a homilia”: partindo do texto das leituras lidas na liturgia da palavra, dirige-se ao povo e ao eleito e fala-lhes do ministério dos presbíteros”. E é neste aspeto específico que o cerimonial sugere um texto, mas sem prescindir das leituras e da aproximação à realidade concreta.
Também é de salientar que a Ladainha dos Santos, durante a qual o candidato ficou prostrado no solo, invocou muitos santos e santas da família passionista – os originários pobres de Cristo, como bem recordava o bispo ordenante.
Eloquente foi a cerimónia silenciosa da imposição das mãos da parte do Bispo (a verdadeira matéria do sacramento) seguida do mesmo gesto por parte de cada um dos presbíteros participantes na celebração, vindo o Pontífice a rematar com a oração consecratória sobre o ordinando (forma do sacramento), cuja parte central é: “Nós Vos pedimos, Pai todo-poderoso, constituí este vosso servo na dignidade de presbítero; renovai em seu coração o Espírito de santidade; obtenha, ó Deus, o segundo grau da Ordem sacerdotal que de Vós procede, e a sua vida seja exemplo para todos”.
Não sei se todos os elementos da assembleia ficam cientes da essencialidade sacramental e da centralidade destes elementos – a bíblica imposição das mãos e a bendizente oração consecratória – quando o mais espetacular é o gesto da prostração é o canto das Ladainhas.
Depois, a admonitora indicou sucintamente o significado da imposição da estola presbiteral e da casula, da unção das mãos com o óleo do crisma, a entrega da patena com o pão e do cálice com vinho e água, bem como do ósculo da paz dado pelo bispo e pelos presbíteros presentes, ficando o ordenado visivelmente integrado no presbitério e passando a integrar a concelebração como os demais. Com efeito, o neossacerdote prometera querer: “exercer sempre o ministério do sacerdócio no grau de presbítero, como zeloso cooperador da Ordem dos Bispos, apascentando a grei do Senhor sob a ação do Espírito Santo”; “exercer digna e sabiamente o ministério da palavra, na pregação do Evangelho e na exposição da fé católica”; “celebrar com fé e piedade os mistérios de Cristo, segundo a tradição da Igreja, para louvor de Deus e santificação do povo cristão, principalmente no sacrifício da Eucaristia e no sacramento da reconciliação”; implorar, juntamente com o Bispo e os outros presbíteros, “a misericórdia divina para o povo” a si confiado, “cumprindo sem desfalecer o mandato de orar”; e unir-se “cada vez mais a Cristo, Sumo Sacerdote, que por nós Se ofereceu ao Pai como vítima santa”, e com Ele consagrar-se “a Deus para salvação dos homens”.
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Como era espectável, os familiares quiseram comungar das mãos do neossacerdote no contexto duma liturgia eucarística empolgante, marcada pelo solene canto do triságio e da oração dominical, e pelo desenvolvimento da Oração Eucarística I (Cânon Romano), com orações adaptadas à circunstância celebrativa.
Depois, da ação de graças e da oração pós-comunhão, vieram as palavras de recomendação do bispo ordenante e as de circunstância proferidas por ilustres superiores da família passionista, dos familiares e do neopresbítero, que encantou ao falar com simplicidade da sua vida e ao tratar-nos por irmãos e irmãs, referindo, à maneira de Santo Agostinho, que para nós é um padre e connosco é um irmão.
Não deve ser deixado em branco nem o gesto do beija-mão para o qual os presentes foram desfilando perante o padre José Gregório e a disponibilidade do Bispo do Porto a cumprimentar pessoalmente as pessoas da família, as pessoas que mereciam uma especial atenção por motivos de saúde e aquelas pessoas que tiveram a oportunidades de se lhe dirigir, percorrendo os diversos espaços do templo. São gestos de proximidade que induzem a fazer uma leitura humanizante do ministério eclesial bem entrosada com a dimensão teológico-espiritual.
Penso, finalmente, que a ordenação do diácono, do presbítero e do bispo deve ser uma oportunidade catequética de formação eclesial e uma mais-valia para o incremento da vida cristã. Parece-me que a comunidade deve ser incentivada à oração pelas vocações e ao seu acarinhamento, mas também deve ser esclarecida e tornada cúmplice destes eventos.
Quanto a mim, devo dizer que o envolvimento ambiental naquele momento celebrativo me lembrou toda uma história de vida que ajudou a modelar a minha personalidade e muita da ação em termos da vida cristã e do meu empenhamento eclesial e social.
A propósito, também da minha parte os votos de felicidade e apostolado profícuo para o neossacerdote em cuja missa de emissão de votos participei casualmente há anos, bem como a grata recordação daqueles sacerdotes que de modo mais aberto ou mais discreto lutam pelo dinamismo do Reino que já chegou, mas inda não está plenamente realizado em tudo e em todos.

2016.10.31 – Louro de Carvalho

domingo, 30 de outubro de 2016

Evolução dos resultados dos alunos portugueses no PISA entre 2000 e 2012

Ninguém duvida de que os estudos internacionais proporcionem um significativo acervo de informação, a partir do qual se pode desenvolver investigação com vista ao melhor conhecimento do sistema educativo, à avaliação das políticas educativas e à identificação de tendências evolutivas do próprio sistema, num quadro de comparação com outros sistemas. É assim que se poderão construir as bases de conhecimento que fundamentam as recomendações sobre as políticas educativas.
Os decisores das políticas educativas e os responsáveis pela administração do sistema e a sociedade portuguesa em geral tiveram uma considerável evolução nas últimas décadas no modo como encaram os resultados escolares das crianças e jovens e na reflexão que fazem sobre o desempenho dos alunos em programas de avaliação internacional como o PISA, o TIMSS e o PIRLS. No final dos anos 90 do século XX e no início deste século XXI ainda se procurava a justificação para resultados desanimadores em fatores como a natureza das questões colocadas, a preparação prévia dos alunos em países que mostram desempenhos elevados, as diferenças culturais entre os diferentes países. Presentemente, os responsáveis, os professores, as famílias e a sociedade estão focados no que podem e devem fazer os decisores políticos, os dirigentes, os pais ou os professores para que o país melhore o posicionamento nos rankings internacionais e os jovens apresentem os melhores desempenhos nos estudos internacionais de avaliação.
Nesta ótica, surgiu, em 2014, o projeto aQeduto – Avaliação, Qualidade e Equidade do Sistema Educativo Português, no âmbito do Conselho Nacional de Educação, que veio a ter o envolvimento da Fundação Francisco Manuel dos Santos e que tem em vista explicar as variações dos resultados dos nossos alunos nos testes PISA, considerando três eixos fundamentais: os alunos (alterações nas condições sociais, económicas, culturais, comportamentais e motivacionais dos alunos e das famílias), as escolas (mudanças na organização escolar) e o país (variações nas condições económicas a nível macro).
Tem como principal objetivo municiar a opinião pública com informação credível e sustentada sobre o desempenho dos alunos, através duma linguagem acessível, mas sem diminuir o rigor científico. Assim, entre dezembro de 2015 e outubro de 2016 foi publicado mensalmente um folheto sobre o impacto nos resultados dos alunos de diferentes variáveis (retenção, ambiente familiar, o papel da escola, ensino privado e público, entre outras). Para a apresentação e debate de cada um dos onze folhetos foi organizado um Fórum que contou com convidados especialistas na área. Em cada folheto procurou dar-se resposta a uma questão sobre o desempenho dos alunos:
Será que os resultados obtidos pelos alunos portugueses são melhores do que o nível de desenvolvimento económico do país?
Qual o efeito da retenção no desempenho dos alunos portugueses? Será que os torna melhores?
Qual o impacto da família no desempenho escolar dos alunos portugueses?
Qual o impacto do ambiente e organização escolares nos desempenhos?
Será que os alunos portugueses são mais proficientes em leitura e menos em matemática?
A frequência da educação pré-escolar é um bom preditor do sucesso?
Os alunos que frequentam o ensino privado têm maiores probabilidades de sucesso?
Qual o papel das expectativas no sucesso escolar?
Afinal, porque melhoraram os resultados nos testes PISA realizados pelos alunos portugueses?
A resposta às questões e os dados que as sustentam foram publicados e divulgados no site e página de Facebook do projeto aQeduto, do Conselho Nacional de Educação e da Fundação Francisco Manuel dos Santos. E mensalmente cada questão e respetivo estudo foram publicados na VisãoOnline.  
O projeto aQeduto é desenvolvido por uma equipa multidisciplinar composta por investigadores provenientes de diferentes áreas científicas, que congrega especialistas em política educativa, avaliação, comparabilidade, racionalidade económica, comunicação e estatística/análise de dados. E, para atingir os objetivos, o projeto realiza sistematicamente investigação comparada entre os resultados dos alunos portugueses que participaram nos sucessivos ciclos de testes PISA e os resultados de alunos de outros países participantes neste estudo internacional.
De forma a reduzir o número de países sob análise, tornando os dados de mais fácil leitura e as interpretações do posicionamento de Portugal face aos seus pares na Europa mais evidentes, a equipa procedeu a um estudo de agrupamento de países.  Para proceder ao método de análise classificatória ou de agrupamentos selecionou diversas variáveis que refletem caraterísticas estruturantes dos países face aos resultados em educação.
Utilizaram-se variáveis em que as três vertentes do estudo aQeduto se encontrassem refletidas. Deste modo, as variáveis que permitiram agrupar os países foram: (i) o PIB per capita médio de cada país (posicionando os países quanto à produção de riqueza e ao nível de vida das famílias); (ii) o nível de desempenho em Matemática no PISA 2012 (comparando o nível de conhecimento alcançado pelos alunos de 15 anos); (iii) o nível económico, social e cultural dos alunos, medido pelo indicador ESCS (Indicador do Estatuto Socioeconómico e Cultural) e a formação dos pais, medida através do índice PARED (Nível de escolaridade dos pais); e (iv) a percentagem de alunos de 15 anos com pelo menos um ano de repetência (REPEAT).
Na sequência desta análise, foi possível encontrar 7 grupos, com os países a revelarem semelhanças no comportamento das variáveis indicadas. A estratégia seguida foi a de utilizar um representante de cada grupo (exceção para o grupo que integra a Polónia, grupo para o qual este país foi adicionalmente selecionado por se tratar de um caso de sucesso exemplar), bem como todos os países que se posicionaram no mesmo grupo de Portugal: Portugal, França, Luxemburgo e Espanha.
Os outros 6 grupos são: Austrália, Irlanda, Nova Zelândia e Polónia; Israel, Noruega, Suécia e Reino Unido; Dinamarca e Islândia; Canadá, Estónia, Finlândia, Japão e Coreia do Sul; Bélgica, Alemanha, Holanda e Suíça; e Áustria, República Checa, Grécia, Hungria, Itália, Eslovénia, Eslováquia e EUA.  
***
O PISA (Programme for International Student Assessment) é um estudo internacional da OCDE para avaliar a literacia de jovens de 15 anos, que frequentem pelo menos o 7.º ano de escolaridade. O seu objetivo principal é a avaliação da capacidade destes alunos para enfrentar os desafios que a transição para a vida adulta lhes coloca, conduzindo a um retrato dos sistemas educativos dos países e economias participantes. Desenvolve-se em ciclos de 3 anos e avalia a literacia de matemática, a de leitura, a de ciências e mais recentemente resolução de problemas, elegendo, em cada ciclo, uma das três áreas avaliadas como domínio principal.
O teste cognitivo do PISA tem sido aplicado com papel e lápis desde o seu início em 2000 até 2012, tendo uma duração de duas horas e incidindo nas três áreas avaliadas embora os itens relativos ao seu domínio principal ocupem 2/3 do tempo total da prova. A prova é constituída por vários cadernos que combinam itens das diferentes áreas, respondendo cada aluno apenas a um dos cadernos. Em Portugal, em 2012, foram aplicados 13 cadernos de teste distintos.
Os itens, que não são públicos, permitem a comparação dos resultados ao longo dos vários ciclos e a identificação de tendências. Em cada ciclo do PISA, a OCDE liberta alguns itens, que deixam de fazer parte das provas e que ilustram o tipo de questões apresentadas aos alunos.
Além da prova cognitiva, o PISA, recolhe informações através da aplicação de questionários aos alunos, aos pais e às escolas que permitem contextualizar o desempenho dos alunos, permitindo a identificação de fatores que influenciam esse desempenho nas várias áreas avaliadas.
Os resultados do PISA dos alunos portugueses, nos seus 5 ciclos em causa e nos três domínios avaliados são os constantes do quadro seguinte:
Domínios
2000
2003
2006
2009
2012
Matemática
454
466
466
487
487
Leitura
470
478
472
489
488
Ciências
459
468
474
493
489
Fonte: Projeto aQeduto
É de referir que os alunos com desempenho fraco são os que obtêm scores abaixo de 409, ao passo os alunos com desempenho de excelência são que obtêm scores acima de 626. O score médio dos alunos dos países da OCDE é 500, entendendo-se por score a pontuação média obtida pelos alunos de cada um dos países participantes no PISA. Isto quer dizer que o score dos portugueses está aquém da média da OCDE e muito longe da excelência.
Nos cinco ciclos PISA, os alunos com 15 anos, em Portugal, melhoraram gradualmente os resultados em Matemática, Leitura e Ciências e, a partir do ciclo de 2009, aproximaram-se da média da OCDE. Os domínios da Leitura e da Matemática apresentam  curvas de evolução idênticas, totalizando ganhos de 30 e de 33 pontos na série 2000-2012.

Temos mais bons alunos e menos maus alunos. Entre 2000 e 2012, Portugal reduziu a percentagem de alunos com desempenho fraco, ao mesmo tempo que aumentou a percentagem de alunos com desempenho de excelência. A percentagem de alunos com desempenho fraco a Matemática diminuiu de 30,3% para 21,0%. Por outro lado, a percentagem de alunos com um desempenho excelente aumentou, passando de 1,2%, em 2000, para 6,5%, em 2012. A mesma tendência é observável nos restantes domínios. Em dez anos, Portugal foi um de apenas três países da OCDE a apresentar esta tendência. Em literacia matemática, esta evolução é apenas observável em Portugal e noutros dois sistemas educativos participantes no estudo PISA, Polónia e Luxemburgo.

Se relacionarmos a educação com a economia, verificaremos que em Portugal, a Economia parou, mas os desempenhos em Educação avançaram. Com efeito, entre 2000 e 2012, Portugal teve uma variação do PIB de -2 USD per capita e tem um dos PIB mais baixos da Europa. Não obstante, ao longo dos 5 ciclos PISA, os alunos portugueses registaram uma melhoria gradual dos desempenhos nos três domínios avaliados. A Polónia e o Luxemburgo foram os únicos países onde ambas as variáveis sob análise cresceram – o PIB aumentou em cerca de 5000 USD per capita e os resultados do PISA também cresceram. Por outro lado, a maioria dos outros países registou um aumento do PIB, mas nem todos melhoraram o desempenho na educação. Destaca-se neste cenário a Suécia, que viu o desempenho dos alunos reduzido em cerca de 30 pontos, apesar de o seu PIB ter aumentado em mais de 5000 USD per capita no mesmo período.
***
Que fatores favoreceram a melhoria dos resultados? Ora, a equipa do projeto aQeduto apurou:
- Mais dinheiro não implica sempre um melhor sistema educativo;
- A retenção do aluno no mesmo ano como combate ao insucesso é ineficaz;- A família (com mais habilitação e desafogo profissional), embora importante, não determina o sucesso;
- A educação pré-escolar por mais de um ano tem influência positiva na aprendizagem;- A maioria dos nossos alunos sente-se feliz e apoiada na escola, o que induz melhores resultados;- Segundo os diretores, a indisciplina surge como o maior obstáculo à aprendizagem;- Os alunos consideram que o sucesso depende do seu próprio esforço e reconhecem o bom trabalho dos professores;- Portugal é o país onde a escola pública serve uma maior heterogeneidade de classes sociais, sendo que a privada serve as classes privilegiadas.- Os rapazes têm maiores dificuldades na Leitura, o que pode ser uma condicionante à sua aprendizagem global;- A satisfação dos professores depende da sua capacidade de ajudar a aprender, estabelecer bom relacionamento com os alunos, manter a disciplina e ter reconhecimento pelo seu trabalho;
- O efeito “escola” foi dos mais determinantes na variação positiva dos resultados, sendo que uma grande percentagem das escolas em meios socioeconómicos mais desfavorecidos se destaca por ter conseguido melhorar de forma considerável o desempenho dos alunos.
Dá que pensar. É preciso investir nas sadias políticas educativas, cuidar da qualidade da administração da escola, combater a indisciplina, melhorar as condições de trabalho deixando respirar a escola e fazer com que a sobreamostragem seja representativa.
Em 2015 foram amostrados, para representar Portugal, cerca de 7500 alunos provenientes de 247 agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas distribuídos por todo o território nacional. Nos Açores foi realizada uma sobreamostragem que levou à participação de 47 agrupamentos de escolas/escolas não agrupadas e cerca de 1500 alunos.
Como terão sido os resultados? Aguardamos o estudo do Conselho Nacional da Educação e gostaríamos de saber do desempenho dos alunos de 18 anos.

2016.10.30 – Louro de Carvalho

sábado, 29 de outubro de 2016

É mais excitante ver umas piruetas no ar que sentir rastejar em terra

O enunciado em epígrafe tem a ver com o duplo critério de medida como o Ministro da Defesa Nacional encara o perigo entre exercícios na Força Aérea e no Exército e/ou revelando premonitoriamente resultados de inquéritos em curso.
Na verdade, José Alberto Azeredo Lopes assegura que o acidente que levou à perda de controlo da aeronave, um C-130 da Esquadra 501 da Força Aérea, na base aérea n.º 6, do Montijo, em 11 de julho passado, não foi causado por um “erro humano”, antes “fator humano”, considerando que a hipótese de aquele treino específico não correr bem “é natural”.
Neste sentido, declarou aos jornalistas à margem da reunião de ministros da Defesa da NATO, que se iniciou no dia 26 de outubro, no quartel-general da Aliança Atlântica, em Bruxelas:
“Eu não posso falar em erro humano, posso falar quando muito num fator humano envolvido no acidente, mas em que daí não resulta um qualquer juízo de censura perante o que aconteceu. Estamos a testar situações-limite e, nessas situações, a hipótese de não correr bem é uma hipótese que tem que se considerar como natural”.
Do referido acidente na fase de descolagem resultaram três mortos e quatro feridos, um deles em estado grave.
Em comunicado recente, a Força Aérea Portuguesa refere que o “acidente ocorreu devido à impossibilidade da tripulação em controlar eficazmente a aeronave no decurso de uma manobra que visava treinar a interrupção da respetiva corrida de descolagem – manobra designada de aborto à descolagem”; e que durante a execução dessa “manobra de aborto à descolagem, a tripulação perdeu o controlo da aeronave, a qual descreveu uma trajetória para a direita sem hipótese de correção, saindo da pista e imobilizando-se”.
Sem que o documento divulgado adiante as razões que levaram à perda de controlo da aeronave, refere que o “erro humano” durou 10 segundos. Porém, Azeredo Lopes sublinhou que “o que foi testado foi uma situação de dificuldade máxima” e considerou que dizer, nessas circunstâncias, que foi “erro humano pressupõe uma atuação aquém do nível de exigência”. E adiantou que “neste caso não se verificou isso”, sustentando que o caso “ajuda de alguma maneira a compreender a condição militar”, já que “para que um piloto esteja preparado para atuar em qualquer teatro de operações com aquela aeronave, mesmo na formação e treino, é sujeito a situações-limite que pela natureza das coisas pode colocar em risco a sua vida”.
É claro que tinha que defender a pele da governação ao ser questionado sobre se os cortes orçamentais ocorridos no passado em manutenção e operação podem ter prejudicado o treino dos militares. Obviamente que rejeitou responsabilidades com base no Orçamento. E a sua atitude foi irónica não em palavras, mas na postura de fuga para frente, ao dizer:
“Há de haver outras circunstâncias em que podemos discutir se os cortes em operação e manutenção têm ou não impacto na capacidade das Forças Armadas, mas seguramente não há de ser este o caso”.
E reforçou:
“Nem que tivéssemos um génio da aviação se for testado 200 vezes, podem as coisas não correr bem. Não consigo ver nem direta nem indiretamente uma relação entre os cortes que ocorreram no orçamento da Defesa e aquilo que veio a acontecer”.
O Ministro elogiou ainda a Força Aérea por ter elaborado um relatório “esclarecedor, sem zonas de penumbra” e por tê-lo divulgado, considerando que foi “um ato de louvar”.
***
Já quanto ao sucedido com o curso de comandos em que pereceram dois instruendos, o governante esteve longe da prudência declarativa e imiscuiu-se demasiado na questão. Não confiou na capacidade do Exército em apurar responsabilidades e precipitou-se no avanço com hipóteses de suspensão de cursos e até fez crer que se podia pensar na extinção daquela tropa especial.
A isto, o general Rovisco Duarte, Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), que tardou em pronunciar-se publicamente sobre o caso “comandos”, falou agora pela primeira vez sobre a morte dos militares, assegurando que o relatório resultante dos processos de inquérito instaurados ainda está sem data para ser conhecido. No entanto, 160 comandos vão para República Centro-Africana, no âmbito da NATO, para uma missão de seis meses. Há cerca de quatro meses que os homens estão prontos, mas falta acertar “questões de logística” para que o contingente possa embarcar. Neste momento, todo o planeamento tático está feito. Falta esclarecer alguns assuntos de âmbito logístico no teatro de operações. Será necessário talvez fazer mais um reconhecimento no teatro.
Sobre o grave incidente de setembro passado, o general CEME disse, no passado dia 25, durante uma visita com deputados à Unidade de Comandos da Carregueira, que as mortes recentes de dois comandos eram situações “anómalas” no treino dos militares e garantiu que o Exército vai “corrigir o que tiver de ser corrigido” para evitar novas mortes durante a formação.
O Chefe do Estado-Maior do Exército disse ainda esperar “tranquilamente” pelos resultados dos inquéritos às mortes, mas garantiu que o Exército vai agirá “em conformidade” com as conclusões divulgadas. Referindo que “o Exército é uma instituição fortemente hierarquizada” e que “há responsabilidades de comando aos diferentes níveis” a sua atuação será “em função dos relatórios que estão a ser preparados”. 
A dificultar a conclusão e a entrega dos relatórios – tudo se encaminhava para que estivessem prontos há uma semana – está o relatório das autópsias feitas aos dois instruendos. Porém, a RTP – desta vez não foi o Correio da Manhã! – já deu como certo que a autópsia concluiu que as mortes se deveram ao dito golpe de calor, sem que haja qualquer relação com ela eventuais agressões e comportamentos desviantes. É estranho que os resultados das autópsias sejam inequivocamente tão claros e que sejam divulgados na fase inquérito.
Com efeito, há três processos em curso: dois do Exército e um do próprio Ministério Público. Um dos processos foi instaurado para avaliar se houve responsabilidades disciplinares nos incidentes que levaram à morte dos militares e deverá estar concluído “muito em breve”, mas não tem ainda data para que seja conhecido.
Diz-se que, nas semanas subsequentes à morte dos militares, alguns instruendos do 127.º curso (não eram propriamente recrutas) garantiram ter sido privados de água em formação e ter assistido a agressões a militares que integravam o grupo, por parte dos instrutores. Em contrapartida, fontes da Unidade referiram que em cursos anteriores foram detetados formandos com anabolizantes e suplementos sem receita (motivo de expulsão do curso). Porém, sobre isto a Comunicação Social disse “nada”. Falou-se ainda de negligência na ação médica no acidente e ordens inadequadas e impróprias daquelas circunstâncias e na insuficiência dos recursos humanos e logísticos Hospital da Forças Armadas, tendo-se verificado a necessidade da utilização de hospitais civis. A própria Ordem dos Médicos lamentou que o Exército nada tenha comunicado sobre a alegada eventual atuação irregular da parte dos médicos militares, se realmente ela existiu.
O CEME recusou comentar tais informações, mas disse o que o Ministro não disse:
“Temos a certeza de que os portugueses vão confiar nos Comandos. Eu estou seguro. O Exército é uma instituição credível”.
O número de militares que vão para a República Centro-Africana foi conhecido no dia 26, na predita visita do CEME à Unidade de Comandos, na serra da Carregueira, e dos deputados da comissão de Defesa da Assembleia da República. A assinalar essa deslocação, os militares simularam uma missão em teatro de operações tentando chegar com sucesso a um líder dum grupo rebelde, o general “Cava”. Em cerca de 5 minutos, e com várias explosões pelo caminho, os Comandos neutralizaram a dezena de inimigos, entraram no edifício onde estava o High Value Target (alvo de elevado valor) da sua missão e levaram consigo o líder dos insurgentes.
Segundo o Presidente da Comissão de Defesa, Marco António Costa (PSD), os exercícios (antes, tinha havido luta corpo a corpo com armas e exercício de tiro) “demonstram as capacidades operacionais e revelam alto grau de treino, preparação física e robustez psicológica, essenciais para garantir a eficácia e a competência” destes militares. Os deputados estiveram naquela Unidade para “manifestar a solidariedade” do Parlamento aos militares, mês e meio depois de dois instruendos do 127.º curso terem morrido em formação, e para garantir que vão prestar “total atenção” às conclusões dos inquéritos em curso, tanto no caso dos Comandos como no acidente com o C-130, na Base Aérea do Montijo, em que morreram três militares, em julho passado.
Por seu turno, o Ministro da Defesa disse registar os passos dados pelo inquérito criminal à morte de dois instruendos no curso de Comandos e recusou ligações entre as condições de treino naquela Unidade do Exército e na Força Aérea. E insistiu que “não deixaria de se ir até às últimas consequências”, destacando o empenho do Ministério no objetivo de apurar o que se passou no 127.º curso de Comandos e retirar “com calma e serenidade” as “lições devidas”.
Tem razão ao considerar que “as tragédias devem-nos fazer refletir” e que devemos tomar todas as medidas para avaliar todos os planos” devendo “ver, com calma e serenidade, como é que retiramos daqui as lições devidas para que não tornem a ocorrer”.
Teceu estas considerações em resposta aos jornalistas que o questionaram sobre a constituição como arguidos de dois enfermeiros militares, que foram ouvidos no dia 25 como arguidos no âmbito do inquérito às circunstâncias do treino que levaram à morte de dois alunos do curso de Comandos e ficaram com termo de identidade e residência. Sobre a audição dos arguidos, limitou-se – e bem – a dizer que registava. Todavia não sei se deveria ter afirmado que há aparentemente uma articulação virtuosa com o poder judicial porque a investigação decorreu de forma muito rápida”. Primeiro, o Primeiro-Ministro não se cansa de dizer que não se devem misturar as questões de justiça com as políticas; depois, a investigação está longe de terminar.
Mais: Um dia depois da divulgação do comunicado da Força Aérea sobre as conclusões do acidente com o C-130, no dia 11 de julho, apontando para a perda de controlo do C-130 durante um exercício de treino, Azeredo Lopes recusou ligações entre as duas situações: comandos e acidente aeronáutico militar. E afirmou as diferenças entre os dois tipos de treino, dizendo:
“Se se refere à situação posterior que ocorre nos Comandos, não consigo ver qual é a relação entre uma situação e a outra. Os pilotos de C-130 têm de ser testados em situações que não sejam fáceis, porque tratando-se de pilotos das Forças Armadas, que têm de estar preparados para todos os teatros de operações, sejam eles quais forem, o que se trata não é de violentar ou de exigir fisicamente para além daquilo que é aceitável, é de testar dentro de padrões de que, tenho a certeza, a Força Aérea estabelece de forma muito rigorosa, mas sem ser absurda”.
O Ministro não pode valorizar um ramo militar e minimizar o outro, nem aceitar o perigo num caso e desvalorizá-lo no outro, exceto se for fã da acrobacia. Duplo critério, não.                     

2016.10.29 – Louro de Carvalho 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A escola tem de ser uma entidade que aprende

O título – formulado em jeito de pergunta por António Bolívar em Como Melhorar as Escolas (Ed. Asa: 2003) – parece provocatório e absurdo, já que a escola tem por missão primordial a educação e o ensino. No entanto, cada vez mais se afirma a necessidade da escola aprendente, sobretudo quando se equaciona a necessidade e a vantagem da sua avaliação quer ao nível externo quer ao nível da sua autoavaliação.
Por falar de avaliação externa, confiada às diversas equipas inspetivas com a colaboração de docentes do ensino superior, e da autoavaliação, levada a cabo pelos atores da escola e respetiva comunidade educativa, é de lamentar que muito desse trabalho sirva para a escola ficar bem na fotografia e a equipa de avaliação externa obter um pretexto para a sua existência.
Contra a avaliação externa? Não, desde que o seu objeto seja a essencialidade da escola – o espaço de aula e/ou equivalente – e se proscrevam as encenações. Abandonou-se, não sei por que motivo, o regime de avaliação por auditoria, que só pecava por ser marcadamente punitivo e vir perdendo o sentido de orientação. O sistema de avaliação externa baseado em inquéritos por questionário ou em entrevistas por painéis de participantes é imensamente falível, porque as respostas a inquéritos ou correspondem a estados de alma e subterfúgio para dizer umas coisas que não se dizem face a face ou a desejo de que a escola não seja prejudicada pelos avaliadores. Os painéis de entrevistas são ora palco de atores silenciosos e de atores ousados, ora lugar de discussão pouco mais que inútil. A leitura e análise de documentação enviada pela escola sofre os efeitos da (in)capacidade de escrita e registo. E, entre meia dúzia de pontos a melhorar que sempre se apontam, pouco ressalta para não abalar o sistema educativo.
A autoavaliação de escola será proveitosa se forem recrutados os atores mais capacitados para a coordenarem, se lhes derem meios e for suscitada a cooperação de todos. Mas isto implica que o exercício autoavaliativo não sirva de trampolim para protagonismos indevidos nem para levantamento e perseguição de putativos culpados por aquilo que funciona menos bem.
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Voltando à missão da escola, que é educar e ensinar, importa considerar que a melhor forma de ensino é a provocação de procura e seguimento de caminhos de aprendizagem. E, deixemo-nos de equívocos, hoje os professores ensinam em excesso e os alunos aprendem muito pouco. Com materiais tão bem elaborados por editores (alguns enfermam de erros ditados pela pressa), os alunos tinham de trabalhar com muito maior autonomia e interesse, devendo o professor ser mais indicador de pistas, acompanhante do trabalho de aprendizagem, fator de prestação de contas da aprendizagem e fornecedor de sínteses complementares. Para tanto, o professor precisa de recuperar a autoridade na escola e o prestígio na sociedade, o que é difícil quando os governos preferem a simpatia dos pais em detrimento da confiança dos professores, sendo que os pais hiperdiscutem conteúdos de ensino, metodologias dos docentes e calendarização das atividades. Esquecem que a cada ciência o seu método e a cada trabalhador qualificado a sua autonomia profissional. Nem se percebe como é que uma escola determina o número de testes por período e por disciplina ou como impede que se aplique mais que um teste por dia numa turma, sendo que um teste é uma aula e uma prova escrita, que não pode ser hipervalorizada. Se assim não for, não fará qualquer sentido argumentar contra exames que em 120 minutos não são fiáveis em comparação com os dois/três anos do ciclo de estudos. Tal faria sentido se a avaliação se escudasse na maioria das aulas, sendo os testes reduzidos à proporcionalidade do seu peso.
Como dizem os filósofos, ninguém dá o que não tem. Provavelmente as escolas não suscitam aprendizagens porque não as deixam saber; e elas, para continuarem a saber, têm de continuar a aprender. Por isso, o primeiro apelo a fazer é que as deixem aprender. Como? Cuidando da formação inicial dos professores, cuidando da formação contínua do pessoal docente e não docente – indispensável quando se advirta de avanços significativos no conhecimento que possam favorecer a escola e quando se introduzam novas disciplinas, novos programas, novas metodologias e novos projetos. Depois, é preciso deixar respirar a escola, deixá-la exercer autonomamente as suas funções em termos de organização, planeamento e prestação do serviço educativo, e dotá-la de dirigentes capazes, escolhidos e apoiados pela comunidade educativa. Para tal, é urgente desempresarializar a escola, que é uma organização, mas não uma empresa. E a isto, aqui, vem a necessidade da autoavaliação a lograr autoconhecimento, estimular a autorregulação, a melhorar a organização e o funcionamento, a garantir a boa aprestação do serviço educativo e a colocar as condições para a obtenção de resultados.
Depois, a dimensão educativa deve envolver toda a postura e todo o exercício de aprendizagem. E essa dimensão que consiste no saber ser e no saber estar (que também se aprendem progressivamente na interação escola/família) emoldura o perfil do aluno, que se confronta assiduamente com o dos professores – pela adesão, rejeição ou até indiferença –, facilita o processo da aprendizagem e constrói paulatinamente o cidadão autónomo, responsável e interveniente. Também aqui deveríamos ser menos securitários e mais exigentes.
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Ora, as entidades vocacionadas para suscitar a aprendizagem não têm o hábito de aprender porque os indivíduos que as integram não querem ou não veem nisso qualquer vantagem, terão outros interesses prioritários ou sentirão demasiados bloqueios, não sentem o apelo da consciência profissional, não dispõem de lideranças mobilizadoras e pró-ativas, acomodam-se à continuada certificação da menoridade intelectual, não sentem o estímulo e a pressão externa ou sentem-lhe um peso excessivo. E as organizações só aprendem através de indivíduos que aprendem. Sendo assim, para que a escola aprenda (com os seus erros, êxitos, limites, insuficiências…) é preciso induzir a maioria dos membros a querer aprender e a gerar grandes processos de ação, que Bolívar enuncia e que reapresento com adaptação à minha perspetiva:
Resolução sistemática dos problemas. Há que diagnosticar os problemas concretos e passíveis de localmente serem resolvidos ou minorados e ganhar capacidade para os resolver através da reflexão crítica e novos modos de ação, abjurando das receitas ditadas do exterior.
Experimentação com novos pontos de vista. Enfrentando novos problemas com as velhas receitas (mais ordem, mais ensino, mais planos de recuperação, mais apoios acrescidos, mais do mesmo…), nada se aprenderá. É preciso encontrar novas e adequadas respostas.
Aprendizagem a partir da experiência. Só analisando as causas dos êxitos e inêxitos, poderemos progredir. Dispensem o simulacro dos relatórios que nada dizem, adiantam, melhoram. Apenas cumprem o ritual burocrático do “como dantes, quartel-general em Abrantes”, para Inglês ver. Aprendizagem com os outros. Fechar-se nos seus próprios modos de atuar ou estribar-se na autossuficiência conduz à morte da organização. Ao invés, serão bons pressupostos de progresso a abertura, a confiança, a aprendizagem interativa e a interdependência cooperativa.
Transferência de conhecimento. O conhecimento tem mais impacto se é rápida e eficientemente divulgado entre todos os membros da organização e quando é partilhado por eles.
Para que a escola aprenda é, pois, preciso gerar ambientes propícios para a aprendizagem, criar estímulos, explicitar vantagens materiais e simbólicas; e, sobretudo, confiar, apostar, apoiar, reconhecer, contratualizar num quadro claro de direitos e deveres de todas as partes – na certeza de que não resultam as receitas decretadas ou estandardizadas.
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Pressupostos da autoavaliação da escola.
O dinamismo da autoavaliação tem de basear-se num complexo de princípios estruturantes e reguladores, que Matias Alves, no blogue terrear, aborda seguindo Pinto Machado e que eu reformulo e sintetizo:
Papel central dos professores na construção da autonomia e dos procedimentos de avaliação da escola. É papel que requer a apropriação dos fins e dos princípios, a participação e implicação de um número alargado de atores e a criação de dinâmicas de capacitação.
Avaliação como produção coletiva de sentido. Há que determinar o que avaliar, para quê, porquê, como e por onde começar. A produção de sentido decorre em processo lento, metódico, consistente, devendo evitar-se a 'febre do investigador', o correr para o terreno e nada ver.
Existência de um quadro concetual de referência. Tal quadro deve explicitar os princípios, os fins e os critérios, orientar a ação e explicitar métodos e técnicas. Uma das condições da sua eficácia é a participação livre e motivada dos atores.
Capacitação dos intervenientes. É desenvolvida através de dispositivos de formação na ação.
Internalização da avaliação. É postulada pela produção de sentido, consiste na adequação aos contextos, à realidade, às pessoas e implica uma negociação, uma participação empenhada. É impossível um modelo de avaliação “chave na mão” ou estandardizado.
Autonomia da avaliação. A autoavaliação é um exercício de escola autónoma com vista à melhoria; e não uma 'inspeção' dentro da própria escola.
Avaliação circunscrita. Avaliar com sentido não é escrutinar tudo, de qualquer modo e a todo o momento. Há que circunscrever o objeto da avaliação, diversificar métodos e técnicas e implicar todos os atores.
Avaliação teleológica. Avaliar com sentido é não perder de vista as finalidades, saber que o essencial não é medir, mas compreender e agir para melhorar. Por exemplo, fazer recair a avaliação na satisfação pode não servir de nada, pois o que faz mudar é sobretudo a insatisfação.
Avaliação “desarmadilhada”. Avaliar é evitar uma série de armadilhas: a do objetivismo, a do autoritarismo, a do tecnicismo, a da embriaguez interpretativa.
Avaliação participada. A internalização da avaliação não se deve acantonar na equipa avaliativa. Esta exerce o seu papel, suscitando o contributo dos demais para a elaboração e aprovação do programa de autoavaliação, suscitando as diversas ações avaliativas, mobilizando os demais para a participação na recolha de dados, organizando debates e coordenando (que não significa “fazer”) toda esta atividade.
Avaliação comprometedora. A autoavaliação requer o envolvimento e compromisso dos atores.
Avaliação “desritualizada”. A autoavaliação não pode ser o ritual de legitimação do instituído. Tem, pois, de cuidar da distância crítica, gerar a participação alargada, pluralizar os métodos.
Avaliação responsabilizante. A autoavaliação, para ser eficaz, tem de “contribuir para a autonomização responsável, para o acender do querer individual e coletivo, para a capacitação das pessoas e organizações”.
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A aprendizagem da escola pode cifrar-se, segundo Santos Guerra, em 10 verbos que suscitam a reflexão, a compreensão e a mudança: questionar-se, investigar, dialogar, compreender, melhorar, escrever, difundir, debater, comprometer-se e exigir.

1. Questionar-se: Se não existem perguntas, não se procuram respostas. Há que passar de um modelo baseado em rotinas e certezas para outro, sustentado em incertezas e dúvidas. As perguntas colocadas pela escola ultrapassam a linha da superfície, aprofundam as questões nucleares. Se as práticas não são postas em dúvida, se não se formulam novas perguntas, nem se reformulam as perguntas já feitas, é fácil que a rotina domine as práticas escolares.

2. Investigar: A resposta procurada não é fruto da intuição, da suposição, da arbitrariedade, da rotina, do comodismo ou dos interesses, mas da indagação rigorosa. Ora, quando o professor se questiona sinceramente acerca de uma questão e começa à procura de provas rigorosas que lhe respondam, está a investigar.
3. Dialogar: O processo de investigação gera o diálogo entre os protagonistas da escola e entre estes e a sociedade. É a aprendizagem partilhada por todas as componentes que caraterizam qualquer instituição. É a aprendizagem da escola enquanto instituição. Todos os membros da comunidade tomam parte ativa no diálogo, não por concessão generosa de autoridade, mas pelo pleno direito que lhes assiste. Para que se produza diálogo, não basta a atitude para o praticar; é necessário também dispor de estruturas organizacionais que o tornem possível.
4. Compreender: Através da investigação é possível alcançar uma compreensão dos fenómenos que é, em última análise, a finalidade de todas as explorações educativas. A compreensão é uma das chaves da transformação e da melhoria.
5. Melhorar: Se a compreensão visa favorecer a tomada de decisões, a investigação educativa procura não armazenar conhecimentos, mas melhorar a prática. Porém, é necessário distinguir entre melhoria e simples alteração – distinção que deve alicerçar-se num debate contínuo, democrático e rigoroso. Da simples alteração não se esperam melhores resultados
6. Escrever: É preciso colocar por escrito o processo e o resultado da reflexão e das investigações, para que ajudem a colocar ordem no pensamento frequentemente errático e confuso sobre a escola e a educação.
7. Difundir: Deve ser difundida a investigação feita e passada a relatório coerente para que os restantes profissionais e cidadãos a possam conhecer e exprimir a sua opinião. Para tal, é preciso que investigação e relatórios expressem a opinião dos docentes de forma sincera e clara.
8. Debater: Com a difusão da investigação, gera-se nova plataforma de discussão, de que podem beneficiar, entre outros, os investigadores, ao receberem o feedback sobre argumentações e processo metodológico. Neste debate participam não somente os membros da única comunidade educativa, mas também os membros de muitas outras que trocam opiniões entre si sobre os diferentes relatórios.
9. Comprometer-se: Longe do diletantismo vazio, o debate profissional e político sobre a educação está direcionado para um compromisso eficaz. Não se discute por razões lúdicas, mas para transformar as situações em que o ensino e a aprendizagem ocorrem. Porque a educação é uma prática ética, implica um compromisso com a ação; e, sendo uma prática política, obriga-nos a estabelecer atuações estruturais, raramente específicas de uma instituição concreta.
10. Exigir: O conhecimento adquirido e difundido induz a melhoria das práticas profissionais e a abordagem de reivindicações que permitam obter as condições estruturais, materiais e pessoais necessárias para a mudança. Não basta modificar as atitudes de cada pessoa, nem basta que cada escola inicie os respetivos processos de inovação; é necessário transformar as condições gerais. E, como muitas vezes não basta apelar à mudança e à disponibilização dos meios necessários a quem tem o dever de os implementar, é urgente exigi-los na qualidade de cidadãos. Para tanto, é preciso estar disponível para o exercício da “valentia cívica”, virtude democrática que nos leva a abraçar causas que, de antemão, parecem estar perdidas.
As atitudes expressas por estes verbos devem entrelaçar-se na coletividade proativamente e de forma concertada, ética e política. A concertação decorre da necessidade da participação de todos os membros da escola e da comunidade educativa; o enfoque ético resulta de não se tratar de melhoria técnica, mas moral; e a dimensão política explica-se pelo facto de a educação estar impregnada de compromissos ideológicos, sociais e económicos. Não basta obter a melhoria duma escola; é necessário transformar todas as situações genéricas que afetam a educação.
E esta é a batalha de todos os dias!

2016.10.28 – Louro de Carvalho