O candidato presidencial republicano lançou suspeitas graves relativamente aos mecanismos democráticos do
próprio país. Por conseguinte, a imprensa norte-americana vem a mimoseá-lo com
virulentos editoriais e artigos de opinião. A arrasar a prestação de Donald
Trump no terceiro e último debate entre os candidatos à presidência dos EUA
chamam-lhe “pequeno Trump”, “narcisista”, “rufia”, “ignorante”, etc. E não é só
pela sua habitual postura ou forma de estar nos debates, mas sobretudo sob a
acusação política e ética de ter feito um ataque soez à democracia, mostrando
cada vez mais claramente que não serve para presidente.
Assim, ao ser questionado se aceitaria ou
não o resultado das eleições de 8 de novembro, recusou dar uma resposta
imediata e clara, ficando-se malédica e malevolamente no “Verei isso na altura. Quero manter o suspense”. Depois, disse que
os aceitaria, se ganhasse.
A propósito de tal asserção, o New York Times escreve no seu editorial
de 20 de outubro:
“Donald Trump passou de insultar a
inteligência dos eleitores americanos para insultar a democracia americana em
si. Falsamente insistiu que existem 'milhões de pessoas' registadas para
participar na eleição que não tinham o direito de votar e declarou que não se
comprometia a honrar o resultado das eleições.”.
Aliás, segundo este diário, que há duas semanas
anunciou o seu total apoio a Hillary Clinton, Trump não deu qualquer mostra de vontade
de deixar de ser um rufia e de se focar em si próprio em vez de considerar os
problemas da nação. Diz ainda o seu editorial que a prestação do candidato
republicano no último debate presidencial “foi mais um exercício do narcisismo,
estilo bombástico e falsidade de Trump”, pelo que “só podemos desejar que esta
seja a última grande exibição da sua flagrante inaptidão para ser presidente”. O
candidato alega com grande despudor que há milhões de pessoas inscritas que não
têm o direito de voto, o que é encarado pela opinião pública como insulto à
fiabilidade do sistema.
Por seu turno, a Vox entende
que a forma como Trump respondeu mostra irresponsabilidade e ainda a sensação
de que já sabe que perdeu e que, por isso, teve necessidade de criar um engodo
e uma espécie de momento de reality show.
E também o Washington Post, que
partilha desta opinião geral, sustenta que, apesar de considerar que Trump “mostrou
um pouco mais de autocontrolo” que nos debates anteriores, tudo isso se
esvaneceu quando disse que não sabia se aceitava ou não os resultados da
eleição. É a mostra de que para ele “as questões políticas parecem pequenas” e
de que é enorme “a ignorância de Trump pelos factos e pela política”.
O editorial do Los
Angeles Times dá relevo à justificação de Trump para não responder à
questão se aceitaria ou não os resultados com a alegação de que as eleições
estariam “combinadas”. Chama a essa alegação “agoniante ponto baixo do debate”.
E sublinha que efetivamente o candidato republicano começou o debate de forma
disciplinada, mas, à medida que o debate prosseguia, “aquilo a que chamaram de
'pequeno Trump' emergiu com vingança”. Por isso, o jornal escreve:
“Este Trump é desprezível, frágil,
agressivamente ignorante acerca do mundo e inclinado a inventar teorias da
conspiração. Neste registo, Trump chamou Clinton de mentirosa, de bandida e de
'mulher desagradável'”.
E insiste:
“Teve mesmo o desplante de reiterar, que
não há ninguém que tenha mais respeito pelas mulheres do que ele”.
O New York Times
dá conta deste desplante no seu editorial, afirmando que esta foi uma das suas
mais transparentes mentiras da noite”. Porém, as coisas devem ser entendidas de
outro modo. O mesmo New York Times
assegura que as declarações de Trump não passam de subterfúgios, pois o seu
colapso nas últimas semanas “pode ser visto como uma tentativa bizarra de um
perdedor em racionalizar a sua derrota”, mas a postura de tentar “arrasar com o
processo democrático, a bem do seu próprio ego, pode provocar danos ao país” pelo
que “os políticos de ambos os partidos deviam afastar-se dele e do seu cinismo”.
O The Guardian, pela pena de Steven
Trasher, diz que a campanha de Trump “foi a de um homem branco ofendido, a
perder o seu lugar o mundo e que, por isso, está a tentar chegar ao poder
através do medo”. E a CNN diz que “Donald Trump usou o último debate
presidencial para se enterrar ainda mais”, pois, embora tenha, no início,
conseguido marcar pontos, depois teve um momento que vai assombrá-lo e definir
os últimos dias da campanha”.
Convém também anotar que, apesar de os títulos dos
editoriais serem praticamente todos sobre Trump, alguns sustentam que Hillary
não esteve bem em alguns temas, principalmente nos internacionais; e
Christopher Barron, do The Guardian,
diz mesmo que Trump teve o melhor desempenho dos três debates e saiu vitorioso.
Aliás, o Washington Post” afirma que houve muitos temas a que Hillary Clinton
não soube também responder da melhor forma, mas que não foram discutidos e até
passaram a “trivais”, por exemplo, quando o seu opositor, Donald Trump,
simplesmente “não aceita as regras básicas da democracia norte-americana” ou afiança
que aceitará os resultados eleitorais apenas se ganhar. Ademais, Clinton também
se encontrou na defensiva nas questões de política externa, parecendo mais um
republicano como George W Bush do que um democrata.
Sobre eventuais reclamações a formular sobre o
processo eleitoral norte-americano, o porta-voz da Organização das Nações Unidas avisou que “qualquer
reclamação relacionada com o processo deve ser tratada através dos meios constitucionais
e legais estabelecidos”. Ou seja, a ONU, respondendo às dúvidas lançadas pelo
candidato republicano, diz pretender que qualquer queixa sobre eventual fraude
nas eleições norte-americanas seja feita através dos meios legais
estabelecidos. Questionado pela agência noticiosa Efe sobre o assunto, Stéphane
Dujarric esclareceu que “qualquer reclamação relacionada com o processo
[eleitoral norte-americano] deve ser tratada através dos meios constitucionais
e legais estabelecidos”, deixando claro que esta mensagem seria a mesma que as
Nações Unidas dariam a questão similar que se pusesse a qualquer outro país, e
recordou que a ONU “não tem qualquer posição” sobre debates, porque não pode
comentar o processo eleitoral em si mesmo.
Com efeito, Trump insistiu que a campanha eleitoral está a ser “manipulada”
e manteve hoje a mesma posição ao assegurar que, “se ganhar”, aceitará o
resultado das eleições a 8 de novembro, declarando que se reserva “o direito de
impugnar” o resultado eleitoral caso este seja “questionável”.
***
Dizem os observadores que, em certos aspetos, a
eleição presidencial norte-americana de 2016 já foi bastante inovadora. Porém,
as inovações devem ser consideradas um regresso ao passado longínquo. Na verdade,
em tempos, era vulgar insultar o adversário e fazer correr todo o tipo de
rumores soezes sobre ele. Um candidato terá afirmado em campanha que, se o seu
rival deixasse de mentir sobre ele, ele pararia de dizer a verdade sobre o seu
rival.
Este ano, os rumores soezes sobre Donald Trump foram
validados por ele próprio no famoso vídeo em que se gabava de agarrar as partes
íntimas das mulheres sem o seu consentimento; e os insultos foram, em grande
medida, a base da sua campanha. Nas primárias, quando os adversários eram o
‘lying Ted’ (o mentiroso Ted
Cruz), o ‘little Marco' (o pequeno Marco Rubio) e o ‘low energy Jeb’ (o mole Jeb Bush), os insultos resultaram. Contra a ‘crooked Hillary' (a vigarista Hillary Clinton) na eleição geral, tem-se revelado mais
difícil. A candidata democrata, que diz ter sido ensinada pelos pais a resistir
aos ‘bullies’ em criança, tem muito mais experiência e preparação política do
que Trump e é alguém que não deixa os abusos sem resposta.
A hostilidade já se revelara nos dois debates anteriores,
mas no mais recente tornou-se muito mais visível. Começou logo ao princípio,
quando os dois candidatos entraram no palco. Foram para os pódios sem apertar a
mão. Já no debate anterior, tinha parecido óbvio o modo como Hillary se antecipava
a lançar um ‘Hello, Donald’ para resolver à distância o problema dos
cumprimentos. Mas aí os dois apertaram a mão no fim, apesar de Trump, durante o
debate, ter sugerido que a mandaria prender se fosse eleito. Desta vez, porque
repetira a ameaça em comícios públicos, não houve aperto de mão nem ao princípio
nem ao fim. Mal o debate acabou, Hillary cumprimentou o moderador, deixando
Trump parado no pódio, com a expressão fechada que se lhe tornou habitual. A
seguir, Hillary saudou ostensivamente pessoas no auditório, mantendo-se sempre
de costas para Trump, e os dois rapidamente se misturaram com os respetivos
apoiantes.
Ao longo do debate, Hillary mostrou uma enorme capacidade
de deitar abaixo o seu adversário. Chamou-lhe “marioneta de Putin”, a que ele
respondeu que marioneta era ela, e criticou-o por se aproveitar de e-mails
internos da sua campanha obtidos por hackers ligados ao governo russo. Noutro
momento, quando se discutiam propostas em matéria de impostos, explicou que,
tendo ela um rendimento elevado, a sua taxa de Segurança Social “vai subir,
como vai a do Donald – assumindo que ele não descobre uma maneira de escapar” –
o que foi entendido como tratando-se de referência aos estratagemas que Trump
usou para não pagar imposto de rendimento por mais de 20 anos. Mas o candidato
republicano, em vez de dar a sua resposta usual nesses casos, que não pagar
impostos é atitude esperta, preferiu exclamar: “Que mulher desagradável”.
Trump, na acusação de que a rival é só conversa (“Está na política há 30 anos e não fez nada”), admitiu que ela é mais experiente, mas de “má experiência”,
tendo ela respondido com uma lista de realizações, entre as quais a do seu
papel na captura e morte de Osama Bin Laden: “Enquanto eu estava na ‘situation room’ da Casa Branca, tu estavas a
apresentar ‘O Aprendiz’”.
Trump terá marcado pontos quando Hillary foi
confrontada com um discurso que fez há anos a um banco brasileiro (pelo qual recebeu mais de 200 mil dólares, disse o moderador). Hillary dissera que era a favor do
comércio livre e de “fronteiras abertas”, posição que hoje é menos popular do
que já foi. Ora, a atração de Trump para boa parte dos seus apoiantes prende-se
com a sua linha dura em relação à imigração legal, particularmente de mexicanos.
Mas Hillary limitou-se a aludir ao encontro que o adversário teve há meses com
o presidente do México: Uma promessa-chave de Trump era construir um muro na
fronteira e obrigar o México a pagá-lo, mas Hillary comentou que, no encontro “ele
nem sequer levantou a questão, sendo que, a seguir começou uma guerra no
Twitter por o presidente mexicano ter dito ‘não vamos pagar esse muro’.”
Outro aspeto em que o debate foi diferente do usual
nos debates norte-americanos é que não foi apenas o republicano a falar fora de
vez. Os dois candidatos interromperam-se com frequência um ao outro, bem como
ao moderador. Hillary notou contradições entre o discurso de Trump e as ações,
por exemplo, a utilização de aço proveniente da China (que ele acusa de arruinar as empresas americanas) nos seus edifícios ou o facto de ter
recorrido a migrantes ilegais durante a construção da Torre Trump, a quem
pagava abaixo da tabela, ameaçando-os de deportação casos eles se queixassem. O
empresário nova-iorquino não respondeu a esta última acusação, como ela não
respondeu a muitas dele. Mas como, dada a vantagem substancial que as sondagens
apontam a Hillary, quem precisava de conseguir vitória decisiva era ele, as
coisas não lhe correram bem. Resta-lhe queixar-se da putativa viciação do
sistema.
Hillary aproveitou o ensejo para referir que as
teorias de conspiração são uma questão de forma mental em Trump. Lembrou que o adversário
diz sempre que o jogo está viciado quando perde, seja nos negócios, na
política, seja no resto. Até quando o seu programa “O Aprendiz” não ganhou um
Emmy, o jogo estava viciado, ao que Trump atalhou: “Devia ter ganho”.
Será que pela primeira vez o candidato derrotado a 8
de novembro não saberá perder?
2016.10.21 – Louro de
Carvalho
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