quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Bem-vinda a reposição do feriado de 5 de outubro

Com objetivos confessos de simbólica economicista a capear a índole austeritária da administração do país, o 5 de outubro fora um dos quatro feriados proscritos pela governança Passos-Portas e cuja reposição o XXI Governo promoveu por motivos de ordem simbólica, de respeito pelas tradições e do bom senso contra a iniquidade resultante do demasiado rente corte de unhas na gestão da coisa pública.
A data de 5 de outubro consagra, na memória da nação, a efeméride da implantação da República em Portugal, ou seja, a mudança de regime procurada por alguns, que se tornaram vencedores, imposta pela onda dominante, temida por muitos dos que se sentiram acossados nos seus ideais ou interesses, tolerada por outros e, finalmente, aceite por todos. Ultrapassada a dicotomia Catolicismo/República, o próprio Papa Bento XVI, na sua visita apostólica a Portugal em maio de 2010, ao assinar o livro de honra no Palácio de Belém, no dia 11, fez questão da referência explícita ao centenário da República.
Porém, com a obnubilação do 5 de outubro provocada pela suspensão do feriado, evidenciou-se um outro facto histórico que os monárquicos iam evocando quase na penumbra que rodeia alguns dos eventos emprateleirados pelo tempo: a celebração do Tratado de Zamora a 5 de outubro de 1143, vertido para diploma pactual em resultado da conferência de paz entre Dom Afonso Henriques e o seu primo Afonso VII de Leão e Castela, com a mediação do cardeal Guido de Vico, legado pontifício à Península Hispânica, e por ação de Dom João Peculiar, arcebispo de Braga.
Embora a independência de Portugal só viesse a ser confirmada, em 23 de maio de 1179, pela bula Manifestis probatum est, do Papa Alexandre III, passando Afonso Henriques a usar a partir daí o título de Rex, quando antes só utilizava o de Princeps ou de Infans, não obstante, a data de 5 de outubro, de 36 anos, antes é considerada como a data da independência de Portugal e do início da dinastia afonsina. Com efeito, pelos termos do tratado, Afonso VII concordou em que o Condado Portucalense passasse a ser um reino, tendo D. Afonso Henriques como seu rex (rei). Todavia, embora o primo reconhecesse a independência, Afonso Henriques continuava a ser vassalo, pois D. Afonso VII, além de ser rei de Leão e Castela, considerava-se Imperador de toda a Hispânia (Imperator totius Hispaniae). No entanto, a partir de 1143, Afonso Henriques vai enviando ao Papa remissórias declarando-se seu vassalo lígio e comprometendo-se a enviar anualmente uma determinada quantia de ouro (quatro marchas de ouro foi a quantia acertada em 1179). 
Como se vê, a data evocada hoje, feriado nacional, antes de assinalar a República, assinalava a independência de Portugal, sendo, portanto, data que nunca deveria ter saído do catálogo dos dias a festejar, por ser dia nacional, da república no sentido de Pátria, Estado. Seja, pois, bem-vinda a reposição do feriado e tome o povo conta dele, fazendo-o seu em benefício da pólis!
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A um ano de comemoração republicana, órfã de Chefe de Estado vivo e em funções, mas recolhido a pensar em solução governativa que já estava “decidida há muito tempo” (disse), embora as eleições legislativas tivessem ocorrido apenas na véspera, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, em 7 minutos e 43 segundos, sustentou que “a razão de ser de desilusões, de desconfianças, de descrenças” no povo nasce do “cansaço perante casos a mais de princípios vividos de menos” e acentuou que “todo o poder político é temporário”, aliás o seu exercício pelos seus detentores em nome do povo, já que o poder político, que é permanente, reside no povo, ao qual pertence (vd CRP, art.º 108.º).
Como pano de fundo para os vários recados que deixou aos responsáveis políticos, o Presidente proferiu um discurso de 5 de outubro centrado num apelo de exigência à classe política. Na praça do Município, em Lisboa, advertiu que o poder não é propriedade de ninguém e que as pessoas se afastam da política porque veem “casos a mais de princípios vividos a menos”. Neste contexto, asseriu que “os políticos devem dar o exemplo de proximidade, frugalidade, independência e serviço aos outros, de todos os outros, mas com natural atenção aos mais pobres, carenciados, excluídos” – lembrando a efemeridade do exercício do poder e o dever de proximidade que incumbe aos eleitos junto daqueles que os elegeram. Com efeito, o exercício do poder político “não é herdado”, mas “nasce do voto popular”, sendo que os eleitos devem honrar a confiança que neles é depositada e sentirem apenas “deputados” do povo.
Ao invés, cada vez mais há responsáveis públicos que se deslumbram com o poder, que se acham o centro do mundo, que aparentemente se consideram eternos e que alimentam clientelas. Considerou o Presidente em tom fortemente crítico, explicitando os motivos do dito cansaço:
“De cada vez que um responsável público se deslumbra com o poder, se acha o centro do mundo, se permite admitir dependências pessoais e funcionais, se distancia dos governados, aparenta considerar-se eterno, alimenta clientelas, redes de influência de promoção social, económica e política…”.
No dizer de Marcelo, aos olhos dos cidadãos comuns, é a democracia que sofre e o 5 de outubro que “se esvazia”. Ora, para ânimo da democracia e recuperação política do 5 de outubro – dia da Pátria independente e da República – que “está vivo”, é fundamental “o exemplo dos que exercem o poder”. É certo que, neste dia quente de outono, o Presidente anotou que o regime republicano não está hoje em causa nem os portugueses querem o regresso “a uma ditadura, aberta ou disfarçada, permanente ou temporária”. No entanto, é fundamental que o povo continue a acreditar no 5 de outubro, sendo relevante o exemplo dos que exercem o poder para que a efeméride republicana concite a crença do povo e este se possa rever na República democrática.
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Também o anfitrião das comemorações, o Presidente da Câmara de Lisboa – a República foi proclamada solenemente e pela 1.ª vez a partir da varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa – proferiu o seu discurso alusivo ao dia, que voltou a ser feriado e celebrado na rua.
Fernando Medina, após as convenientes referências circunstanciais, focou-se naquilo que no país “não pode adiar o inadiável”: o reforço da coesão social. Disse o autarca-mor lisboeta que a “coesão social não vem depois do crescimento, é condição para o desenvolvimento”, acentuando que as “sociedades fraturadas não conseguem assegurar as forças vivas da economia” e que também o terrorismo se alimenta “de fraturas no tecido social”. E acrescentou:
“Não é por acaso que as políticas anti-imigração, que são as primeiras inimigas da inovação, são apoiadas pelas camadas populares arredadas dos benefícios da economia aberta”.
Neste sentido, o Presidente da Câmara orientou o seu discurso entre o elogio da obra que vai sendo feita no município e a defesa da “solução política saída do quadro parlamentar”.
Sobre a efeméride, anotou que a Implantação da República está a ser celebrada “numa praça aberta ao povo”. Declarou o autarca socialista:
“Celebramos este ano o Dia da República, o 5 de outubro, como devemos: em dia feriado e festivo e numa praça aberta ao povo. Porque é desta forma que merece ser evocado um momento-chave da nossa história”.
Segundo Fernando Medina, esta evocação relaciona-se com aquilo que o 5 de outubro de 1910 “representou de transformação na sua época, mas sobretudo pelo momento inspirador e pelo que representa enquanto ideia de futuro para Portugal”. Disse o Presidente do Município que “a vida da República é a vida dos seus ideais” e sublinhou que “a liberdade, a igualdade, o progresso, a justiça e a dignidade nacional permanecem hoje referências centrais para a construção do nosso futuro coletivo”.
O ano passado, a celebração ocorreu no dia subsequente às eleições legislativas, em resultado das quais “se abriu um novo ciclo político no país”. Em relação ao presente, Medina sustentou:
“Devemos hoje reconhecer que a solução política saída do quadro parlamentar está a dar resposta à vontade expressa pelos portugueses nas eleições: prosseguir uma política de recuperação gradual dos rendimentos, sem rutura no quadro do relacionamento europeu”.
Segundo o autarca-mor, “a nova maioria parlamentar (liderada pelo ex-presidente da Câmara de Lisboa, António Costa) está a contribuir para a normalização da vida do país e está a aproximar os cidadãos das instituições políticas”, tal como a atuação do Presidente da República que tem ido nesse sentido, ao pautar-se pela “proximidade no exercício do poder público, a concentração em alargar maiorias de solução e não ampliar minorias de bloqueio” e pelo “diálogo contínuo e claro com os portugueses”. Considerou Fernando Medina que “hoje temos as instituições mais alinhadas com o sentir dos portugueses e um país mais consciente das suas possibilidades”.
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O Primeiro-Ministro disse, no final das comemorações, que há convergência com os parceiros de esquerda “nos princípios fundamentais”. Ao mesmo tempo, disse que o Governo está “a fazer contas” para o Orçamento do Estado para 2017, numa alusão aos encontros de ontem, em São Bento, com o secretário-geral do PCP e a coordenadora do BE, afirmando-se certo de que “para a semana apresentaremos um bom Orçamento para Portugal 2017” – tema que Marcelo evitou, provavelmente para não ser entendido como a fazer juízos antecipados sobre matéria tão sensível e polémica, mas sobre a qual António Costa diz não haver angústias.
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Quanto aos festejos, é de justiça recordar que foi Cavaco Silva que, em 2006, decidiu levar as cerimónias para a rua, transferindo os discursos do Salão Nobre para a Praça do Município, o mesmo “político” que alteraria o modelo das cerimónias ao longo dos anos e faltando à do ano de 2015 por motivos nada convincentes. Já, em 2009, ano de eleições autárquicas, o então Chefe de Estado não esteve presente na Câmara Municipal e organizou uma pequena cerimónia no Jardim da Cascata, no Palácio de Belém; em 2010 e 2011, os discursos voltaram à Praça do Município; e, em 2012, pela primeira vez desde 1910, a cerimónia decorreu fora da Câmara, tendo sido escolhido o Pátio da Galé. Porém, o que marcou as cerimónias de 2012 foi o facto de a bandeira nacional ter sido hasteada na varanda dos Paços do Concelho com o escudo invertido e também a intervenção indignada duma mulher, por causa da crise económica que se sentia. Em 2013, 2014 e 2015, as cerimónias voltaram ao Salão Nobre da Câmara, longe da vista, longe do povo, mas onde se fizeram ouvir as vaias e protestos do exterior.
Importa que o 5 de outubro se mantenha firme e aberto a inspirar um país que anda às voltas sem necessidade, porque é um grande país.
Viva a República! Viva Portugal Independente e Livre!

2016.10.05 – Louro de Carvalho

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