O
embaixador Seixas da Costa disse hoje, dia 2 de outubro, ao JN on line, que a vice-presidente
da Comissão Europeia Kristalina Georgieva vai amanhã, dia 3, defender a sua
candidatura à liderança da ONU na Assembleia Geral (AG), mas a decisão caberá aos EUA e à Rússia.
Está assim na reta final o percurso da escolha do sucessor de Ban Ki-moon,
que entrará na sua fase decisiva no próximo dia 5, quando Georgieva for ouvida
pela 1.ª vez no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas. E a AG voltará a
pronunciar-se sobre o próximo secretário-geral quando houver apenas um
candidato proposto pelo CS – sublinha o antigo embaixador português junto das
Nações Unidas, que refere que “nunca haverá impasses nesta decisão”, que será praticamente
do CS, sendo que a AG somente cumprirá a formalidade da escolha. Se a AG, por hipótese,
não escolhesse o candidato proposto pelo CS, sobre este órgão recairia o ónus
de encontrar e apresentar um outro candidato único.
Seixas da Costa fala benignamente em CS para “utilizar uma fórmula muito
normativa, porque na realidade, quem decide é um acordo entre os Estados Unidos
e a Rússia”, explicitando taxativamente que “sobre isso, não há a mais pequena
dúvida”. Refere que no passado foi sempre assim: “o candidato escolhido é
sempre alguém que o ocidente propõe e a quem a Rússia diz que sim”.
Seixas da Costa, que foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus,
segundo o qual “les jeux sont faits”,
como costumam dizer os franceses, insiste:
“A AG terá formalmente a última palavra, mas será só sobre um candidato,
que é o que o CS vai produzir. E não há nenhuma dúvida de que o CS acabará por
produzir um candidato, que, neste momento, e olhando para os equilíbrios em
cima da mesa, será Georgieva ou Guterres.”.
Porém, ainda que lançados, os dados não param de rolar. Ao apresentar-se ao
CS, no dia 5, a
candidata do Governo Búlgaro, da alemã Angela Merkel e do português Mário David,
da União Europeia, vai ser sujeita aos mesmos votos que qualquer um dos outros
candidatos. Terá de contar com um mínimo de 9 votos (dois terços) no conjunto global dos 15 membros do CS.
O mencionado diplomata admite que poderá não os ter, mas seguramente que esta
candidatura tardia joga uma cartada que deve dispor de algumas garantias ou,
pelo menos, da convicção da certeza da “não-oposição de princípio de qualquer
Estado ou membro permanente e, em particular, da Rússia”, se não mesmo de uma
concertação explícita entre EUA e Rússia.
Alguns perguntam por que razão Georgieva solicitou um mês e só um mês de
licença sem vencimento na Comissão Europeia. A isto alvitram uns que ela própria
não acredita que vencerá a corrida. Porém, outros, mais sabidos, opinam que a
Rússia, provavelmente, deve ter dado sinal de que deixaria o processo avançar
no quadro do CS com Georgieva lá dentro sem, pelo menos no início, lhe opor o
veto. E Seixas da Costa sublinha que é difícil conceber que “esta candidatura
se tivesse feito num pressuposto da posição que os russos assumiram ao
colocarem reticências ao modo como [a chanceler alemã] Angela Merkel, à margem
da reunião do G20 [em Hangzhou, na China, em 4 e 5 de setembro], tentou promover
a candidatura de Georgieva” (vd JN
on line).
***
As reações ao aparecimento tardio da candidatura não se fizeram esperar. Os
observadores nem deram conta de que se trata de uma candidatura de substituição,
pois, esta surge na sequência da desistência da também búlgara
Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO (Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura).
Seixas da Costa pensa que “questão a saber é em que medida uma
candidata que surge de um conjunto de países que tem atrás de si nos últimos
meses um histórico de tensões com a Rússia pode, ao mesmo tempo, satisfazer a
Rússia”.
O rival até agora mais bem colocado, o português António
Guterres, mostrou não querer abordar a troca de Irina Bokova por Kristalina
Georgieva. Abordado pelos jornalistas durante uma homenagem póstuma à antiga
presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Maria Barroso, que decorreu, na manhã do
dia 28 de setembro pp., no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, o antigo
primeiro-ministro e ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os refugiados fez
sinal de que não tencionava falar na ocasião. E, questionado diretamente à
saída sobre a candidatura de Kristalina Georgieva, Guterres respondeu, em
inglês: “No comments”.
Numa reação à nova candidatura nesta ulterior fase do
processo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva disse diplomaticamente
ver “com serenidade” a entrada na corrida de Kristalina Georgieva, mas
salientou, por contraste, a altura e a forma como a candidatura de Guterres foi
apresentada, declarando à Lusa:
“Apresentámos a candidatura do engenheiro
António Guterres no fim do mês de fevereiro. Fizemo-lo a tempo, com toda a
transparência e de forma a que António Guterres fosse sujeito a todas as provas
e passos que o processo de seleção a secretário-geral das Nações Unidas hoje
exige.”.
O
Presidente da República considerou, no passado dia 1, que a eleição do próximo
secretário-geral das Nações Unidas é “uma situação importante para o mundo”,
além de ser também importante para Portugal por causa da candidatura de
Guterres. Marcelo fez estas declarações quando foi questionado se, ao ter
chamado o assunto da eleição do secretário-geral das Nações Unidas para o
Conselho de Estado, pretendia que tivesse reflexos internacionais.
Lembrando
que, na reunião de 29 de setembro do Conselho de Estado, o órgão de consulta
política do Presidente da República, o tema era a análise da situação política,
económica e financeira internacional e os reflexos na economia portuguesa, Rebelo
de Sousa considerou “natural” que a escolha do próximo secretário-geral da ONU
também tivesse sido abordada, vincando que seria “muito estranho” que, ao
analisar o mundo, não se falasse duma questão que é “particularmente
importante”, pois, segundo justificou:
“Não é uma situação qualquer, é uma situação importante
para o mundo e é uma situação em que existe uma candidatura portuguesa apoiada
por Portugal, por todos os partidos políticos portugueses e por todos os órgãos
de soberania”.
Quanto
ao aparecimento da novel candidatura, Marcelo obviamente estranhou; e a
referência à Maratona, aduzindo a metáfora da entrada da candidata nos últimos
cem metros e vencer a corrida, o que faz supor que Marcelo sente que terá
perdido o latim quando no discurso ante a AG das Nações Unidas tentou um perfil
de secretário-geral à maneira de Ghandi ou de Mandela encaixável no candidato português.
Por seu turno, o Conselho de Estado, em
que esteve presente também o conselheiro nomeado pelo Presidente da República, saudou
a candidatura de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas,
considerando que é, “a todos os títulos, uma candidatura exemplar” e
salientando que cumpriu “todas as etapas do processo”.
Depois,
há várias reações na imprensa: umas verberam o facto; outras consideram-na
normal.
Os
portugueses que a todo o custo queriam ver um português eleito para o cargo ficaram
seriamente enervados e enraivecidos pelo facto de Mário David, um outro português,
ter apadrinhado a candidatura da Bulgária.
***
Não é pelo facto de ser português que Guterres merece
ir a secretário-geral Nações Unidas. Nem todos os portugueses deixaram bem
colocado o país no desempenho internacional. Por outro lado, também não pode
ser arredado por ser português.
Ora, tanto quanto se sabe, Guterres tem um passado de trabalho internacional
pelas causas em que se empenha a ONU e para isso mandatado: foi, durante 10
anos, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cargo a que chegou
por concurso e prestação de provas, não por mero convite, como aconteceu com
Barroso para a UE. No exercício do cargo, levou com todas as cambiantes da crise,
mesmo as decorrentes do inêxito da invasão militar de Terras do Médio Oriente por
forças ocidentais ou do apoio político-militar às pseudorrevoluções na Tunísia,
no Egito, em Chipre, na Ucrânia e na Síria. Nem vale a pena aduzir a eventual
insuficiência da gestão dos refugiados. Por mim, gostaria de saber como é gerir
bem o drama dos refugiados! Diz-se que não foi bom primeiro-ministro. Todavia
pode dizer-se que houve outros bem piores, talvez até tenha sido dos menos maus,
sendo verdade que desanuviou o espectro político do país do ar pesado de 10 anos
que o antecessor deixou, sem diálogo e concertação. Alguns até o consideraram
como uma espécie de Marcelo Caetano de Cavaco.
***
Quanto à ONU, digo que é muito melhor não ter regras do que as ter e
proclamar e fazer gato-sapato delas. Quis romper com o passado e promoveu
audições dos candidatos na AG. O CS procedeu a cinco votações (Para quê cinco?). Dos 12 candidatos iniciais, três já renunciaram, pelo que com a entrada
de Kristalina Georgieva são 10 os aspirantes ao cargo.
Guterres venceu as 5 votações por escrutínio secreto obtendo pelo menos dois
terços dos votos. Seguir-se-á uma nova votação em que os votos dos 5 membros permanentes
serão notados pela cor. Só a aí se verá a posição dos 5 membros permanentes do
CS (Rússia, EUA, China, França, Reino Unido). Além disso, o mais votado, mesmo que tenha a
maioria de dois terços dos votos pode ser vetado por qualquer um dos 5 membros
permanentes do CS.
Já não falta muito para se saber se Georgieva avançou com as garantias de
que nenhum membro do Conselho de Segurança a vetará. Quanto a António Guterres,
o diplomata português acima mencionado crê que “será difícil para um país como
a França ou como o Reino Unido, ou mesmo como os Estados Unidos, darem um voto
negativo”, que o afaste. Porém, a grande incógnita é a posição da China ou da
Rússia. E veremos dentro de pouco tempo qual é o candidato que mais convém à
Rússia, dentro do leque daqueles que lhe são apresentados pelo ocidente. Quando
aos membros não permanentes do CS, vais ser complicado perceber como vão votar.
Já no passado várias mudanças de posição houve, não se podendo, pois, excluir
em absoluto que haja até ao final algumas mudanças de posição.
Em
democracia plural, não faz sentido o veto de quem quer que seja num órgão
colegial; e o concurso não pode ser viciado. Abriu-se o período de apresentação
de candidaturas, cujo termo não admite novas entradas, a menos que o número
seja insuficiente, podendo prorrogar-se o prazo. Só depois se fazem audições e
se vota; e respeitam-se regras e resultados. Não é assim?
2016.01.02 – Louro de Carvalho
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