domingo, 16 de outubro de 2016

A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) em vigor há 30 anos

Foi aprovada pela Lei 46/1986, de 14 de outubro – lei preparada, trabalhada e aprovada na IV legislatura, na sua primeira sessão legislativa, tendo a aprovação global final ocorrido a 24 de julho e sendo promulgada por Mário Soares a 23 de setembro, em Guimarães, referendada por Cavaco Silva a 30 de setembro e publicada a 14 de outubro, no Diário da República n.º 237 – I Série, de 14 de outubro de 1986.
Resultou do esforço conjunto e múltiplo dos diversos partidos e demais entidades e que redundou num produto de aprovação fortemente maioritária dos partidos com assento parlamentar ao tempo, embora não totalmente consensual, como se verá a seguir, e incentivado e apoiado por várias forças vivas do país, pois era necessário substituir a Lei n.º 5/73, de 25 de julho, no seguimento da revolução abrilina de 1974. E já não era sem tempo. O governo era minoritário e presidido por Cavaco Silva, o Presidente da Assembleia da República era Fernando Amaral e o Presidente da República era Mário Soares.
Foi alterada, durante o trinténio, pela: Lei n.º 115797, de 19 de setembro, publicada no Diário da República n.º 217, Série I-A, de 19.09.1997, que procede à alteração à Lei n.º 46/86, de 14 de outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo); Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, publicada no Diário da República n.º 166, Série I-A, de 30 de agosto de 2005, que procede à segunda alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo e primeira alteração à Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior; e Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto publicada no Diário da República n.º 166, Série I, de 27 de agosto de 2009, que estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade escolar e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos 5 anos de idade.
O XV Governo Constitucional, presidido por Durão Barroso, propôs à Assembleia da República uma Lei de Bases da Educação, que anularia a vigente LBSE, mas o Presidente Sampaio opôs-lhe veto político, dado não ter havido um debate público considerado suficiente sobre o tema e a maioria que a aprovou ser tangencial. E o XVI Governo Constitucional, presidido por Santana Lopes deixou cair a iniciativa. David Justino, já presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) fez ressuscitar a questão sem que o XIX Governo lhe tivesse pegado expressamente, produzindo legislação avulsa que a contrariava como, por exemplo, as medidas que pretendiam a descaraterização da monodocência no 1.º Ciclo. Recentemente o CDS apresentou um projeto de Lei de Bases da Educação que a maioria rejeitou.
A votação na generalidade da LBSE ocorreu na Reunião Plenária n.º 68, em 13 de maio de 1986 (vd Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 68/IV/1 1986.05.14), tendo o diploma ficado aprovado na generalidade com voto contra do deputado José Apolinário (PS) e votos a favor de: PSDPSPRDPCPCDSMDP/CDE e independentes Lopes Cardoso e Maria Santos. Baixou à comissão de educação, ciência e cultura, para o debate na especialidade. Do debate resultou o relatório elaborado pela deputada Amélia Azevedo, do PSD (nomeada relatora em 13 de maio de 1986) – que mereceu a aprovação da comissão e foi publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 98/IV/1 1986.08.19 (pgs. 3727-3782). A votação final global ocorreu em 24 de julho de 1986, na Reunião Plenária n.º 102 (vd Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 102/IV/1 1986.07.15), com votos contra do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho; abstenção do MDP/CDE e dos deputados do PS José Apolinário e António José Seguro; e votos a favor: PSDPSPRDPCP e da deputada independente Maria Santos.
Na sessão plenária em que foi aprovado o diploma foram votados os projetos partidários que deram origem à discussão parlamentar e que tinham sido todos aprovados na generalidade;
- Projeto de Lei 76/IV, do PCP, de 17 de dezembro de 1985, publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 16/IV/1 de 20 de dezembro de 1985;
- Projeto de Lei 100/IV, do PS, de 16 de janeiro de 1986, publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 16/IV/1 de 18 de janeiro de 1986;
- Projeto de Lei 116/IV, do MDP/CDE, de 28 de janeiro de 1986, publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 27/IV/1 de 31 de janeiro de 1986;
- Projeto de Lei 156/IV, do PRD, de 28 de fevereiro de 1986, publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 38/IV/1 de 5 de março de 1986; e
Projeto de Lei 159/IV, do PSD, de 4 de março, publicado no Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 39/IV/1 de 7 de março de 1986.
- As discussões prévias à aprovação na generalidade decorreram nas sessões plenárias de 8, 9 e 13, conforme se pode ver nos Diário das Sessões da Assembleia da República n.º 66/IV/1, n.º 67/IV/1 e n.º 69/IV/1, respetivamente de 9, 10 e 14 de maio de 1986.
Na votação final, os projetos partidários não mereceram a aprovação do plenário, mas sim o texto da comissão que foi aprovado nos termos acima referidos.
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Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra socialista diz que a LBSE já não gera compromissos e denuncia que David Justino e Nuno Crato tentaram fazer alterações à lei que a contrariam. Segundo a ex-governante o normativo em vigor esgotou a sua capacidade enquanto polo gerador de consensos políticos e sociais na Educação, pelo que sustenta que uma eventual revisão deve partir de problemas concretos.

A ex-ministra da Educação do primeiro Governo de José Sócrates é coautora do livro Educação – 30 anos de Lei de Bases, apresentado no dia 14, no âmbito da conferência no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, “Trinta anos depois, renovar os compromissos”, sobre a lei definidora das políticas e objetivos para a Educação nos últimos 30 anos, e em que foi a oradora principal. A conferência contou com a presença do Secretário de Estado da Educação, João Costa, do ex-ministro da Educação e atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, dos líderes das duas principais frentes sindicais da Educação, Mário Nogueira (Federação Nacional dos Professores, Fenprof) e João Dias da Silva (Federação Nacional da Educação, FNE) e com um debate entre deputados da comissão parlamentar de Educação de todos os partidos.
Lurdes Rodrigues, a respeito do tema, disse à Lusa:
“Ao longo destes 30 anos a Lei de Bases foi, de facto, o polo agregador do consenso e do compromisso. Era o diploma em que todas as forças sociais se reconheciam e que todos os ministros procuraram concretizar. O que acontece neste momento é que há vários sinais de que esse compromisso, esse consenso, está em rutura. Há forças sociais e políticas que não se reconhecem na Lei de Bases.” (vd Público on line, de 13 de outubro).
A ex-ministra recordou os últimos Governos liderados pelo PSD, para lembrar que o ex-ministro e atual presidente do CNE, David Justino, propusera alterações à LBSE “em alguns dos seus princípios”, que “eram alterações muito significativas”, tal como as medidas aprovadas sob a tutela de Nuno Crato, “que contrariavam a Lei de Bases”, em que ficaram consagrados “os princípios organizadores da educação em Portugal, a partir dos quais se construiu o sistema democrático tal como hoje o conhecemos” (vd Expresso, de 15.10.2016, pg 35).
Na opinião da académica, “a necessidade de rever a Lei de Bases é sobretudo uma exigência do estabelecimento de um novo compromisso”, pois, “se há forças políticas que não se reveem nele, vale a pena trabalhar no sentido de procurar um outro equilíbrio” – o que “é difícil de conseguir, mas o facto de ser difícil não nos deve desmobilizar”. Não são as diferenças ideológicas e políticas, “que sempre existiram e sempre existirão”, a constituir a força de bloqueio a um entendimento alargado e “não é o facto de haver hoje um pensamento mais radicalizado à direita que deve impedir um compromisso”, porfiou.
Não obstante – penso eu – o acento social e político colocado na liberdade de escolha em vez da igualdade de oportunidades baralhou o consenso em torno da LBSE. E a batalha parece travar-se na procura da hegemonia da escola privada tendencialmente paga pelo erário público, ficando a escola pública como reserva para os pobres e rebeldes. Não é a guerra ideológica que pontifica, mas a guerra de interesses.
No livro acima referenciado, identificam-se quatro áreas a partir das quais se pode partir para a revisão da LBSE sob um novo consenso político e social: a educação de adultos, a escolaridade obrigatória, a autonomia das escolas e monitorização e a avaliação de políticas públicas.
Neste quadro, a ex-ministra declarou:
“O que é exigível na Educação, que precisa de investimentos de longo prazo, precisa de contrariar a tentação de mudar de cada vez que há alternância política, até para que a alternância política se faça com uma maior tranquilidade – necessitávamos de um consenso em relação a algumas matérias, não é preciso que seja em todas”.
Atentando no exemplo do programa Novas Oportunidades, marca dos anos em que tutelou a Educação, ora recuperada, com novo nome, pelo Governo de Costa, diz ter “a certeza absoluta” de que a educação de adultos será matéria sobre a qual se poderá chegar a consenso duradouro, ainda que não seja “uma prioridade” para o PSD. Evitar que o programa termine e retome consoante o partido no Governo daria “a garantia de poder desenvolver essa área com outra estabilidade” e seria coerente com a convicção de que “ninguém é dono da verdade, ninguém é dono da razão total”, pelo que “devemos ter essa disponibilidade para encontrar consensos”, na certeza de que o défice de qualificação de adultos é o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social.
Sobre a escolaridade obrigatória, Lurdes Rodrigues disse não bastar estar na lei que esta abrange 12 anos de escolaridade, já que “as escolas enfrentam muitas dificuldades”, mas que ela requer “medidas políticas de apoio às escolas”. Seria muito importante que partidos e sindicatos se pusessem de acordo “sobre o que deve ser o investimento tendo em vista a concretização da escolaridade obrigatória e da promoção do sucesso escolar, de diversificação dos meios pedagógicos, de formação de professores para o exercício da autonomia profissional orientada para o sucesso de todos os alunos sem exceção” (vd Expresso, de 15.10.2016, pg 35), pois, apesar dos progressos todos, “Portugal continua a apresentar das taxas mais elevadas de retenção e desistência na Europa”. Entende, ainda, a académica a necessidade da educação básica unificada, contra a escolha precoce da formação profissional, o que é discutível quanto à validade da aprendizagem tardia de uma profissão.
Sobre a autonomia das escolas, a ex-ministra diz que é “uma área de regulação” que precisa de ser revisitada, acreditando que os partidos facilmente chegariam a acordo sobre critérios de avaliação das políticas públicas.

2016.10.15 – Louro de Carvalho

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