Para explicar aos socialistas o Orçamento do Estado para 2017, António
Costa
participou, na noite do dia 19, na conferência organizada pela Federação
da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, na
sala do Jardim de Inverno do Teatro São Luiz.
Entretanto,
não escapou a uma questão prévia que evitou durante o dia. Era a questão dos
vencimentos dos administradores da CGD (Caixa Geral de Depósitos), que surgiu com indignação da parte duma mulher
da plateia partidária. E o líder do partido respondeu: “Pode ser muito impopular o vencimento, mas não arrisco a má gestão da
Caixa”.
Também
um militante do PS, que tratou Costa por “meu camarada”, atirou que “é uma
vergonha o salário
do Presidente da Caixa Geral de Depósitos” e perguntou “como é possível alguém
ganhar tanto dinheiro assim?”. E Costa fez
um esgar de contrariado, ao ouvir a palavra “vergonha”, mas argumentou:
“A Caixa concorre no mercado como todos os outros bancos e tem de trabalhar
no mercado como trabalham os outros bancos. Não é possível que tenha um
ordenado alinhado pelo vencimento do primeiro-ministro [como pretende o PCP] e
não pelo vencimento normal praticado na banca.”.
Mais referiu
que a capitalização da CGD foi autorizada para que o banco público pudesse
“funcionar normalmente no mercado e ser o grande estabilizador do nosso sistema
financeiro e dar segurança a todos”. E gracejou: “Infelizmente o ordenado do
primeiro-ministro é inferior ao praticado na banca”. E acrescentou:
“Se queremos uma Caixa bem gerida, com capacidade técnica e independência,
temos de oferecer aos gestores da Caixa as mesmas condições dos gestores dos
outros bancos. Se não, estamos a ter um banco a concorrer em condições de
mercado inferiores.”.
É verdade
que o vencimento do presidente da CGD é o terceiro mais vantajoso do setor
bancário. O primeiro é o do presidente da comissão executiva do Santander e o
segundo é o do presidente da comissão executiva do BPI. Fica, pois, numa
posição intermédia.
O Presidente
da República promulgou o decreto que permite tais vencimentos, mas, como é seu hábito,
foi comentando que já havia casos em que no setor do Estado alguns gestores
poderiam auferir vencimento superior ao do Primeiro-Ministro e que os gestores
da banca privada, durante a crise, baixaram significativamente os seus
vencimentos.
Ora bem. O Governo
enfrenta um dilema: se encara a situação da CGD como de crise – este banco tem
de ser capitalizado e em montante considerável –, não pode permitir a perceção
de vencimentos desta grandeza; mas, se não permite estes vencimentos, não
encontra gestores executivos que aceitem dar a cara pelo banco público, muito
menos gestores profissionais. Ora, o novel presidente exigiu como condição prévia
este tipo de vencimentos e a capitalização da Caixa nos montantes necessários,
que as competentes instâncias internacionais autorizaram com a finalidade de
que fala Costa. Além disso, estes vencimentos não estão alinhados pelo patamar maior
nem pelo menor, mas pelo médio. É pena e não faz sentido que já se fale em prémios
de desempenho, se ainda não há experiência bastante sobre consecução de
objetivos estratégicos!
Porém, quando
se fala da CGD, vêm à memória duas coisas: a nomeação por escolha política dos administradores
(até houve
tempo em que o presidente vinha da áreas do principal partido da oposição, realizando
assim o bloco central de interesses); e casos
de gestão ruinosa dos dinheiros e projetos do banco público. Quem não se lembra
do “benemérito” Joe Berardo, que ocupa com uma coleção “arrendada” ao Estado
grande parte do CCB e agora muito altruisticamente vai inaugurar em Lisboa dois
novos museus com duas das suas coleções de arte? Ora uma das administrações da
Caixa emprestou ao “benemérito” uma monstruosa quantia de dinheiro para este poder
entrar na guerra de poder no BCP contra as mesmas ações que Berardo comprou no
BCP como fiança, ações que foram desvalorizando cada vez mais e o devedor “aos
costumes disse nada”. E o acionista Estado fez de conta que não percebeu. E este
é só um dos casos que poderiam ser recordados no histórico gestionário da CGD.
Um alto
vencimento não evita, por si, que a administração não cometa erros graves, mas
torna difícil que o administrador tenha necessidade de se vergar à tutela para
fazer o que ela lhe mande fazer caprichosamente. Por outro lado, evita que o administrador
profissional se sinta dependente do poder político para sobreviver e dá ao
acionista público lastro para exigir responsabilização pelos atos. Terá o
Estado, liderado por António Costa e seus sucessores, essa capacidade de exigir
a prestação de contas em assembleia geral da empresa ou teremos mais um caso de
exercício e roda livre à custa dos depositantes e contribuintes? A CGD assim
tem de pagar o investimento, dar lucro e realizar os fins sociais do Estado. Caso
contrário, malditos vencimentos!
***
Mas Costa
não ia para falar da CGD. O líder quis garantir aos correligionários que “não há nenhuma proposta neste Orçamento que
contrarie o que constava no programa eleitoral do PS”. E especificou, a
começar pelos temas mais quentes, que a nova taxa adicional de IMI vai permitir
seis anos extra de equilíbrio para o Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social e que a sobretaxa se mantém além do dia 1 de janeiro do
próximo ano (ao invés do que o Governo aprovara no final do ano passado), mas assegurando que a proposta de PSD e CDS era bem
pior.
Passando em
revista algumas das principais medidas do Orçamento do Estado para 2017, dedicou
mais tempo à problemática do aumento das pensões, dizendo que houve algumas
pensões que “apesar do congelamento não tiveram atualizações extraordinárias”,
que há pensões mínimas que “nunca
tiveram atualização e agora vão ter” e que “não se podem confundir
pensões baixas com carências de recursos”. Com efeito, há pensões baixas no
regime contributivo porque as pessoas descontaram pouco e durante pouco tempo,
mas não apresentam carências económicas.
Em matéria de
pensões futuras, o líder socialista explicou a predita garantia de seis anos
extra de alívio para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, com
a receita da taxa adicional do IMI, que vai servir para “fortalecer o Fundo” e
garantir “não o pagamento das pensões de 2017, mas das pensões futuras”. Fazendo
contas à nova receita, disse:
“Permitiu alargar em seis anos o Equilíbrio do Fundo de Estabilização da
Segurança Social, para mais de metade da década de 40 deste século”.
No atinente
à sobretaxa de IRS – que vai desaparecer de forma faseada –, Costa nem chegou a
ser questionado pelos socialistas que o viram a fazer aprovar no final do ano
passado uma lei a definir que a cobrança acabava totalmente no dia 1 de janeiro
de 2017. Apesar dessa atitude do auditório, o líder socialista antecipou
argumentos, aduzindo:
“Fazer um Orçamento implica ter objetivos e fazer escolhas. Podíamos ter decidido não criar o adicional
do IMI ou não acabar com a sobretaxa para ninguém”.
E, lembrando
que a sobretaxa será eliminada em todos os escalões, em dezembro de 2017,
disse:
“A proposta da direita era manter a sobretaxa até ao final da legislatura”.
Depois,
explicou que a lógica em matéria fiscal foi a de “não aumentar os impostos que todos pagam e aumentar os que só alguns
pagam”, referindo-se especificamente às alterações aos impostos, por
exemplo, sobre refrigerantes, tabaco ou cartuchos de balas. E justificou a
duplicação da taxa aplicada ao alojamento local (para a aproximação ao arrendamento
normal), com o bom desempenho do setor do
turismo, considerando que isso não afetará o mercado, pois “está aí o turismo para puxar pelo alojamento
local” – posição que, momentos depois, havia de ser partilhada perante o
auditório pela Secretária de Estado do Turismo Ana Mendes Godinho, que António Costa
convidou a falar sobre este tema e que esclareceu que até agora “apenas 15% do
rendimento era tributável” e passou a 35%, sendo que “este ano já foram
legalizadas “10 mil unidades de alojamento local”.
Em síntese,
apresentada pelo Observador de 20 de outubro, Costa apresentou as cinco marcas do Orçamento, na sua ótica:
- Aumento do rendimento disponível das famílias – que inclui a eliminação faseada da sobretaxa de IRS
ao longo do ano, a extinção da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, a
atualização dos escalões de IRS de acordo com a inflação, a continuação do
aumento do salário mínimo, o desbloqueio da contratação coletiva, mas
principalmente do aumento das pensões: tanto a atualização de acordo com a lei
de bases (em consonância com a inflação) como o
aumento extraordinário de dez euros em agosto (excluindo pensões mínimas);
- Regresso ao investimento – com o
esforço de “aumentar o investimento público” e “melhorar o investimento privado;
- Reforço da sustentabilidade da Segurança Social – com o escopo de reforçar as fontes de financiamento
da Segurança Social, sendo neste ponto que o Primeiro-Ministro refere a criação
do Adicional ao IMI cuja receita será usada para aliviar, em seis anos, a
pressão sobre o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social;
- Competitividade – cuja “chave
é investir na ciência e na cultura”, segundo a sua ótica;
- E dinamização da economia – embora se
saiba que o “contexto não é favorável”, mas prevendo-se a desaceleração do
crescimento da economia com a revisão em baixa.
Finalmente o
dirigente socialista guardou uns minutos para falar dos “compromissos assumidos
com o PCP, Bloco de Esquerda e Verdes” que “não contrariam” o programa do PS e
que cumpriu “tudo” desses acordos que apoiam o XXI Governo no Parlamento. E,
apesar das divergências em matérias europeias entre os parceiros, o Governo
“cumpriu as regras que estão em vigor e continuará com a redução do défice
nominal e estrutural” e obviamente honrará “os compromissos com a União
Europeia”.
***
Na verdade,
não é nada fácil conseguir ganhar a batalha de todos os dias da negociação
permanente com os parceiros políticos, ir cumprindo as regras europeias sem
rastejar perante a Europa, satisfazer o compromisso partidário eleitoral e dar
alguma impressão de que a vida esta melhor. Descaramento, habilidade ou realidade?
Os portugueses julgarão a seu tempo e a do governante consciência julga diariamente!
2016.10-23 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário