quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Sobre o estado do programa “Quantitative Easing”

A 4 de outubro, a Bloombergempresa de tecnologia e dados para o mercado financeiro e agência de notícias operacional em todo o mundo com sede em Nova Iorque – noticiava que o BCE (Banco Central Europeu) estaria a preparar o “desmame” das compras de dívida, podendo começar em breve a estreitar as compras mensais de dívida (pública e privada).
A Bloomberg não especificava as fontes onde colhera a informação, aduzindo genericamente tratar-se de responsáveis do BCE que diziam que estava a gerar-se, no Conselho do BCE, consenso no sentido de se criar um período de redução gradual do programa QE (Quantitative Easing), ou seja, de estímulo monetário, cujo termo está previsto para março de 2017.
Ora, a notícia, que apontava para uma alteração no ritmo de compras mensais ao abrigo do programa decisivo de “quantitative easing”, poderia ter um impacto significativo nos juros da dívida de Portugal e dos outros países, abalando a calma recente. E houve efetivamente uma subida temporária dos juros da dívida portuguesa.
O BCE, que tem estado a comprar dívida pública e privada num montante mensal total de 80 mil milhões (a meta é essa, embora não esteja a ser cumprida à risca) estaria a forjar a ideia de ir reduzindo ao ritmo de 10 mil milhões de euros, em cada mês, até à conclusão, evitando que as compras terminem abruptamente, dum mês para o outro, o que poderia criar perturbações, dada a importância desta presença do BCE no mercado de dívida na Europa.
Foi esta a estratégia seguida nos EUA, quando se chegou à altura de começar a descontinuar o programa de compra de dívida. Então, os mercados entraram num período de turbulência e reajuste, marcado por uma forte subida das taxas de juro num curto espaço de tempo.
Há, porém, um dado crucial na notícia da Bloomberg: o interesse de alguns responsáveis do BCE em preparar o final do programa de estímulos independentemente de poder haver um novo alargamento do programa, ou seja, para lá de março de 2017.
Não obstante, o impacto da notícia nos mercados foi também visível na evolução do euro (face ao dólar, por exemplo). Enquanto os analistas e investidores digeriam o impacto potencial da notícia, o euro, que começara o dia a cair face ao dólar, também esteve a subir, mas voltou, contudo, a terreno negativo, embora longe dos mínimos de sessão.
O BCE, cujo Conselho estava a promover uma reunião informal antes de os seus membros viajarem até Washington DC, nos EUA, para participarem nos encontros anuais do FMI (Fundo Monetário Internacional), descartou oficialmente a informação veiculada pela Bloomberg, assegurando, em comunicado, que “o Conselho do BCE não discutiu estes temas, como afirmou o presidente Mario Draghi na sua última conferência de imprensa e durante o testemunho recente que prestou no Parlamento Europeu”.
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Hoje, dia 20, Mario Draghi disse que o BCE não discutiu o desmame dos estímulos nem o seu prolongamento. Todavia garantiu que os estímulos continuarão enquanto forem necessários, mas “não será para sempre”. E, referindo-se a Portugal, disse que o país fez “progressos assinaláveis”, mas tem “vulnerabilidades” que o Governo bem conhece, designadamente o crédito mal parado e a dívida empresarial.
O Conselho do BCE, organismo também liderado por Draghi e que define a política monetária na zona euro, não discutiu o desmame dos estímulos monetários, não se verificando, pois, a existência de qualquer consenso no BCE para gerir, para já, o desmame de uma forma gradual. No entanto, Draghi assegurou ser “improvável” a retirada dos estímulos “de forma abrupta”. Porém, não se comprometendo com um calendário, reconheceu que a política monetária agressiva atual “não pode continuar cá para sempre”.
As declarações Draghi foram proferidas hoje em conferência de imprensa, subsequente à reunião do Conselho do BCE em que se decidiu manter as taxas de juro inalteradas, como se previa. Durante a conferência de imprensa, o euro subiu para mais de 1,10 dólares, depois de Mario Draghi ter garantido que não foi debatido na reunião o prolongamento do programa de compra de dívida, que se prevê acabar em março de 2017.
Questionado por um repórter sobre Portugal e sobre o rating da DBRS, a atualizar amanhã, Mario Draghi confirmou que, se o rating cair, as obrigações portuguesas deixam de poder ser compradas pelo programa de estímulos e de servir de garantia (colateral) para as operações de financiamento da banca. Contudo, afirmou que já houve “progressos assinaláveis em Portugal”, embora haja “vulnerabilidades que o governo conhece”, sendo que “o governo sabe que são necessárias reformas”. Em concreto, Mario Draghi destacou que é necessário promover uma “reestruturação da dívida empresarial” e uma solução para os “créditos não performantes”, isto é, o crédito malparado e outros ativos que não dão rentabilidade aos bancos.
Mario Draghi conseguiu falar para todos os intervenientes. Tentou satisfazer a linha dura do BCE dizendo que a política monetária agressiva “não pode continuar cá para sempre“, mas também quis tranquilizar os mercados reiterando que o programa de compra de ativos irá durar “enquanto for necessário“.
O BCE encarregou um grupo interno de técnicos para estudar algumas questões técnicas que envolveriam o prolongamento do programa. Draghi disse que o Conselho do BCE foi atualizado sobre o progresso desses trabalhos e deixou entender que, em dezembro, na próxima reunião do Conselho do BCE, poderá haver novidades. Com efeito, na reunião de 8 de dezembro, serão atualizadas as projeções económicas para os próximos anos, incluindo até 2019, pelo que muitos participantes do mercado leram nas palavras de Draghi uma intenção de, em dezembro, avançar com mais medidas ou com o prolongamento do programa. Essa leitura fez o euro inverter os ganhos iniciais e descer para um mínimo de 4 meses, nos 1,0942 dólares.
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Em suma, o BCE decidiu, na sua reunião de hoje, manter o quadro de política monetária, reafirmando que o programa de compra de ativos se manterá até março de 2017 sem alterações. Assim, as taxas de juro mantêm-se em 0% (taxa de referência), 0,25% (cedência de liquidez) e -0.40% (taxa, negativa, de remuneração de depósitos); e “deverão permanecer nos níveis atuais ou em níveis inferiores durante um período alargado e muito para além do horizonte das compras líquidas de ativos [do programa de quantitative easing, QE].
Sobre o QE, o BCE coloca ponto final nos rumores lançados a 4 de outubro, que provocaram sobressalto no mercado da dívida e nas bolsas. O BCE confirma que as aquisições mensais de ativos no montante de €80 mil milhões deverão decorrer “até final de março de 2017 ou até mais tarde, se necessário e, em qualquer caso, até que o Conselho do BCE considere que se verifica um ajustamento sustentado da trajetória de inflação, compatível com o seu objetivo para a inflação [de 2%]”.
Os rumores de que o BCE pretenderia uma antecipação da desativação do QE, iniciando uma redução mensal de €10 mil milhões ainda antes de março de 2017, provocou um stresse elevado na dívida pública da zona euro – em Portugal, os juros das Obrigações do Tesouro a 10 anos subiram para 3,6% a 7 de outubro, um máximo desde fevereiro – e um efeito negativo nas bolsas, que perderam 1,1% à escala mundial naquela semana.
O BCE adiou, como se disse, para a próxima reunião, a 8 de dezembro, as decisões sobre o futuro do programa de QE, mas “não está na ideia de ninguém” da equipa de Draghi advogar uma paragem súbita em março de 2017 das compras de ativos. O mais provável é que seja gradual uma redução posterior a uma decisão de terminar o QE, segundo muitos analistas que consideraram sem fundamento o rumor que se difundiu no início de outubro de que poderia acontecer um final abrupto e uma antecipação da redução. Nas palavras de Draghi, tratou-se de um “comentário aleatório” emitido por alguém que não tinha qualquer pista nem informação séria sobre o assunto.
Na próxima reunião, a equipa de Draghi analisará, ainda, as novas previsões sobre crescimento e inflação. Recorde-se que, em setembro, a inflação na zona euro subiu para 0,4%, depois de ter estacionado em 0,2% em julho e agosto.
Em virtude do adiamento para dezembro, não foram discutidos ainda os pontos críticos em que os investidores têm estado ansiosos: a extensão do programa a partir de março de 2017 – o que desagradou, de imediato, aos investidores em algumas das principais bolsas europeias –, uma eventual redução do seu volume mensal (que continua em €80 mil milhões) ou alterações das regras que regem a elegibilidade das obrigações para aquisição pelo BCE no mercado secundário em virtude do risco de escassez de títulos, que diversos estudos têm apontado.
O BCE continua na expectativa de ver o comportamento duradouro da inflação e a equipa responsável tem de ficar “convencida” de que há uma “convergência durável” da inflação em direção à meta de próximo, mas abaixo de 2%. Ora, essa convergência deve ser autossustentada, sem as medidas extraordinárias de apoio que existem agora.
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Como se vê, a antecipação de notícias que envolvem especulação só traz transtorno às relações económicas e à tranquilidade dos países, nomeadamente dos que acusam mais vulnerabilidades. E não havia necessidade!

2016.10.20 – Louro de Carvalho

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