Assinalou-se, a
16 de outubro, o Dia Mundial da
Alimentação e, a 17, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Ambas as efemérides pretenderam mobilizar a
reflexão de todos e induzir atitudes solidárias, que passam por uma forte
mudanças de hábitos e comportamentos.
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Quanto à erradicação da pobreza, os dados relativos ao país
são assustadores. Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), uma em 5 pessoas é pobre,
sendo que as que têm limitações derivadas de problemas de saúde estão expostas
a um risco de pobreza maior. A pobreza voltou a aumentar em 2013, abrangendo
19,5% da população (era de 18,8% em 2012). A taxa é de 21,5% em pessoas com problemas de
saúde, em comparação com a taxa de 16,7% em pessoas sem tais limitações. A
existência das limitações “no desempenho das atividades habituais vem associada
à privação material, sendo que 41,2% das pessoas severamente limitadas se encontram
em privação material. A falta de dinheiro é a grande causa de as pessoas não satisfazerem
os cuidados de saúde (exames e tratamentos médicos, 53,5%, ou dentários, 82,5%). E 5,5% da população
com 16 ou mais anos necessitou, em pelo menos uma ocasião, de cuidados médicos
que não recebeu, e 18,8% necessitou de cuidados dentários que não os recebeu.
73,6%
das pessoas estão simultaneamente em risco de pobreza e privação material em
relação a exames ou tratamentos médicos. E, no caso das pessoas que não
conseguem fazer exames ou tratamentos dentários, a percentagem sobe para 96,4%.
Mais: a pobreza atinge 40,5% dos desempregados. Na verdade, o inquérito do INE, publicado na véspera do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza,
confirma alguns dados já conhecidos sobre a nossa realidade. Para medir a
pobreza, o conceito estatístico oficial adotado a nível europeu refere-se a
“risco de pobreza”. Por outro lado,
sabe-se que o país voltou aos níveis de pobreza de há 10 anos; 27,5% das
pessoas estão em risco de exclusão social (2,8 milhões de pessoas); mantém-se a “forte
desigualdade na distribuição dos rendimentos”; é mais elevado o risco de
pobreza em mulheres que em homens; e o aumento da pobreza foi transversal a
todos os grupos etários, mas as crianças são as mais afetadas.
Ora,
nem Estado, nem organizações podem ficar de braços cruzados ante esta
realidade.
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Mas, além
da má distribuição do rendimento que afeta a sociedade portuguesa e as
populações no mundo inteiro, há outro cancro cuja visibilidade relevou na celebração
do Dia Mundial da Alimentação deste
ano: “o desperdício
alimentar”.
A resposta
passa pela ação concertada e participada a exigir alterações ao nível cultural,
socioeconómico e ambiental, através de estratégias de sensibilização e
desenvolvimento de novos valores, visões, atitudes e comportamentos para
sociedades sustentáveis – compromisso que nos envolve a todos! Na verdade, o desperdício alimentar apresenta um conjunto
de consequências que afetam as nossas vidas, com impacto ao nível ético,
económico, social, sanitário e ambiental. Devemos estar conscientes de que a
sua redução, que é imperativa, constitui um passo preliminar importante para
combater a subnutrição a nível global.
Um terço de toda a alimentação humana
é desperdício. Assim, o controlo do que desperdiçamos é uma preocupação da
Comissão Europeia, que propôs o ano de 2014 como “Ano Contra o Desperdício
Alimentar”, definindo como meta a redução de 50% do desperdício alimentar em
2020. Neste sentido é-nos proposto, em todas as fases da cadeia alimentar, a
aplicar o princípio dos “3 R”: reduzir,
reutilizar e reciclar. Com este desafio, pretende-se: contribuir para
a redução do desperdício alimentar; sensibilizar a população para uma
consciência e atitude alimentar responsável e sustentável; promover um consumo
alimentar energético e adequado nutricionalmente; promover a produção e o
consumo de alimentos e produtos alimentares de produção local; e mobilizar os
profissionais de saúde, as instituições públicas e privadas, o setor da
restauração e a indústria para a redução do desperdício alimentar em Portugal.
Como vamos alcançar?
O cidadão deve: planear refeições e compras de
alimentos/produtos alimentares de acordo com o agregado familiar e com o stock existente; verificar os prazos de
validade dos produtos alimentares no ato da compra; optar por alimentos congelados,
quando previr que os frescos não venham a ser consumidos em tempo útil; reutilizar
as sobras das refeições na elaboração de outros pratos ou sopas; escolher os
alimentos respeitando a sazonalidade e a produção local, se possível; prever, nas
promoções que ofereçam grandes quantidades de alimento, se será consumido antes
do término do prazo de validade; preparar e confecionar os alimentos/ refeições
conforme a necessidade, evitando preparação/confecções em quantidades
excessivas; e conservar os alimentos da forma adequada, consultando a
informação das embalagens.
Os profissionais de
saúde devem: contribuir
para a gestão consciente dos recursos alimentares e ambientais, preservando o
equilíbrio nutricional; educar para o consumo de fontes alimentares menos consumidoras
de recursos ambientais; educar para o consumo variado, entre e dentro dos
vários grupos da Pirâmide/Roda dos Alimentos; e promover o consumo de alimentos
frescos ou minimamente processados.As instituições
públicas e privadas
hão de: organizar programas escolares que visem a literacia alimentar,
nutricional e ambiental; promover a criação de “hortas urbanas”; promover o
acesso à aquisição e ao consumo de produtos locais; e estabelecer ligações
entre produtores e instituições de apoio social locais.
A indústria e o retalho têm de: desenvolver
produtos alimentares nutricionalmente equilibrados e seguros; promover a aquisição
económica, minimizando custos associados ao embalamento; respeitar a biodiversidade
e a segurança alimentar; e respeitar a utilização sustentada dos recursos
ambientais (solos, água, ar, energia).
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O Dia Mundial da Alimentação é celebrado
anualmente a 16 de outubro, desde 1945, data da criação da FAO, com o objetivo
de promover a reflexão e o debate sobre o quadro da alimentação mundial e a
fome no Planeta. Cada ano, é proposto um tema, a partir do qual são desenvolvidas
iniciativas no mundo. A luta contra a fome e desnutrição, pobreza e segurança
alimentar, sistemas alimentares saudáveis foram objeto de reflexão e ampla
análise em anos anteriores, entre tantos outros problemas selecionados. Este
ano, a FAO (Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) destacou a alimentação como forma de preservação do
ambiente com o mote “O clima está a
mudar: a comida e a agricultura também devem mudar”.
Tendo em
conta o aumento populacional, até 2050 o Planeta terá de aumentar a produção em
60% de para responder adequadamente às necessidades da população. Entretanto,
as mudanças climáticas terão efeito negativo no cultivo, quantidade e qualidade
dos alimentos produzidos. Por isso, o declínio na produção alimentar, conjugado
com o incremento da procura, terá como consequência o aumento dos preços,
culminando em maior desigualdade no acesso aos bens alimentares. Face ao
cenário que se perspetiva, é fundamental sensibilizar a sociedade para o tema
tendo em vista um amplo despertar de consciências e mobilizar para a ação.
Em Portugal e
regiões, à semelhança do que sucede por todo o mundo, entidades diversas
organizaram programas comemorativos do dia da alimentação, trazendo à tona as
preocupações emergentes, promovendo debates e outras ações (desportivas, artísticas etc.), na convicção de que todos podemos,
mesmo com pequenas atitudes, fazer um mundo melhor.
Segundo o PERDA,
2014 (Projeto de Estudo e
Reflexão sobre o Desperdício Alimentar), a nível mundial, cerca de um terço da comida produzida é
desperdiçada, ou seja 1,3 mil milhões de toneladas/ ano, quantidade suficiente
para alimentar as 995 milhões de pessoas que passam fome. Entre nós, 1 milhão
de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano. Só as famílias desperdiçam
324 mil toneladas, o que significa que cada português desperdiça 132 kg por ano,
em média.
A nível
geral, são dados passos significativos com impactos consistentes; verifica-se
cada vez maior envolvência, “assunção” e comprometimento no estudo e resolução
destas preocupações por parte dos Governos, universidades, empresas e
organizações da sociedade. Neste contexto, vêm à tona alguns exemplos: Pacto de Milão sobre política de
alimentação urbana (2015), declaração da FAO de 2016 Ano Internacional das Leguminosas;
Constituição da Associação Aliança Contra
a Fome e a Má-nutrição, em Portugal, com o objetivo de estabelecer ligações
entre os diversos organismos e instituições que lutam contra a fome e
contribuir para os OMS (Objetivos
do Milénio para o Desenvolvimento). Em relação a este ponto, a FPBA promoveu a criação desta
associação. Enquanto plataforma de diálogo, a Aliança põe em contacto organizações
e entidades da sociedade civil, do setor privado e da administração pública
para definir em parceria estratégias, políticas e programas suscetíveis de
potenciar os dispositivos já existentes, favorecer o diálogo sobre as medidas
mais eficazes e estimular novas iniciativas para combater a insegurança
alimentar e a má-nutrição. E, no dia 16, a Universidade do Porto, promoveu a 2.ª
edição do curso: “Coma melhor, poupe mais”, on line, gratuito e com a duração
de 4 semanas.
Tendo em
vista comemorar o Dia Mundial da
Alimentação, foram priorizadas ações de sensibilização e de reflexão sobre
o tema central da FAO e a luta contra o desperdício alimentar, numa dupla e
particular sintonia: missão dos Bancos Alimentares; e o reconhecimento desta
problemática pela Assembleia da República, que proclamou 2016 o Ano Nacional de
Combate ao Desperdício Alimentar.
Ainda neste
enquadramento, cabe destacar projetos interessantes:
A FPBA (Federação Portuguesa dos Bancos
Alimentares) criou o
projeto Hortas Solidárias, com vista
à inclusão social de reclusos e provisão de resposta a carências alimentares,
através de projetos agrícolas em terrenos disponíveis, remunerando a mão-de-obra
e recolhendo o produto (hortícolas/frutícolas) para distribuição às famílias com
carências alimentares comprovadas, através das instituições parceiras. E a FEBA
(Federação Europeia dos
Bancos Alimentares), com
outras organizações, apoia o lançamento mundial dum projeto pioneiro de
mentores portugueses com a criação do site: Ideas
That Feed (ideias que
alimentam), através do
qual o cidadão pode partilhar receitas de baixo custo, que apelem a uma
alimentação saudável e equilibrada. Para o efeito, basta aceder ao site,
partilhar a receita e, caso a mesma reúna os critérios definidos, será
publicada.
Eis algo do
muito que é imperioso fazer em prol das populações. Mudar hábitos, intensificar
empenho solidário é urgente!
2016.10.19 – Louro de Carvalho
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